Sim, estamos quase em Junho e uma lista dessa está bem atrasada. Finalmente um ano que foi melhor que os anteriores. Parece que já tinha virado costume dizer que a safra anual ficava pior; ou talvez fosse eu ficando mais amargurado, pois afinal críticos de cinema são pessoas ranzinzas e frustradas que descontam nos filmes suas infelicidades. Foi um ano de muitas surpresas em lançamentos que não pareciam ser tão bons em seu anúncio, nada muito empolgante de começo que depois surpreenderam ao chegar nos cinemas. Ou então projetos que já pareciam bons e corresponderam à expectativa.
E, sim, falo de “Avengers”. Um dos maiores períodos de ansiedade e especulação desenfreada dos últimos tempos foi entre “Infinity War” e “Endgame“. Os sites, os canais de YouTube e as redes sociais enlouqueceram tentando descobrir qual seria a solução para restaurar um universo com metade dos heróis mortos. Foi o ano em que se concluiu uma história que começou em 2008 com “Iron Man“, um projeto audacioso como pouquíssimos na terra da ambição chamada Hollywood. Foram muitas emoções nas trincheiras da Primeira Guerra, dentro de possantes em Le Mans e nas periferias da Coréia do Sul. E então há 3 horas e meia de “The Irishman“. Tédio ou outro tipo de ambição? Depende pra quem se pergunta. O simples fato de um filme tão grande sair no Netflix e reunir alguns dos maiores nomes do cinema numa mesma produção faz dele praticamente um “Vingadores” de gângsteres da velha guarda.
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10. Avengers: Endgame (Vingadores: Ultimato)
É o último lugar da lista… de melhores do ano. Isso não quer dizer que “Avengers: Endgame” seja pior ou sequer esteja entre os piores. O simples fato de um grande filme de ação como ele estar nessa posição mostra como o ano teve muitas surpresas boas. Surpresa pela quantidade de filmes excelentes, vale dizer, pois surpresa por surpresa, “Avengers: Endgame” foi a maior do ano ou a mais antecipada, no mínimo. Agora, vale ressaltar que há diversas razões sensatas para exaltá-lo e também outras críticas pontuais, mas incomodamente palpáveis. De um lado, um mar de sentimentalismo e empolgação nerd depois do final chocante “Avengers: Infinity War“, com pessoas exaltadas saindo do cinema falando que é o magnum opus de todas as artes unidas. Entre tenta emoção existe motivo para elogiar uma obra que honra a conclusão de um arco cinematográfico de mais de 10 anos, cenas de ação gigantescas, satisfatórias e uma reunião de heróis inconcebível até uns anos antes. Em contrapartida, é impossível ignorar, embora difícil de aceitar, que um evento tão incrível tenha problemas que impedem que iguale seu predecessor. Permanece um ponto altíssimo dos super-heróis no cinema.
9. A Beautiful Day in the Neighborhood (Um Lindo Dia na Vizinhança)
Realmente não esperava que “A Beautiful Day in the Neighborhood” fosse passar perto de uma lista de melhores do ano. Tendo certo preconceito com uma produção hollywoodiana com um ator famoso recontando praticamente a mesma história de um excelente documentário do ano anterior, pensei que talvez seria apenas uma isca de Oscar como tantas outras. Bem, uma coisa não é mentira: o documentário sobre Fred Rogers, “Won’t You Be My Neighbor?“, recebeu atenção limitada e foi ofuscado na seqüência por outra produção de ficção. Felizmente, o resultado não tem nada de ofensivo, longe disso, ele honra a figura central da história como pode, em artifícios narrativos, em brincadeiras com o formato e na própria atuação de Tom Hanks. Se for pensar, o próprio Fred Rogers, com sua inabalável índole do bem, tentaria ver o lado positivo e ficaria feliz com duas produções respeitáveis em vez de se prender à injustiça do documentário. Foi necessário ver o filme para descobrir que há razão nesse pensamento.
8. Knives Out (Entre Facas e Segredos)
Esse foi uma surpresa. Ainda havia muitos narizes torcidos para Rian Johnson depois de “Star Wars: The Last Jedi“. Muitos pareciam o querer longe da galáxia muito, muito distante, talvez longe de qualquer coisa com seu nome, outros não odiaram tanto o filme nem sentiram empolgação pelos novos projetos do diretor. Aparentemente aconteceu que a memória do público foi curta ou sua índole, clemente o bastante para ir aos cinemas e ver do que se tratava seu novo trabalho. Nada de sabres de luz e espaçonaves, “Knives Out” traz uma história de detetive à moda antiga, com uma morte misteriosa e gente suspeita demais para que o caso seja descartado como uma ocasião inofensiva. Devo admitir que não esperava nada e fui surpreendido ao encontrar um filme até melhor do que a reputação que vinha sendo construída pelos comentários alheios. Mesmo não sendo desprovido de pequenos problemas aqui e ali, tudo funciona por causa da aliança sagrada do roteiro inteligente com um elenco que ostenta orgulhosamente seu sucesso em fazer humor e suspense funcionarem ao mesmo tempo.
7. Midsommar (Midsommar – O Mal Não Espera a Noite)
“Midsommar” vem da mesma mente por trás de “Hereditary“, que ano passado ocupou lugar nessa mesma lista. A diferença foi a posição ocupada: segundo contra sétimo. Comparativamente, esse trabalho não chega no nível de seu predecessor… por muito pouco. A diferença é sutil e ainda permite que os dois sejam colocados lado a lado como similares. A proposta muda um pouco por “Midsommar” ser um filme de Terror que se passa de dia na maior parte do tempo. Sim, é uma quebra do clichê de noites chuvosas, trovões, neblina e escuridão, uma que funciona surpreendentemente bem mesmo sendo totalmente contra-intuitiva. É uma experiência diferenciada, exige um pouco de desligamento das convenções clássicas do gênero para que outras novas sejam absorvidas. Não há nada convencional e isso é o forte da obra. Nunca será defeito — ao menos não nesse caso — buscar originalidade. Funcionando, que mal tem? Se o que se busca é um terror psicológico forte que não se resguarda no uso de imagens fortes e sons bizarros para transmitir a loucura de toda a situação, “Midsommar” é um prato cheio.
6. Joker (Coringa)
Confesso que não botava fé nesse projeto lá no começo de tudo. Quando foi anunciado que um filme solo sobre o Coringa seria feito, pensei na hora na grande besteira que estavam fazendo. Parecia que estavam ouvindo o hype das massas que querem o vilão em todos os filmes do Batman porque sim e não ficarão satisfeitos até que o personagem esteja saturado e morto como os memes de internet que nascem e caem no esquecimento logo depois. Mas não, “Joker” mostra que sua proposta é séria e entra na cabeça de seu personagem como poucas histórias fizeram antes, buscando algum tipo de explicação para aquele que é conhecido como o avatar do caos e da insanidade, responder perguntas sem dar respostas definitivas ou dar explicações demais a algo que sempre foi misterioso. Diferente de “Venom“, que falhou em parte por descaracterizar seu protagonista e não ter a presença do herói responsável por seu nascimento, “Joker” consegue se sustentar por conta própria e não desrespeitar o legado de um vilão aclamado nos quadrinhos e também no cinema depois de interpretado por outros grandes atores.
5. 1917
Esse estava no radar fazia tempo. De todos os grandes nomes da temporada de premiação, “1917” era um que me despertava muito a curiosidade por ser um filme de Primeira Guerra, em primeiro lugar, e uma produção que exclamava ter algo de especial sobre si. E nem me refiro apenas ao fato de ser dirigido para parecer que é uma tomada só, isso é interessante, diferenciado e incrível em seu próprio mérito, mas falo de uma coisa abstrata como bater o olho e perceber que há algo mais ali, que não é apenas mais um filme de guerra genérico. Começa com a escolha peculiar da Primeira Guerra Mundial como plano de fundo, continua com a direção exímia de Sam Mendes e permanece com o espectador através das imagens das trincheiras lotadas, sujas, quase enterrando os soldados no barro, e seus mil detalhes ficam registrados permanentemente. Existem outros grandes trabalhos sobre a Grande Guerra, poucos ou talvez nenhum no mesmo nível de imersão visual. Tem seus pequenos problemas? Claro, como tantos outros dessa lista, nada que mine a experiência significativamente.
4. Ford v Ferrari (Ford vs Ferrari)
E mais uma surpresa. Acredito que este surpreendeu porque ninguém em particular esperava muito, no sentido de sequer pensar na perspectiva de um filme de corrida fazer algum sucesso. Nem para ser como “Rush” e falar de Fórmula 1, a modalidade mais conhecida pelo grande público, essa é uma história que talvez só os mais entusiastas conheceriam. Tratando de Le Mans e de um círculo menos popular, era difícil se empolgar antes de assistir. Depois, é impossível ficar calmo. É sair da sessão e enxergar seu carro de outra forma. Agora ele é uma máquina. O motor chega a soar diferente. Trocar marcha é um prazer renovado. Exageros à parte, isso mostra que “Ford v Ferrari” alcança um sucesso básico ao menos por deixar espectador empolgado pelo seu assunto principal, faz ele gostar um pouco mais de dirigir, imaginar como seria pilotar um carro esportivo numa estrada vazia. Isso e algumas coisas mais. O elemento humano da história é forte e partilha do foco nos eventos e nos carros, é possível se envolver num nível pessoal com os personagens e perceber a situação como mais do que vencer ou perder a corrida. E como esquecer do sotaque tão incompreensível de Christian Bale que chega impressionar? Somando isso a uma direção que torna excitantes as corridas que poderiam ser bem repetitivas se mal apresentadas e o resultado fica bem acima da expectativa inicial.
3. Dolor y gloria (Dor e Glória)
Finalmente uma não surpresa. “Dolor y Gloria” é apenas um caso curioso: lançado meses antes da temporada de premiações, conseguiu se manter relevante o ano todo até estar entre os indicados. Deveria ser a norma, na verdade, os indicados serem os mais competentes em vez de os mais frescos na memória do júri, qualidade acima de tudo. Bem, Pedro Almodóvar já é um nome bem estabelecido no cinema europeu e seus trabalhos, bons ou nem tanto, acabam fazendo barulho de qualquer forma. “Dolor y Gloria” acabou por ser um dos que fazem mais e merecidamente, pois se coloca entre os melhores do diretor e até mais, entre os melhores do ano. Se um terceiro lugar numa lista como essa diz alguma coisa, que seja um sinal do espaço maior que o cinema estrangeiro tem ocupado dentro do mercado, com trabalhos não apenas respeitados em nichos mas também apreciados por um público maior. Mas é claro que o maior representante dessa tendência ainda está para chegar…
2. Gisaengchung (Parasita)
… e chegou. “Parasita” aterrissou causando uma impressão forte. Por algum motivo, dessa vez o mundo reparou nesse filme estrangeiro da Coréia do Sul e falou dele à exaustão. Foi até chato às vezes, pois chegou um ponto em que as pessoas só falavam disso, “Parasita” isso e “Parasita” aquilo por meses antes e durante a época do Oscar, principalmente. Mas o que foi diferente nesse caso de outras produções estrangeiras de qualidade similar sem a mesma notoriedade? Bem, ao certo eu não sei porque ninguém sabe de nada no mercado do cinema. Meu palpite começaria com o fato de ser um ótimo filme mesmo, merecedor da atenção recebida por contar uma história não como qualquer outra e especialmente diferente do estereótipo de obra estrangeira. A vitória da Palma de Ouro em Cannes sem dúvida ajudou, depois veio o Globo de Ouro e a vitória esperada como Melhor Filme Estrangeiro. Parecia que no Oscar a história se repetiria e o prêmio estaria garantido, mas quando chegaram as indicações a 6 prêmios no total as pessoas repararam com um pouco mais de atenção. Aconteceu que esse filme sul-coreano de quem todo mundo falava seguiu e ganhou o prêmio de Melhor Filme. Nada menos que isso e alguns outros para garantir que fosse memorável. Enquanto “Dolor y Gloria” participou da ascensão de filmes estrangeiros e histórias originais no grande mercado, seu impacto nem se compara a “Parasita“.
1. The Irishman (O Irlandês)
Ah sim, finalmente os velhos amigos reunidos. Esse é o filme que faz pensar que é impossível de ser ruim. Inconcebível. Ninguém menos do que Martin Scorsese reunindo todos os grandes nomes que trabalharam nos seus filmes mais memoráveis para fazer uma possível última grande história de máfia. Robert De Niro, cuja última parceria com o diretor foi em “Casino” de 1995; Harvey Keitel, presente desde o começo da carreira do diretor em “Mean Streets“; Joe Pesci, aposentado há um bom tempo; e até Al Pacino, que contribuiu muito para o gênero Gângster e até então nunca havia trabalhado com Scorsese. A questão era: o que fazer quando seu elenco está perto dos 80 anos? Contar uma história sobre velhos estava fora de questão, logo entrou a tecnologia para rejuvenescer o elenco na medida do possível. E assim nasceu o maior alvo de críticas de “The Irishman“. Não é um processo perfeito, pois idade envolve outros aspectos além de rugas no rosto, porém jamais diria que o esforço de ambos elenco e efeitos especiais são insuficientes de alguma forma, a obra tem outros méritos e nunca se deixa abalar por um reumatismo ocasional. Com três horas e meia, o segundo motivo de reclamação, “The Irishman” testa a capacidade de foco e o interesse de sua audiência ao limite, nunca passa dele e faz cada minuto valer para que uma reunião épica como essa não seja só um breve encontro. Assistindo em partes como um seriado ou não, o importante é assistir.