Metade de toda a vida no Universo se foi. Os Vingadores foram avante e perderam a batalha. Não resta nada mais a se fazer além de reunir as peças e tentar seguir em frente, porém as coisas já não são as mesmas. De que serve um herói se ele não consegue salvar quem deveria? Mesmo assim, tem de haver um jeito de consertar tudo, de trazer as coisas de volta ao normal. O grupo de heróis se reúne uma última vez para enfrentar Thanos (Josh Brolin) e tentar restaurar a ordem no universo. A missão chega ao fim em “Avengers: Endgame”.
A primeira seqüência do filme é fantástica. Antes mesmo da vinheta do Marvel Cinematic Universe aparecer como de praxe, uma pequena parte das conseqüências do estalar de dedos de Thanos é apresentada de uma forma tão ruim, se não pior, que as vistas durante “Infinity War“. Como se fosse um lembrete de algo que ninguém esqueceu, o trecho remexe nos sentimentos difíceis deixados anteriormente. Derrota, desamparo, impotência. Somando ao pesar de ver heróis queridos simplesmente deixarem de existir, surge um ponto de vista mais pessoal ligado à incapacidade de alguém que já salvou o mundo não poder fazer nada diante de uma demonstração de poder tão surreal. É a ponte perfeita entre o final emocionalmente carregado de “Infinity War” e a continuação disso em “Avengers: Endgame”.
Pelo menos até o final do primeiro ato, essa continuação serve perfeitamente seu propósito de continuar uma história previamente encerrada, mas com margem para uma continuação. Parte do que faz de “Infinity War” tão bom é o sentimento de peso das conseqüências, de que a forma como tudo termina não é apenas mais um obstáculo a ser superado como qualquer outro. Isso caracterizaria um pecado comum em obras divididas em partes 1 e 2, fragmentadas artificialmente em vez de serem dois núcleos narrativos complementares e interdependentes. Por mais que a proposta inteira de “Avengers: Endgame” seja de reverter o que aconteceu, conserva-se o sentimento prévio de irreversibilidade, de que a nova missão não passa de um esforço fútil e desesperado de gente sem nada mais a perder.
Se esta fosse a entonação seguida pela história inteira, “Avengers: Endgame” com toda a certeza seria melhor que seu predecessor. Entretanto, essa não é uma tendência que se mantém e logo a história entra em um trecho novo. Não chega a ser insatisfatório ou a estragar qualquer coisa, só se destaca um pouco negativamente. As coisas mudam mais ou menos quando o Homem-Formiga (Paul Rudd) entra na trama, quando uma coincidência roedora o traz de volta do mundo quântico. Talvez porque o personagem é o mais palhaço de todos do MCU, toma-se a decisão de injetar mais humor na atmosfera geral. Até aí tudo bem, pois até mesmo outros filmes sérios do passado tiveram suas doses de humor. As decisões questionáveis começam a surgir quando eventos importantes da trama são tratados diferentemente. Maltratados, talvez.
Cria-se desde o começo um sentimento de urgência e desespero de uma missão que absolutamente não pode falhar a fim de salvar o que resta de esperança. Isso é dito e repetido pelos próprios personagens, logo não se trata de expectativa não correspondida. O que se encontra, todavia, é essa mesma missão por vezes parecendo uma versão boba de si mesma, como se estivesse em um filme sem nada em jogo e sem risco, algo que “Avengers: Endgame” com certeza não é. Há um pouco de mecanização e um pouco de incoerência de tom resultando em um trecho anticlimático, como se fosse apenas mais uma aventura emocionante dos maiores super-heróis da terra, os grandes Vingadores! Não parece pertencer ao mesmo lugar que o começo do filme e interrompe o fluxo emocional tão bem estabelecido antes. Novamente, não é como se as seqüências fossem detestáveis, pedindo para serem cortadas como um câncer, elas possuem relevância narrativa e seu conteúdo definitivamente caracteriza um entretenimento competente, especialmente porque algumas partes de um mesmo ato não cometem erro algum. Ademais, são um bom agrado aos fãs — o tal fan service — mas talvez pudessem existir em maior consonância com o tom previamente estabelecido.
A única coisa ruim mesmo, sem defesa e sem razão para existir a não ser fazer graça é Thor (Chris Hemsworth), a parte curiosamente mais sem graça. Evitando detalhes para não estragar a surpresa, mesmo que negativa, basta dizer que se usa como base uma idéia funcional dentro do clima de desolação para estabelecer a caracterização do personagem e então isso é distorcido completamente em prol de palhaçadinhas muito pouco inspiradas. Em milhões de futuros, Thor poderia ser diferente e justamente neste há o mais patético e sem graça de todos. Se a versão “engraçadíssima” incomodou em “Thor: Ragnarok“, esta é a evolução para pior do mesmo conceito. Enfim, aqui terminam as coisas incômodas, muito ou pouco, de “Avengers: Endgame”.
Todo o resto é exatamente o que se queria de uma conclusão de proporções épicas. Talvez chorar no cinema, torcer, fazer gritaria e se exaltar sejam exageros desnecessários, porém não há como ficar indiferente durante a experiência. Se o indivíduo gostou do que viu antes ao longo de 11 anos de universo, no mínimo alguma cena causará uma impressão forte, no mínimo algum momento criará antecipação pela avalanche visível de longe. Aliás, eis um termo perfeito para descrever o que vem depois do ato discutido antes, a seqüência de acerto atrás de sucesso seguido de conquista e sucedido por glória. É um ponto de “Avengers: Endgame” que não deixa nenhuma dúvida mais sobre para onde a história poderia ir. O momento crítico se apresenta e não deixa uma fresta, uma margem para dúvida de que outra coisa está acontecendo. Claro, nada a respeito de um resultado previsível, apenas uma clareza quanto à natureza do que acontece.
É difícil suprimir sentimento ao ver algo da magnitude de “Avengers: Endgame” existindo do jeito certo, sem fazer o espectador pensar que talvez se a produção tivesse seguido por esse caminho e fosse mais fiel ao quadrinho e… Não. É o que é e não precisaria ser mais do que isso. Mais de uma vez durante a sessão a respiração perdeu o ritmo, aumentou de intensidade, a sala ficou mais quente e o clima era de tensão absoluta. Normalmente parto do princípio de que descrever sensações e experiências individuais vai contra a proposta de uma análise de filme, mas este é um caso difícil de ignorar. Apenas uma adaptação ousada e excelente em sua proposta de concluir uma extensa saga e reunir todos os jogadores do passado poderia causar algo assim. Mesmo porque qualidade por qualidade, tentando ser mais objetivo, “Infinity War” é superior como um todo, ao mesmo tempo que nem seu ponto mais alto chega tão alto quanto os picos vistos aqui.
Nem mesmo as sagas mais ambiciosas dos quadrinhos, tendo à sua disposição quantos heróis os desenhistas quiserem colocar na página, chegam a despertar um sentimento épico como o daqui. “Desafio Infinito”, “Guerra Infinita” e “Cruzada Infinita” envolvem praticamente todos os heróis principais da Marvel e apenas despertam uma idéia de como seria uma luta entre três ou quatro heróis por às vezes se limitarem a duas ou três páginas de combate. Se existe uma representação definitiva de ação de super-heróis, eu não sei, mas aqui se chega muito, muito perto disso. Mesmo com seus problemas, “Avengers: Endgame” é o que a audiência queria e o que o Universo Cinematográfico Marvel precisava.