Alguém desejava um filme solo de Venom? Alguém esperava que o resultado fosse bom? Havia alguma possibilidade de prestar com toda as mudanças do Homem-Aranha para o MCU? Todas são perguntas que provavelmente passaram pela cabeça das pessoas quando, a despeito do principal oponente do protagonista não aparecer, a Sony decidiu seguir em frente e gastar 100 milhões de dólares nesta produção. Pelos trailers, pouquíssima coisa parecia decente além do visual da criatura e, no fim das contas, é por aí mesmo. As piores expectativas se tornam verdade e às vezes ainda mais desagradáveis do que se poderia imaginar. Definitivamente não foi uma boa idéia.
Eddie Brock (Tom Hardy) é um jornalista de sucesso com seu próprio programa na televisão. Nele, Brock investiga casos polêmicos ou personalidades controversas e freqüentemente revela os podres por trás da situação para sua audiência. No entanto, um dia chega uma tarefa custosa: ele deve entrevistar um empreendedor milionário da Fundação Life, Carlton Drake (Riz Ahmed), envolvida no ramo farmacêutico e de exploração espacial. As coisas dão terrivelmente errado quando Eddie Brock tenta expor o entrevistado e falha catastroficamente. Ele perde emprego, esposa e ainda acaba infectado com um parasita alienígena trazido em uma expedição da Life.
As coisas ficam suspeitas já de cara. Não faço parte do grupo de puristas que busca fidelidade máxima aos quadrinhos nas adaptações do cinema e critica qualquer decisão divergente, os mais radicais detestando “Capitão América: Guerra Civil” simplesmente porque empresta o nome do quadrinho como subtítulo, por exemplo. No entanto, o caso de “Venom” é uma divergência difícil de ignorar. Originalmente, o vilão nasceu quando o Homem-Aranha decidiu se livrar do simbionte que trouxe de um planeta distante durante o arco “Guerras Secretas”; o simbionte acha um novo hospedeiro em Eddie Brock, que compartilhava o ódio pelo Homem-Aranha do organismo alienígena, e assim nasce Venom. Agora, com o amigão da vizinhança completamente fora da equação, como fazer funcionar a história do vilão que o público só conhece por causa do herói?
Difícil, mas não dá para afirmar que é completamente impossível. Isso seria insultar a criatividade alheia e se prender à mitologia original. O problema é que não se atinge um bom nível de qualidade de enredo. Esquecendo totalmente a presença do Aranha, a história de Eddie Brock é um tanto sem graça. Os começos de filmes de ação costumam ser bombásticos e especialmente bem cadenciados e dirigidos para deixar o espectador empolgado pelo que vier a seguir. Os próprios James Bond implementaram isso na fórmula com as chamadas Sequência Pré-Créditos e, bem, é uma técnica que funciona. Fica claro que “Venom” tenta algo parecido ou, ao menos, tenta se colocar num molde de filme de ação, mas está bem longe de atingir um resultado decente. A estrutura está lá, claramente identificável, enquanto o conteúdo simplesmente não empolga nada.
Tudo isso acontece porque há um problema básico no que tentam fazer: no lugar de cenas de ação, colocam cenas da vida de Eddie Brock. Inicialmente, como em qualquer obra, o espectador não dá a mínima para os personagens a não ser que se dê um bom motivo para isso. Não há por que ligar para a carreira ou para a vida amorosa de Eddie Brock; aliás, não é isso que se procura num filme como esse. “Venom” é uma daquelas histórias de origem que peca pelo excesso de origem a ponto de entediar o espectador que esperava ver o simbionte em ação. Há muita vida pessoal de Eddie Brock junto com uma subtrama paralela inexplicavelmente lenta no maior estilo “Jason Vai para o Inferno”. Não haveria problema se a trama fosse rica, mas não é o que acontece.
Então chega o momento em que Brock finalmente se vê infectado pela criatura alienígena e começa a manifestar seus novos poderes. Logo, a situação melhora, não? Não. Além da escassez, outro problema fatal de “Venom” é que suas cenas de ação não são nada de mais. Sendo justo, algumas são bem legais e indicam que algo bom poderia ser ter sido feito, que a proposta não estava fadada ao fracasso desde o primeiro minuto. Outras, em contrapartida, chegam a ser toscas em sua mediocridade. Quem leu qualquer quadrinho envolvendo Venom ou outro simbionte sabe que a substância alienígena pode adquirir diversos formatos e, mais freqüentemente, usa tentáculos como armas. Numa tentativa de mostrar Brock sem saber usar seus poderes ainda, com o parasita agindo por conta própria, tentáculos atacam os inimigos e praticamente fazem todo o trabalho sujo. Nada de bom para ser visto. Para ajudar, continuam a sequência com uma perseguição de moto igualmente lamentável.
As coisas só ficam mais interessantes quando Venom deixa de ser um tentáculo aleatório que salva Brock de tudo e enfim se torna a criatura conhecida. Pelas primeiras fotos e vídeos lançados, achei que o design da criatura estava esquisito, mas me enganei, pois é facilmente uma das melhores coisas aqui. Ao menos nisso não se pode colocar defeito, mesmo que o emblema branco do peito não esteja presente. De resto, é bizarro como se representa a dupla personalidade resultante da consciência alienígena e da humana numa mesma pessoa. Por algum motivo, isso se torna desculpa para um tipo de “buddy movie” — filme estrelando uma dupla de amigos, como “Máquina Mortífera” — em que Eddie Brock tem freqüentes diálogos com Venom dentro de sua cabeça, a maioria deles tentando ser cômicos por causa do desajuste do alien dentro da sociedade. Um tipo de interação envolve Brock tendo problemas pessoais porque Venom é um comilão e acham espaço até mesmo para um pouco de melodrama em tudo isso.
A cereja do bolo é o próprio Tom Hardy. Um desastre nesse nível não estava fora das expectativas e, bem, quem trabalha na indústria provavelmente sabia disso melhor que qualquer um. Isso torna a presença de Hardy algo muito bizarro, pois o que diabos ele foi fazer ali? Claramente, após assistir a “Venom”, é possível ter uma idéia. Assim como nos piores filmes de Nicolas Cage, nos quais ele nem tenta esconder que não está se esforçando, Hardy entrega uma interpretação risível no mau sentido. Não porque as piadas sobre comer cabeças humanas são engraçadas, mas porque ele simplesmente não está nem aí, é exagerado e parece fazer questão de aloprar. Se alguém tinha expectativas boas sobre a obra ou esperava conhecer mais sobre o personagem, é melhor ler um quadrinho porque nada disso se encontra aqui.