Finalmente chegou a hora. Já estava tão acostumado a pensar em “Avengers: Infinity War” como um evento distante, o grande filme da Marvel que sairia um dia, que chega a ser estranho poder dizer que fui ao cinema vê-lo. Mesmo quando assisti a “Black Panther” há mais ou menos dois meses, nunca imaginei que o maior evento do Universo Marvel e, possivelmente, de toda a história do cinema blockbuster pudesse estar tão próximo. Nada de “Star Wars: The Force Awakens” continuando a série com o elenco clássico ou “The Phantom Menace” iniciando uma nova trilogia. Dificilmente outro filme foi tão antecipado quanto este.
Desde sempre, Thanos (Josh Brolin) esteve em missão de limpar o universo enquanto extermina metade dos seres vivos do universo. A melhor forma que ele achou para isso, depois de anos e anos fazendo o trabalho sujo com as próprias mãos, é reunir seis jóias que detém poder imensurável quando juntas. Espaço, tempo, alma, poder, mente e realidade. Thanos está na caça destes artefatos sem demonstrar sinal algum de piedade contra aqueles que se colocarem em seu caminho. Desunidos e enfraquecidos, os maiores heróis da Terra devem juntar-se para tentar parar um inimigo que pode acabar com toda a galáxia.
E é isso. “Avengers: Infinity War” está longe de ser um filme de trama complexa ou minimamente perto disso, tentando, em contrapartida, uma proposta diferenciada que se apóia diretamente no esforço que a Marvel tem feito desde 2008. Não há como destacar este filme dos outros e dizer que ele funciona sozinho porque muito do que veio antes alimentava o caldeirão de expectativas e preparava a audiência para uma batalha muitas vezes maior que qualquer outra. Isso não é dizer que os outros filmes compensam por alguma falta que se encontra aqui e que erros devem ser ignorados porque, sim, este novo longa cumpre a proposta a qual se propõe: trazer um conflito gigantesco. Inclusive, nem dá para dizer que existe mesmo a construção de uma narrativa que transcende filmes individuais. A função das outras produções foi mais de construir um universo e introduzir personagens para que estes pudessem ser considerados jogadores relevantes ao invés de peões desconhecidos na grande batalha por vir. Em termos de elementos narrativos, a única coisa que faz realmente a diferença é a presença das jóias do infinito. De resto, tudo funciona sozinho aqui.
Tudo começa com Thanos já tendo iniciado sua caçada enquanto todo o resto é preenchido com ele continuando essa missão ao lado dos seus chamados filhos, que vão para lugares diferentes do universo em busca das jóias. Simples, mas funcional. A narrativa faz um ótimo trabalho no revezamento de pontos de vista entre heróis que estão em lugares diferentes tentando impedir o apocalipse de seu próprio jeito. Ora se está na Terra enfrentando dois filhos de Thanos, ora se está no meio do espaço sideral curtindo um momento de descontração com os Guardiões da Galáxia, que ainda não sabem direito seu papel no que está por vir. Minigrupos se formam e assim, uma das dinâmicas do filme surge. Em vez de dar mais destaque a um ou dois indivíduos, como aconteceu antes a despeito de serem filmes de grupo — Hulk em “The Avengers” ou Capitão América em “Age of Ultron” — “Avengers: Infinity War” trabalha com pequenos grupos lutando juntos ou com batalhas de grande escala contra hordas e hordas de inimigos mais fracos, como aconteceu com os chitauri ou os robôs que servem Ultron.
Melhor de tudo é que revezar os pontos de vista funciona para que cada um dos mini-arcos apresentados não denuncie sua simplicidade e pareça pobre, o que aconteceria caso fossem mostrados de forma menos intermitente. Independentemente de envolverem poucos ou vários indivíduos, esse caráter simples faz sua tarefa de estabelecer as grandes sequências de ação que preenchem a maior parte de “Avengers: Infinity War”. E não acaba aí, pois o Anthony e Joe Russo novamente mostram que estão entre os melhores — se não no topo do pódio — diretores do Universo Cinematográfico Marvel. As piadas estão aqui, como é de se esperar, só que em menor número para não trair a entonação um pouco mais séria do enredo, que se beneficia tanto dos heróis trabalhando juntos para arrebentar um número maior de oponentes como de um senso de urgência sobre tudo o que acontece. Mesmo derrotando os filhos do Thanos, a grande ameaça está longe de ser derrotada; o objetivo já não é mais tão pontual. É visível o desespero que segue o despreparo dos heróis quando a ameaça chega arrasando tudo, algo que faz suas consequências serem sentidas, definitivamente.
Contudo, a falta de participações individuais muito sobressalentes não impede que algumas negativas existam. Devo dizer que fiquei um pouco decepcionado com a presença de Hulk e do Visão, embora a plateia tenha aproveitado até mesmo essas oportunidades para aplaudir. Mas estaria sendo injusto dizendo que nenhuma presença individual se sobressai. Thanos não é apenas o personagem que mais rouba a cena como também é o melhor vilão da Marvel, facilmente. Tudo bem, é fácil ser rei com tantos exemplos ruins do naipe de Malekith, Kaecilius e Aldrich Killian, mas mesmo entre os bons ele tem destaque porque simplesmente cumpre muito bem sua tarefa de apresentar uma ameaça formidável, ter uma motivação maior do que ser mau e mostrar convicção nas suas crenças.O sucesso do vilão de “Avengers: Infinity War” é sustentado por alguns pilares: a escrita do personagem estabelecendo porque ele gostaria de causar um genocídio de escala universal; a representação do personagem que faz seus conflitos, emoções e crenças serem críveis — incluindo a voz de Josh Brolin nesta caracterização; e a simples montanha de poder em constante crescimento que ele detém, que mostra repetidas vezes como é fácil esmagar um super-herói ou um grupo deles. É quase sem graça salvo por momentos em que ele brinca com seus oponentes, tira sarro deles ou é surpreendido por sua determinação em raras ocasiões.
“Avengers: Infinity War” tem seu único problema em algo que, na verdade, é uma questão dos quadrinhos em geral. Assim como me incomodei com a completa falta de impacto e consequência em “Guardians of the Galaxy“, que acontece muito nos gibis, não pude deixar uma inconsistência nos poderes dos heróis aqui. Por vezes um personagem quase encontra sua morte nas mãos de um oponente que acaba sendo derrotado por um outro herói claramente mais fraco. Mais tarde, o mesmo indivíduo que apanhou tanto no começou mostra um poder ridiculamente maior em outra situação sem muita explicação. Nos quadrinhos, normalmente isso acontece ao longo de edições ou em arcos diferentes, cujo equivalente cinematográfico seria um filme ambicioso como este. Nos outros mais curtos, a quantidade menor de cenas de ação facilitava uma maior consistência, ao passo que aqui é difícil dizer porque exatamente um herói apanhou tanto em certo momento e destruiu tudo em outro. Sendo justo, existem momentos em que essas divergências são justificadas pelo contexto da trama, mas outros acabam passando batidos numa possível esperança de que fossem ignorados entre tanta porrada e destruição. Também não dá para dizer que há uma explícita manipulação deste fator por mera conveniência do roteiro, como deixar um personagem forte de uma hora para outra simplesmente porque ele precisa derrotar o vilão. É uma questão de impacto bem mais moderado.
Saindo do cinema, não restava dúvida e agora, idem. “Avengers: Infinity War” é o melhor filme da Marvel, mas não com folga. Exageros à parte, que chamam o longa de uma reinvenção do cinema de ação, o trabalho feito aqui é de extremo bom gosto por ser aquilo que todos esperavam após uma construção de universo ao longo de mais de 10 anos com bem mais acertos que erros. Depois de introduzir e reintroduzir personagens, faltava alguma coisa para unir tudo. Por muito tempo, isso foi “Avengers: Infinity War”, o ponto de referência para onde todos olhavam quando falavam do futuro do universo. Hoje, é possível dizer que uma boa fatia deste grande clímax está ao alcance da audiência. O resto ainda está por vir, como o final deixa perfeitamente claro. Há ainda mais dessa ótima experiência por vir.