10. The Shawshank Redemption (Um Sonho de Liberdade), 1994
Direção: Frank Darabont
Esse chega a ser um clichê. Quantas vezes já não foi dito que “The Shawshank Redemption” é o filme mais bem avaliado no IMDb? Que ele mantém essa posição desde 2008? Assim como muitos casos, ser clichê não impede que seja verdade; há um motivo para o clichê existir e isso é porque ele funcionou algum dia. A popularidade reconhecida e inesperada dessa obra não é detrimental de forma alguma. É a mesma coisa com “The Godfather“: praticamente todo mundo conhece e normalmente concorda que é um dos melhores filmes da história. Tanto é que antes de 2008 era ele que ocupava o número um no ranking do IMDb. Essa popularidade universal é reflexo de qualidade ao invés do contrário. Mas são obras e obras. Enquanto a de Francis Ford Coppola já foi objeto de inúmeros artigos, análises extensas e polêmicas envolvendo premiações e retratos de ítalo-americanos, considerado um dos pilares do cinema americano, o outro é uma adaptação dos Anos 90 de um conto de Stephen King. Dificilmente comparável nesses termos.
A realidade é um pouco diferente. Sim, “The Godfather” ainda é melhor, mas não tanto a ponto de “The Shawshank Redemption” ser excluído da lista de melhores de todos os tempos. Por incrível que pareça, a proposta aqui é bastante simples e bem executada. É um filme de prisão, essencialmente, e com isso alguns elementos esperados: o dia-a-dia diferenciado de viver sem liberdade, as relações estabelecidas com as pessoas ali, os antagonismos, as raras aventuras e talvez uma tentativa de fuga. É exatamente isso com algo mais. Ao invés de simplesmente juntar os ingredientes e esperar que tudo dê certo por cumprir os requerimentos, a obra desenvolve todos eles um passo mais adiante, criando pontes de forma que exista foco em um aspecto que sirva como elo entre todos os outros complementos. Antes mesmo do espectador se tocar, já se foram uma hora e meia sem parecer. A fluidez continua até chegar em um final que deixa o agradável gosto de satisfação depois de tudo que passou antes. Há motivo para as pessoas gostarem tanto dessa obra e não é nenhum problema ela ser tão popular.
9. Forrest Gump (Forrest Gump: O Contador de Histórias), 1994
Direção: Robert Zemeckis
Pode-se dizer que “Forrest Gump” é muito Sessão da Tarde para estar numa lista de melhores filmes, mas até aí não seria a primeira vez que escuto isso a respeito de um filme de Robert Zemeckis. Certa vez falaram a mesma coisa de “Back to the Future” como se fosse algo negativo. Talvez realmente seja uma escolha para a programação de um domingo à tarde, o que não quer dizer nada em termos de qualidade, talvez apenas indique bom gosto da emissora. Isso tudo pode dizer indiretamente que “Forrest Gump” é uma obra muito acessível, feita para um público abrangente sem buscar se limitar como um suposto “filme arte” ou um drama biográfico querendo fazer barulho no Oscar. E isso nunca foi problema, embora sempre haja aqueles que favoreçam uma chamada linguagem cinematográfica heterodoxa, contra os padrões hollywoodianos, suas convenções, regras e clichês. Tudo é muito simples aqui, sem complicações desnecessárias nem um pecado por burrice numa tentativa de explicar cada coisinha.
E a simplicidade bem executada rende bons resultados: o grande prêmio da noite e outros cinco na cerimônia do Oscar. Um filme popular, de bilheteria gigante e despretensioso. A própria história é um reflexo perfeito disso ao acompanhar a jornada de Forrest Gump, um rapaz que poderia ser chamado de imbecil pelo senso comum e segue para fazer grandes feitos sem nem saber a magnitude de seus atos. E assim uma coleção de eventos populares das décadas de 60 e 70 são incluídos numa mesma narrativa sem cometer o crime de parecer exploração barata, um aproveitamento tosco do peso de vários eventos numa coisa só. Faria sentido se “Forrest Gump” fosse um filme pobre tentando usar artifícios históricos para preencher um vazio de trama original, coisa que não existe. A simples presença de um personagem bem escrito como o protagonista já livra o filme desses possíveis problemas. A interpretação de Tom Hanks só adiciona ainda mais para o fator comovente da experiência, apenas uma característica de uma obra que proporciona entretenimento usando vários truques.
8. Casablanca, 1942
Direção: Michael Curtiz
“Casablanca” é uma preciosidade do sistema de estúdio. Já se sabe muito bem como funcionavam as produções naquela época, com equipes inteiras respondendo às demandas dos cabeças dos estúdios sem muito a dizer no assunto de liberdade criativa. Limitante? Sim. Ainda com alguma margem para dar certo, pelo menos. Aliás, uma margem bastante razoável resultando em dezenas de pérolas daquela época. Só que ninguém esperava que “Casablanca” fosse algo mais do que um romance qualquer daquela época, um lançamento mais ou menos às pressas para capitalizar na campanha dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. E acabando dando certo, muito mais certo do que qualquer um esperava, tão certo que até hoje é um dos clássicos mais clássicos da história do cinema e um dos primeiros nomes mencionados quando se entra no terreno dos filmes mais antigos.
Faz sentido que ele seja frequentemente usado em livros técnicos buscando todo tipo de exemplo, são fornecidos vários. Essencialmente, é um romance entre os personagens de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, reunidos após uma separação abrupta e inexplicada. Ao mesmo tempo, é um drama por envolver sentimentos difíceis como rejeição e o retorno de todos eles inesperadamente. Também há elementos inerentemente políticos de uma história ambientada em tempos de guerra, com antagonismos baseados em nações rivais dividindo um mesmo espaço, além de sentimentos patrióticos em atrito com outros amorosos. Há até mesmo sequências musicais inseridas no meio da história sem parecerem adições inapropriadas. Melhor dizendo, todos estes elementos estão juntos numa mesma obra através de uma execução que faz clássicos de vários deles. Usando a parte musical, a mais improvável do conjunto, como exemplo e se encontra a inesquecível cena da “La Marseillaise”, que só não supera a música tema “As Time Goes By”, eventualmente interpretada por grandes vozes como Frank Sinatra. Daria para fazer uma lista com todos os elementos da obra e explicar por que eles são tão bons, porém basta dizer que são todos de inquestionável bom gosto.
7. All About Eve (A Malvada), 1950
Direção: Joseph L. Mankiewicz
“All About Eve” conta uma história sobre escândalos e loucuras. Uma atriz de teatro famosa e de carreira estabelecida, até um pouco em queda, decide acolher uma garota gentil como sua protegida, deixando-a se aproximar e participar de suas vidas pessoal e profissional sem saber das suas intenções obscuras. E então todo tipo de absurdo acontece, aqueles que o público nem sonha em descobrir e que faria o dia de jornalistas de tablóide. Foi mais ou menos assim também nos bastidores. Bette Davis foi indicada para seu oitavo Oscar e perdeu supostamente porque o voto ficou dividido entre ela e Anne Baxter, que também pediu para ser indicada como Melhor Atriz ao invés de Coadjuvante, uma ironia por Baxter interpretar a jovem que tenta roubar o holofote da personagem de Davis. Como se não fosse exagero o bastante, outras duas atrizes desta obra foram indicadas ao mesmo prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, também resultando em nenhuma vitória para as duas. Mesmo assim, o filme venceu 6 prêmios de 14 indicações, número recorde igualado apenas por “Titanic” e “La La Land“.
Mas de que tudo isso importa? Especialmente neste caso, as indicações numerosas e eventuais vitórias são reflexo da excelência suprema encontrada onde quer que se procure. Basta começar por um aspecto frequentemente tratado como secundário na experiência. Edith Head novamente se apresenta como um nome onipresente em obras premiadas ao trazer um guarda-roupa memorável a Bette Davis e ao elenco vivendo o lado bom da vida em festas de coquetel com gente bem vestida e arrumada, smokings e casacos de pele com um cigarro numa mão e um drinque na outra. E isso é apenas a caracterização de personagens cheios de conteúdo e de frases cortantes esperando a primeira chance para tirar sangue de seu alvo. Davis, talvez no melhor papel de sua longa carreira, até faz o espectador pensar que o filme deveria se chamar “All About Margo” e fazer jus à tridimensionalidade de sua personagem, ao seu englobamento de uma amplitude de qualidades indo da frieza de Regina Giddens em “The Little Foxes” à pureza jovial de Judith Traherne em “Dark Victory“. E mesmo ela não concentra todas as qualidade de “All About Eve”. Há tão mais para ser visto que se poderia gastar linhas e linhas apenas elogiando a escrita e interpretação dos personagens do roteiro de Joseph L. Mankiewicz.
6. Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses), 1950
Direção: Billy Wilder
Às vezes o contexto em torno de um filme é tão interessante que pode ofuscar o julgamento. A minha primeira versão da análise de “Sunset Boulevard” traz esse mesmo entusiasmo na forma que encontrei para elogiar o filme, estava fascinado por como o roteiro usava situações reais na trama ambientada em Hollywood e ainda mais por como alguns eventos do filme eventualmente encontraram reflexo na realidade. De alguma forma, aquilo parecia simbolizar a competência do filme de formas que não faziam muito sentido lógico. Poderia ser o caso de uma grande coincidência, mas não parecia ser o caso. Não poderia ser arbitrária a escolha de uma atriz em decadência para interpretar uma atriz em decadência, trazer estrelas apagadas para interpretar a si mesmos como relíquias esquecidas e ainda mencioná-las por nome diretamente. Isso é, no mínimo, uma demonstração da audácia de Billy Wilder em querer contar uma história tão diretamente direcionada para alguns episódios obscuros da história do cinema americano. Afetado, Louis B. Mayer denunciou Wilder diante da platéia dizendo: “Você desgraçou a indústria que te criou e alimentou! Você deveria ser humilhado e expulso de Hollywood!”
“Sunset Boulevard” não celebra o avanço tecnológico do cinema com som ao focar nas consequências mais desagradáveis dessa nova era. Carreiras foram arruinadas com o advento do som. Algumas atrizes e atores não tinham voz para atuar, outras perderam seu lugar para o sangue novo que chegava e cineastas se viram sem trabalho porque seus filmes já não funcionavam tão bem no novo formato. A história aqui traz a união profana de um roteirista em maré de azar com uma atriz do cinema mudo esquecida pelo mundo. A escolhida para o papel? Gloria Swanson, atriz do cinema mudo esquecida pelo mundo. Os fatos falam por si, um homem busca sucesso e o encontra de um jeito inesperado, eventualmente questionando se era isso que queria mesmo quando vê a corrupção de seu desejo. É difícil esquecer da idéia de que os paralelos com a realidade completam o sublime roteiro da dupla Billy Wilder e Charles Brackett. Mais ainda quando a realidade reage e entrega Swanson de volta ao esquecimento depois de um período de notoriedade por causa de “Sunset Boulevard”. Uma ironia completamente coincidental. Ou será mesmo?
5. Lawrence of Arabia (Lawrence da Arábia), 1962
Direção: David Lean
Por muito tempo “Lawrence of Arabia” foi um filme de que sempre ouvi falar extraordinariamente bem e por algum motivo sempre me enrolava para assistir. Quando finalmente aconteceu, foi na glória de uma imagem em alta definição delineando a perfeição da qualidade visual. É um clichê, sim. Quase todo texto ou comentário sobre a obra acaba focando nas imagens estupendas do cinematógrafo Freddie Young capturando a riqueza gráfica dos cenários desérticos do Oriente Médio. Como não lembrar da cena em que Lawrence finalmente chega em seu destino e passeia pela praia com a luz do sol poente deixando nítidas as deformações da superfície imensa de água? Ou as montanhas de areia sem fim do deserto criando uma imagem perfeitamente descrita como fotografia em movimento; não apenas um vídeo de paisagem, mas algo que permanece estonteante em cada quadro congelado. Entretanto, isso é relativamente batido e uma qualidade recorrente no trabalho de David Lean, que traz imagens belíssimas até mesmo nos trabalhos sem Freddie Young.
Se “Lawrence of Arabia” fosse só isso, talvez já seria digno de nota. Cinematógrafos provavelmente o levariam como exemplo de qualidade, inspiração e referência. Há mais a ser encontrado e por isso é impossível olhar para tais imagens e não escutar o clássico tema de Maurice Jarre, assim como é impossível ouvir o tema sem que as imagens e temas da obra tomem conta dos pensamentos. Esse é o poder da experiência proporcionada. E se a música for reflexo confiável de algo, certamente é da riqueza de temas da odisséia de T.E. Lawrence no tumulto sociopolítico da Árabia durante o começo do Século XX. Basta ouvir a melodia e começar a lembrar de todos os estágios passados por um oficial britânico que começa a história despreocupado e leve, sem a mínima noção dos lugares que percorreria e daquilo que o tornaria uma pessoa muito diferente. Há beleza e conteúdo, uma união perfeita entre aquilo que agrada e aquilo que acrescenta, a sensação proporcionada pelos sentidos e o sentimento decorrente. Se há melhores formas de gastar 3h48 com um filme, não são muitas.
4. The Godfather (O Poderoso Chefão), 1972
Direção: Francis Ford Coppola
É claro que marcaria presença, como poderia ficar de fora? Talvez seja a escolha mais clichê de todos os tempos colocar “The Godfather” entre os melhores filmes da história e não importa, é realmente tão bom assim. Deixar de fora até poderia ser visto como ir contra a maré por birra, contra algo que está enraizado no senso comum, pois até mesmo quem não assistiu conhece a reputação e provavelmente sente um pouco de culpa por não ter opinião sobre o assunto. Assim, quem passa a se interessar pelos clássicos normalmente começa por aqui, mais ou menos como quando coloquei o disco no aparelho de DVD e me vi abismado porque tinham se passado quase 3h e eu ainda tinha que acordar cedo no outro dia para o colégio. Eu estava podre no outro dia, podre e feliz porque tinha valido muito a pena dar uma chance ao tão comentado filme. Mesmo para um adolescente pouco interessado em estudar cinema a nível técnico, já era claro que havia alguma coisa de especial ali, compreensível sem que fosse necessário ler uma análise semântica simbológica da mise-en-scène.
Já fica claro nas primeiras cenas por que “The Godfather” é um filme tão excelente. Apenas contar os eventos sobre os envolvimentos criminosos da Família Corleone seria um tanto seco e raso, apenas mais uma história de gângster como qualquer outra, perigos em toda esquina e tudo mais. Busca-se construir um universo bem mais rico onde criminosos não são apenas foras-da-lei ambiciosos e mafiosos são mais do que ítalo-americanos comendo macarronada e pizza com o revólver à mesa. Há uma subcultura de famílias em torno dos negócios, costumes envolvendo respeito, tradição e até alguns princípios morais, por mais irônico que isso possa soar quando assassinato é tratado como algo normal. Se existe perfeição narrativa, “The Godfather” chega bem perto disso, trazendo naturalidade na transmissão dos valores e regras daqueles personagens sem soar artificial como o preenchimento de uma lista com todos os elementos que o roteirista deseja abordar. O impressionante é que a maior parte disso já acontece na primeira sequência do filme, algo lógico quando se pensa que o primeiro ato é dedicado para exposição mesmo. Quem dera todo começo de filme fosse tão despretensiosamente explicativo como este.
3. The Godfather: Part II (O Poderoso Chefão: Parte II), 1974
Direção: Francis Ford Coppola
E como se um clichê não fosse o bastante, aqui está mais um. Alguns podem ter acreditado que não havia como melhorar algo que já era sublime ou que uma tentativa sequer era necessária. Talvez eles tenham razão, pois “The Godfather: Part II” já trocou de posição algumas vezes com seu predecessor nessa lista. Foi só depois de algumas reassistidas que finalmente fixou sua posição como uma continuação superior ao original. As razões para isso são simples, relativamente: as dinâmicas previamente exploradas são expandidas e novos horizontes são visitados. A primeira parte conclui sua história com um belíssimo ponto final, uma cena perfeita para fechar o arco narrativo que o espectador nem imaginava que existiria nos primeiros minutos. Isso não significa que os personagens morrem com o final do filme, fica a sugestão de como os eventos seguem a partir da mudança concretizada nos últimos momentos. É a partir desse ponto que a narrativa continua.
Então se toma a decisão inteligente de não continuar os eventos diretamente, com o início acontecendo um segundo após o final prévio. Um tempo passa e a situação muda o suficiente para o espectador precisar de certa contextualização para entender o que está acontecendo novamente. Claro, não é preciso explicar tudo do zero porque o universo e os personagens são os mesmos, apenas o bastante para entender como o tempo mudou cada indivíduo. É por isso que “The Godfather: Part II” funciona tão bem, em parte. Não se tenta reinventar a roda ou usar velhos truques em busca do mesmo efeito, é uma história completamente nova abrindo caminho para Al Pacino interpretar um Michael Corleone diferente daquele que se conheceu alguns anos antes, por exemplo. O trajeto de Michael como novo Don da família Corleone traz o espectador um pouco mais próximo daquela realidade para compreender em nível pessoal as pressões de alguém naquela situação, uma dimensão que de forma alguma foi ignorada antes e aqui mostra presença mais forte. E ainda há a outra metade da experiência. “The Godfather: Part II” ainda aproveita um trecho antes cortado do livro de Mario Puzo focado em como Vito Corleone saiu da Sicília, veio até os Estados Unidos e se tornou Don Corleone. Além de Al Pacino, Robert De Niro aparece para dar um segundo espetáculo de atuação, duas grandes histórias em uma mesma obra.
2. Scarface, 1983
Direção: Brian De Palma
Este foi meu filme favorito por mais tempo que qualquer outro dessa lista. Era fácil responder quando perguntavam quais os melhores filmes de todos os tempos, citando alguns dos itens anteriores sem ordem particular exceto por um: “Scarface” era sempre o primeiro. Com certeza não é o filme mais profundo da lista, mais filosófico, mais instigador de pensamento crítico ou qualquer coisa do gênero. O que ele é? Entretenimento em fina forma, simplesmente. São quase 3 horas de uma refilmagem da obra de Howard Hawks de 1932, trocando Chicago por Miami, mafiosos italianos por latinos e os anos da proibição pelos intensos Anos 80. Trata-se de um conto clássico sobre ascensão e queda, sobre os excessos de uma época em que todo luxo era glorificado e almejado. Ambição era um dogma com a santíssima trindade sendo poder, dinheiro e mulheres. É o que já tinha sido visto antes com muito mais desenvolvimento em praticamente todos os aspectos. A motivação do personagem abraça o contexto político da história recente envolvendo Fidel Castro e os cidadãos enviados aos Estados Unidos, aproveitando para transformar a busca pelo sucesso em mais do que ambição inerente e descontrolada de um gângster que quer dominar a cidade inteira. Os antagonismos são muito mais marcantes e resultam em mais oportunidades para desenvolver a ação dentro da mesma história.
Realmente não é uma obra muito profunda e isso não é um problema porque ela vai tão fundo quando deve, traz algo parecido com o que fez “Casino” e “The Wolf of Wall Street” serem tão bons, um nível comparável de profundidade. Talvez para alguns isso signifique adentrar na esfera psicológica dos personagens e explorar a vida interna deles, como suas crenças afetam seu comportamento e metas. Varia muito, cada história possui suas próprias demandas e pode funcionar com qualidades muito diferentes de outra obra com outras demandas. É por isso que não se compara “Scarface” com “Ordinary People” nos mesmos termos. O espectador conhece o suficiente de Tony Montana para suprir sua curiosidade e gostar dele como um criminoso sem muitos escrúpulos e com ao menos uma dúzia de frases icônicas imediatamente evocativas das cenas em que se encontram. Seja a dancinha tosca de Tony tentando impressionar Elvira, o grande tiroteio, a cena do helicóptero na Colômbia ou o passeio de carro com Tony e Manny, sempre há algum elemento inesquecível acompanhando cada uma. Uma descrição apropriada de “Scarface” é dizer quer ele faz muito bem praticamente tudo a que se propõe. É um filme engraçado quando quer, com um rol de personagens e cenas marcantes, uma trilha sonora afinadíssima com a atmosfera oitentista, ação bem dirigida e a qualidade de conseguir ser absolutamente memorável. “Chichi, get the yayo.”
1. Once Upon a Time in America (Era uma Vez na América), 1984
Direção: Sergio Leone
Enfim o número um. Assistir “Once Upon a Time in America” pela primeira vez foi agridoce. Agradabilíssima por ser a experiência cinematográfica mais satisfatória de minha vida, uma qualidade realmente inesperada e não poderia ser diferente, pois é improvável sentar para ver algo esperando que seja o melhor filme de todos os tempos. Mas quando os créditos finalmente rolaram depois de quase 4 horas restava apenas uma sensação de que não adiantava tentar se enganar, pois não havia julgamento mais justo que o de melhor filme da história. O que há de “agri” nesse grande doce? Bem, “Scarface” sempre havia sido um filme muito querido e até mesmo o meu favorito. Tirá-lo do primeiro posto era o certo, mas com muito pesar no coração. Tudo bem, pode soar dramático demais, mas foi uma situação real se sentir compelido a enxergar que um filme recém conhecido subitamente tomava a primeira posição que nem sonhava ocupar pouco tempo antes.
Talvez não tão pouco tempo, pois “Once Upon a Time in America” chega em 4h10 na versão estendida e restaurada anos depois de seu lançamento. Até parece que é regra ter pelo menos 3 horas de duração para ocupar as cinco primeiras posições dessa lista, como se o escopo épico fosse sinal de qualidade. Sinal é uma palavra forte, potencial é muito mais apropriado. Uma duração enorme pode significar a morte de uma história se parecer em algum momento não haver boa justificativa para isso. O ritmo cai por terra e o espectador passa a ficar mais consciente do fator relevância, ou seja, quais cenas são realmente essenciais para o progresso da história e quais estão apenas gastando seu tempo. Consciência demais num filme que deveria acontecer principalmente em nível emocional é algo indesejado e, felizmente, inexistente aqui. Nenhum minuto parece desnecessário e até as cenas adicionais da restauração trazem expansões bem-vindas que nunca atrapalham. Isso falando de uma história que regularmente sai do caminho da narrativa objetiva para trazer cenas que não acrescentam diretamente ao enredo construído no momento. Se não na hora, eventualmente tais desvios passam a fazer sentido. Muitos não têm a ver com a construção direta da trama envolvendo um gângster judeu voltando para sua cidade depois de anos longe, mas cumprem sua função, por exemplo, de fazer o espectador compartilhar a nostalgia pelo passado mostrado e recordado numa mesma grande história. Como sempre, há coisas demais para comentar em dois parágrafos. Se esta colocação serve de algo, que seja como incentivo para conferir a obra-prima das obras-primas.