“Zombieland: Double Tap” é uma continuação lançada 10 anos após o original, quase como as continuações de clássicos sem nem mesmo esperar virar um clássico. “Zombieland” foi um dos mais notórios exemplos de humor aplicado no apocalipse zumbi, feito numa época em que colocar zumbi em tudo ainda não estava saturado e em que era mais comum ver abordagens sérias do assunto. “Shaun of the Dead” saiu cinco anos antes, é melhor e mais marcante, tendo um respeito maior dentre as histórias de zumbi misturadas com comédia. Então qual o sentido de fazer uma continuação tanto depois, quando quase ninguém falava mais do primeiro e sequer se empolgava por algo novo? Uma reação como “Ah, mais uma continuação para a qual ninguém liga” não é exatamente um bom motivador. Era assim que eu pensava. Fui provado errado.
Dez anos se passam e o grupo continua seguindo viagem. Alguns zumbis adquiriram certas habilidades com o tempo e passam a trazer um novo desafio para quem achava que era só atirar duas vezes, mas nem isso é problema grande para quem já está acostumado a comer zumbi no café da manhã e cagá-lo no almoço. Columbus (Jesse Eisenberg) anseia para encontrar um lugar para chamar de casa, um local fixo para ficar confortável como talvez… a Casa Branca. Seu plano não é totalmente aceito e logo ele se vê sozinho na casa com Tallahassee (Woody Harrelson) quando Little Rock (Abigail Breslin) decide pegar estrada e sua irmã Wichita (Emma Stone) vai atrás.
Minha expectativa era de encontrar um filme decente ou apenas regular, uma continuação preguiçosa feita 10 anos mais tarde sem um bom motivo para acontecer em primeiro lugar. Ou melhor, nenhum motivo além de tentar ganhar mais dinheiro em cima de um nome famoso e nem tanto assim, já que o primeiro dificilmente pode ser chamado de um clássico moderno. Na verdade é melhor usar outras palavras e não dizer expectativa, apenas o palpite de alguém sem motivos para se empolgar nem para desprezar a idéia do filme, talvez levando em conta o histórico de casos parecidos dos últimos tempos. A surpresa foi descobrir em “Zombieland: Double Tap” a mesma energia que se vê numa idéia original, como se fosse a primeira vez que estivessem fazendo aquilo. Não se deixa levar pelos clichês de tentar reinventar truques antigos usando mais dinheiro, mais efeitos especiais ou mais ambição; também não repete as mesmas coisas sem mudança alguma, tentar ser conservador para garantir o sucesso. Repetir as piadas, principalmente, seria bem idiota. Apenas algumas voltam, as que se tornaram marcas do primeiro filme quando apareceram pela primeira vez e não poderiam ficar de fora.
Estes seriam os bordões, um tipo de clássico dentro do universo da história com valor de nostalgia por não esquecer o passado e não só isso, também funciona para uma das esquetes mais engraçadas. O roteiro vem a depender delas por não ter um enredo complexo para preencher o tempo, afinal a busca por uma colega está longe de ser uma fonte plena de conteúdo neste contexto. Poderia ser até resolvido em só uma sequência se o roteiro quisesse resolver rápido. Aqui acaba sendo como um MacGuffin na maior parte do tempo, como um objetivo no horizonte que fica distante por um bom tempo enquanto as esquetes tomam o palco para enriquecer o meio do caminho. E talvez seja até uma saída melhor do que tentar investir em uma alternativa profunda. A idéia de “Zombieland: Double Tap” é encontrar uma nova desculpa para fazer graça e é isso que faz muito bem. Isso sem esquecer da questão principal que alavancou o enredo em primeiro lugar. Além de eventualmente ser retomada e resolvida, ela também serve de palco para uma das melhores sequências de ação com direito a uma retomada de algo que anteriormente pareceu apenas mais um comentário aleatório.
Talvez dizer que é um roteiro inteligentíssimo seja exagero. No entanto, é justo dizer que está bem acima da média por conseguir ser engraçado e até ter momentos pontuais de esperteza notável. A mesma cena sem o prenúncio poderia ser um grande deus ex machina arruinando parte do mérito do último ato, que mesmo assim já tem uma parcela de conveniência lá e cá. O importante é não depender muito dessa colher de chá que sempre dada facilmente pela audiência. Felizmente, até chegar nesse ponto muita coisa já aconteceu para que o foco não recaia sobre mecanismos narrativos que deveriam estar sempre ocultos. A constante presença de piadas dividindo espaço com a ação garante que o espectador se mantenha entretido com os eventos em cena. “Zombieland: Double Tap” é tão inventivo no uso de, bem, qualquer coisa que não há um momento chato sequer.
Realmente não me lembro de um momento em que parei para refletir como a cena atual é chata e desinteressante. “Zombieland: Double Tap” pode se gabar de conseguir manter a bola sempre no ar, sem deixar quicar no chão e quebrar o ritmo. O começo, por exemplo, introduz alguns tipos novos de zumbi que evoluíram e ganharam novas habilidades com o tempo. São duas ou três cenas engraçadinhas até que o foco passe para os protagonistas conhecidos chegando na Casa Branca. Então surgem piadas sobre presidentes americanos do passado, sobre o diamante da primeira dama, sobre a sala oval e outros detalhes pertinentes às qualidades de cada personagem. O melhor é que o elenco também trata o projeto sem levianidade. Não foi uma nem duas vezes que um ator voltou a um papel apenas em corpo, sem alma, para ganhar uns trocados a mais e esperar que os fãs não notem seu desinteresse. O grupo está fresco como nunca. A aspereza insensível de Tallahassee volta a trazer bons momentos em que seu espírito redneck faz ele passar vergonha sem saber, achando que está arrasando, e outros em que de fato faz um comentário legal, mesmo ele se orgulhando mais do que deveria disso e todo mundo percebendo. As dezenas de regras de Columbus também voltam e sua relação incomum com Wichita passa a fazer parte do primeiro plano.
Em suma, os personagens são colocados para funcionar por um roteiro que guarda espaço para tirar sarro não só de situações correntes mas também de tantas outras modernas e mais facilmente identificáveis no dia-a-dia fora das telonas. Apenas um pouquinho de acidez nos olhos de uma época em que tudo é ofensivo, em que ser consciente e se esconder atrás de uma armadura moral é comum. Talvez não tenha nada a ver com apocalipse zumbi, mas essa é a graça de “Zombieland: Double Tap”: é mais do que aquilo já visto centenas de vezes, há os mortos-vivos carniceiros e um caminhão de outras idéias mantendo a história de pé, divertida e engraçada.