O melhor filme de todos os tempos. Ao menos de acordo com a avaliação de mais de 2 milhões de usuários no IMDb. Estranho? Foi o que pensei quando descobri anos atrás que não era “The Godfather” ou “Citizen Kane” ou “Casablanca” ocupando essa posição. O motivo para um filme de prisão dos Anos 90 baseado em um conto de Stephen King ser mais bem avaliado que, bem, todos os clássicos do cinema já lançados me fugia. Hoje, por mais que não considere “The Shawshank Redemption” o melhor de todos os tempos, devo dizer que mantenho minha opinião de quando o assisti pela primeira vez e achei, por outro lado, um dos melhores. É algo a se considerar, no mínimo, e não é pouca coisa, é facilmente compreensível que alguém o considere seu favorito.
Andy Dufresne (Tim Robbins) é julgado culpado pelo assassinato de sua esposa e seu amante. Projéteis com suas digitais são encontrados perto do local das mortes e não há nenhum álibi para provar sua inocência. Tudo indica que foi um crime passional de um homem frustrado porque a esposa o traía com um jogador profissional de golfe. Andy é condenado à prisão perpétua na Penitenciária de Shawshank, onde deve aprender a se desligar de sua vida antiga para passar os dias entre assassinos, criminosos, tiranos e desonestos. Mas entre todos estes uma amizade nasce e se fortalece conforme os anos passam.
Ver “The Shawshank Redemption” e comparar com outras histórias de prisão é complicado. Parece que sempre falta algo nessas outras: um pouco mais de humanidade para os personagens em “Escape from Alcatraz“; um pouco mais de ação e ritmo em “Papillon“; mais substância no enredo de “La Grande Illusion“. Claro que existir algo melhor não constitui um defeito nas outras porque, bem, nem sempre é questão de haver um defeito, às vezes um sucesso é apenas um pouco menos brilhante. De qualquer forma, é assistindo obras diferentes que se estabelece um parâmetro, uma possibilidade de comparar temas e execuções similares a fim de identificar o que funciona melhor e onde. O ponto é que esta obra de Frank Darabont serve como o exemplo quintessencial de como contar uma história do gênero, ou melhor, como contar uma história de qualquer gênero.
Não quer dizer que o mesmo roteiro e a mesma estrutura funcionariam se aplicadas à ficção científica, ao drama de tribunal ou um suspense. No final das contas, o maior sucesso de “The Shawshank Redemption” é executar sua proposta ao máximo de seu potencial e das convenções adjuntas da escolha de ambientação numa cadeia. Comparar com “Escape from Alcatraz“, por exemplo, mostra como este outro é raso por se limitar às idéias mais básicas envolvendo o conceito de prisão. Talvez não devesse ser surpresa, considerando o título, porém não deixa de ser notável a diferença entre um esqueleto envolvendo chegada, vivência, plano e fuga e outra história transbordando conteúdo, desenvolvimento, execução elegante e tantas outras idéias complementando os pilares da experiência.
“The Shawshank Redemption” possui a característica dificilmente atingível e freqüentemente almejada de preencher os limites de conteúdo permitidos pelo formato de um longa-metragem. Curiosamente, não se trata de uma obra com 3 horas ou mais, sua duração passa um pouco das duas horas e meia e mostra como é possível alcançar este patamar conservando a brevidade e sendo mais acessível ou menos assustador para espectadores que não gostam de durações longas. Talvez este seja o motivo por trás da reputação curiosa: de todos os filmes normalmente tidos como os melhores, este é um dos mais recentes, mais curtos e cuja linguagem cinematográfica é mais próxima do que se vê atualmente. É por isso que costuma se ouvir que clássicos são mais difíceis de assistir ou que não são para todos, era outra época, outra dinâmica, outras regras, outra tecnologia e até um público diferente. Acaba sendo um pouco mais complicado para o espectador contemporâneo acessar um produto deste tempo.
No final das contas, muitos dos ingredientes são os mesmos e as regras não mudaram tanto assim. Claro, detalhes como formato de tela, estilo de atuação, fotografia em cores, design de som, entre outros, evoluíram com o tempo. Entretanto, a essência do sucesso de uma obra ainda depende de detalhes comuns. Ser simples não compromete a satisfação de ver funcionar a dinâmica de personagens cativantes em um contexto rico em possibilidades. Em uma prisão? O mesmo lugar que limita a liberdade do indivíduo e reduz suas atividades drasticamente? Por esse exato motivo é espetacular ver como há coisas acontecendo em níveis básicos, como na relação com outros detentos, e em níveis complexos vistos mais adiantes no enredo. Mais do que isso, “The Shawshank Redemption” engaja o espectador de forma que o tempo parece passar rápido conforme uma cena flui para a próxima com a naturalidade característica de viver um dia após o próximo numa prisão; não como uma estrutura rígida de cada seqüência ser um dia de fato, dado que alguns eventos recorrentes são condensados para que o espectador entenda que são rotina dos personagem sem que isso se transmita através da repetição, o que seria venenoso para um roteiro por fazê-lo cair na previsibilidade.
“The Shawshank Redemption” também deve muito de seu sucesso às interpretações irrepreensíveis de todo o elenco. O espectador se encontra trancado no mesmo lugar com as mesmas pessoas em praticamente todas as cenas, deve ver os mesmos rostos toda vez em situações raramente variáveis. E ele encontra sempre pessoas interessantes, do indivíduo menos relevante para a trama até os personagens principais, sempre há um bom motivo para pelo menos aceitar e curtir a presença de cada um na tela. Mesmo que um ou dois sejam apenas os engraçadões do grupo, eles eventualmente são vistos como parte da família improvável da prisão de Shawshank. Alguns dos momentos de partir o coração envolvem justamente alguns secundários, coadjuvantes em todos os sentidos. São poucas as obras que conseguem vir à vida e fazer até os detalhes pequenos serem essenciais, pois sem eles a familiaridade e o sentimento de conforto de um universo imersivo não são os mesmos.
Não se pode esquecer da participação dos protagonistas em “The Shawshank Redemption”. Andy Dufresne é a porta do espectador para aquele ambiente peculiarmente hostil, porém sua personalidade introvertida e de poucas palavras bloqueia um pouco o acesso para o que se passa dentro dele. Mesmo sendo uma performance de excelência de Tim Robbins retratando uma pessoa soterrada por uma realidade de injustiça, ainda inconformado e sem acreditar que deverá passar o resto da vida dentro de quatro paredes de concreto, é difícil entrar em sua mente introvertida. Por isso é tão essencial que Morgan Freeman interprete Ellis Boyd “Red” Redding como alguém um tanto diferente, mas que consegue compreender Dufresne e todas as coisas pelas quais ele passa; não só as coisas de prisão que ele já conhece há décadas mas também entender o homem. Sua narração, tornada famosa pela magnífica voz do ator e eventualmente sendo reconhecida como a voz de Deus, é também muito mais do que isso. Além de servir o propósito-mor de uma narração bem concebida, dinamizando a narrativa onde necessário, ela também oferece acesso à intimidade de Andy que só um amigo íntimo poderia.
“The Shawshank Redemption” costuma ser chamado de “buddy film”, mas ele é muito mais do que isso. Sim, a espinha dorsal da trama é a relação entre Andy e Red, pois é dela que praticamente todas as outras relações com outros personagens surge, assim como os eventos nos quais eles se envolvem por estarem sempre juntos. Não há como resumir a obra inteira a isto porque tal estadia na prisão é bem mais que uma sentença caracterizada pela repetição e pelas conversas banais do cotidiano. Esse é definitivamente um exemplo de estadia significativa, um recorte do tempo em que as coisas realmente acontecem. Junto do sucesso gigante resultante de uma história nem presa demais à objetividade, nem solta e irrelevante, há também todos os detalhes que costumam ficar de lado. Frank Darabont e Roger Deakins na direção e direção de fotografia, respectivamente, trazem aos olhos aquilo que as palavras do roteiro buscam evocar: cenas de substância, de beleza e de significado. Um texto inteiro poderia ser escrito sobre imagens que fazem cada evento parecer tão intenso e impactante quanto possível, mas provavelmente seria apenas uma forma de traduzir uma arte melhor apreciada no fluxo de uma narrativa engajante como essa.