Se antes disse que elogiar “The Godfather” é um grande clichê, então agora apresento outro: “The Godfather: Part II” é uma das melhores continuações de todos os tempos. Mais que isso, acredito que este é um dos poucos filmes bons o bastante para superar o original — com exceção de séries muito grandes, como 007. O original não é apenas um longa amado pelos outros, é um de meus preferidos. Dessa forma, depois de tantos elogios e divagações sobre sua qualidade há alguma forma de uma continuação superar isso? Com certeza. Não reproduzindo o que foi feito antes, mas oferecendo uma história nova ao espectador já apaixonado por um mundo onde o assassinato não é visto como um ato hediondo. isto é, se for pela família.
Anos depois dos eventos do primeiro filme, Michael Corleone (Al Pacino) mudou-se com sua família para Nevada a fim de ficar mais perto de seus empreendimentos. Lá, a família Corleone aproveita um momento de estabilidade, porém diferente sob o regime de Michael. Suas decisões mudaram o cenário da Máfia e salvaram sua família, com um preço: ser Don não é uma tarefa fácil, cada escolha tem graves consequências. Essa estabilidade é quebrada quando o jovem Don sofre um atentado, o qual ele dele tentar resolver enquanto procura expandir seus negócios e manter sua família unida. Em paralelo, a história volta algumas décadas e acompanha a trajetória de Vito Andolini (Robert De Niro) desde sua vida na Itália até sua ascensão nas ruas de Nova York.
Tratando-se de uma continuação, é inevitável traçar comparações. Especialmente quando se fala de um filme tão grande como “The Godfather“. Logo no começo já dá para notar que a dinâmica de “The Godfather: Part II” é difrente: a trama começa na Sicília com a clássica trilha sonora acompanhando o jovem Vito Andolini no enterro de seu irmão, assassinado pela Máfia. Depois que este segmento é concluído, é apresentada outra cena de festa, desta vez na nova casa dos Corleone. Dois filmes começando com cenas de festa, um deles com o incrível casamento de Connie Corleone e o outro com a primeira comunhão do filho de Michael; a primeira contextualizando vários eventos da história e caracterizando o elenco de personagens, a outra não se exaltando muito por não ter tanta coisa para introduzir. De qualquer forma, inicialmente parece ser claro qual delas é melhor e qual filme é o superior entre os dois. Mas o começo mostra outra coisa também: “The Godfather: Part II” não segue os mesmos passos do primeiro. Em vez de uma história direto ao ponto há dois arcos grandes e um filme mais longo; que, mesmo não instigando o espectador tanto quanto o começo de seu predecessor, mostra promessa.
E no fim das contas, cumprem o prometido? Poucas coisas são tão certas quanto o sucesso deste longa. Quando as ligeiras 3h22 passam, a sensação é apenas de espanto: conseguem chegar lá, superam o original. Mas porque essa maravilha surge só no final, e não desde o começo, como antes? De certa forma, o roteiro de “The Godfaher: Part II” é um tanto mais convencional. Não por intercalar duas tramas, prática não tão comum assim, mas porque a estrutura claramente usa a primeira metade para estabelecer conflito e a segunda para deixar a audiência boquiaberta. Sem ter que explicar aquele universo novamente, esta obra aproveita para desenvolver melhor seu enredo propriamente dito, dando também maior liberdade para os atores brilharem em seus personagens. O roteiro do primeiro era cheio de eventos-ponte, que davam chão a vários eventos futuros; mas vendo num geral a solução para os problemas parece ser sempre a mesma: matar os inimigos. Tentam assassinar Vito Corleone e matam, para citar apenas alguns: Bruno Tattaglia, Solozzo, McCluskey, todos os cinco chefes e Moe Greene. Se esta era a solução para consolidar o poder, por que ninguém fez isso antes? Claro que estas mortes são colocadas de forma muito menos simples do que eu digo aqui, mas um dos grandes acertos de “The Godfather: Part II” é mostrar que as decisões do Don têm peso. Em sua pessoa, em seu império e em sua família.
Boa parte dos personagens de antes têm um papel maior aqui, mostrando um pouco mais de suas personalidades. Connie não se limitou a um simples chilique pela morte de seu marido, ela é uma personagem diferente; Kay deixa de ser a esposa ingênua para protagonizar uma das cenas mais fortes do filme. Porém, nada disso é de graça, todo desenvolvimento tem um propósito maior de integrar uma parte da vida de Michael Corleone. Enquanto o predecessor focou na transformação de jovem veterano a chefe do crime, a continuação trabalha com as consequências desse processo numa esfera menor, dando mais atenção aos detalhes e nuances. Essa é uma história protagonizada por ninguém além de Michael, que ainda assim não deixa de dar espaço a Vito Andolini. Ele tem seu próprio arco, mas, novamente, seu propósito no roteiro é complementar a figura de Michael, e não usar o clássico do personagem de Marlon Brando como muleta. Curiosamente, dividir o roteiro em duas linhas do tempo funciona melhor do que esperado. Francis Ford Coppola corta entre as duas épocas quase milimetricamente e dá, com isso, uma mini aula de edição. Nenhum corte interrompe o andamento da trama em execução; sempre há uma janela estética — dois quadros parecidos — ou temática entre os dois momentos. Mais do que fluir organicamente, ter dois focos narrativos funciona por criar mais oportunidade de renovar o interesse do espectador pelo filme. Poderia muito bem ter dado errado, sim. Uma trama poderia minar a outra por conta de diferenças de qualidade, mas isso não acontece. Mostrar dois Dons, pai e filho, ilustra o contraste entre duas figuras e duas Máfias diferentes. Não é querer condenar as atitudes de Michael exibindo a forma como seu pai resolvia os problemas, mas mostrar que não há como fazer tudo igual em tempos diferentes; ressaltar o sofrimento do protagonista que tenta ser que nem seu pai e falha, ficando no limbo de questionar seus próprios atos.
Muita coisa de “The Godfather: Part II” está ali para sustentar a figura do protagonista, seja pelo contraste ou para mostrar a consequência de suas decisões. Correspondendo tanto esforço, Al Pacino captura o sofrimento silencioso de seu personagem com uma interpretação contida, afinal de contas ainda se fala da mesma pessoa do último filme. O caloroso espírito italiano não faz parte de Michael como acontece com sua irmã, Connie, e seu irmão, Sonny, ele sempre foi o mais quieto da família. Com muito a dizer e pouco sendo dito, resta ao personagem usar os olhos para dar ao menos uma dica do que se passa em sua cabeça. É através deles que Pacino se abre para o mundo, mostrando que por trás de cada assassinato e cada ato profano há um quê de receio. Ele diz que faz o que faz pois é o melhor para o futuro da família, mas será que é mesmo? Por um lado “The Godfather” mostra os Corleone como uma conturbada, porém sólida unidade familiar, que permanece assim apesar dos tumultos nos negócios; por outro “The Godfather: Part II” é sobre como o poder nem sempre significa controle absoluto.
Admito que quando comecei a reassistir “The Godfather: Part II” achei que mudaria minha opinião sobre ele ser melhor que o primeiro. O começo não era exatamente o espetáculo cinematográfico daquela cena do casamento e a sofisticação do roteiro não parecia estar no mesmo naipe. Toda essa aparente falta de qualidade, entretanto, era apenas aquecimento para uma série de estrondos; momentos tão marcantes quanto os melhores de seu predecessor e que deixam pouca dúvida quanto a este ser o melhor da série. Ainda há quem diga que o roteiro fragmentado prejudica a obra e tira o foco da parte realmente boa — goste mais do arco de Vito ou de Michael. Eu acredito que toda e qualquer decisão, incluindo estes arcos paralelos, é guiada por um propósito: suplementar a figura de um protagonista imerso em seus próprios problemas e mostrar que seu conflito é ainda mais satisfatório que os olhares profundos e as poucas palavras de Al Pacino.