2016 foi um ano curioso, no mínimo. Não é incomum ouvir as pessoas falando que foi o pior ano em muito tempo, com uma porção de famosos morrendo, atentados terroristas, guerras no oriente médio, doenças se alastrando… Até o cinema sofreu com isso, sendo um dos períodos mais fracos da memória recente. Vários blockbusters falharam e até mesmo os indicados para premiações não foram tão chamativos assim, incluindo “La La Land”. Os trailers ruins não venderam bem o filme e o diretor ser Damien Chazelle não ajudou muito; este longa parecia ser outra obra superestimada como o próprio “Whiplash” foi em 2014. Terrível engano. Este musical chega só nos finalmentes, mas não tarde demais para ser o melhor filme do ano.
O palco para este espetáculo é a Los Angeles dos apaixonados que buscam seus maiores sonhos, seguir os passos de gigantes e construir seus próprios impérios. Sebastian (Ryan Gosling) prende-se ao passado como um verdadeiro saudosista, ama tanto o Jazz clássico que seu sonho é abrir um bar que contagie os outros com sua paixão pela música. Já Mia (Emma Stone) sonha em ser uma atriz como as grandes damas da Hollywood clássica. Mas enfim, nenhum dos dois está perto de chegar lá. Ele tem empregos temporários que mal pagam as contas e ela serve café para as mesmas estrelas que admira no café de um estúdio, mas as coisas começam a mudar quando seus caminhos finalmente cruzam.
Pode ser óbvio, mas gostar de “La La Land” é gostar de musicais. Não, este não é o filme que converterá os mais críticos do gênero por ser inovador ou diferente. Pelo contrário, ele se inspira muito nos clássicos para entregar entretenimento musical direto de um diretor com mais amor pela música do que se vê por aí. Se há uma coisa que não pode ser criticada em “Whiplash“, por exemplo, é sua música. Simples e eficiente, a bateria traz toda a energia que a história requere quando o próprio Jazz não está ali para manter a audiência conectada ao filme. Então o que acontece quando um diretor tão cuidadoso com a música dirige um musical? Arrisco dizer que o resultado dificilmente poderia ser melhor. Mais do que Jazz, inspirações nos grandes nomes do gênero marcam presença para saciar saudosistas além da comum e infeliz prática de apenas fazer referência. Isso fica bem claro quando “Singin’ in the Rain” está ali para mais do que dar meras piscadinhas para quem conhece a obra, sua grande função é dar o bom exemplo de como um musical deve ser feito. A essência do talento dos gigantes Gene Kelly e Fred Astaire alimenta o sucesso deste musical, tão apaixonado pelos que vieram antes que toda esse sensação não deixa de ser notada nos protagonistas, na história e no filme como um todo.
O material que amarra um filme todo, serve como espinha dorsal e amarra os elementos de modo que a obra não pareça fragmentada, pode ter várias faces. Pode ser uma entonação, um tema, o enredo propriamente dito, a música, um sentimento ou uma combinação desses elementos, como é mais comum. Mesmo assim, por mais que qualquer filme minimamente competente consiga contar sua história sem parecer um mural de recortes, são poucos os que transcendem essa noção de fluidez como “La La Land”. Este é um atestado da maestria que um musical pode atingir quando os elementos estão nos lugares certos. Imagens e sons em sintonia mostram como uma obra dessa depende muito da qualidade das composições, mas também que este não é o único aspecto a ser considerado; afinal muitos “musicais jukebox” falharam no passado, apesar de reciclar e compilar canções de sucesso de outros filmes. É no mínimo impressionante como este longa, mesmo sendo dividido em 5 atos claramente separados pelas estações do ano, flui como se tudo fosse uma grande composição de euforia, paixão e até melancolia. A paixão de Chazelle fica especialmente clara quando direção e edição respeitam a presença da música como algo mais que um complemento de seu trabalho, uma das chaves para o sucesso.
As outras chaves sem dúvida caem nas mãos de roteiro e elenco, ambos cruciais para estabelecer e executar os temas, entonações e sentimentos que a história busca passar. Como tudo na vida, a dinâmica dominante é o movimento. Ir do trabalho para casa, da abundância para a carência, da felicidade para a tristeza, do sucesso para o fracasso. A história é simples o bastante — um casal cheio de sonhos vê suas vidas moribundas decolarem quando se conhecem — e, no entanto, consegue ser tão forte. Talvez ser simples seja exatamente a razão para que ela funcione quando o material diz tanto por si. Afinal de contas, seguir sonhos não é o que a muitas pessoas querem? Arranjar alguém com idéias tão apaixonantes quanto as delas e ver que, finalmente, nada parece impossível? Romântico, em poucas palavras; utópico, para a maioria. Felizmente, “La La Land” entende perfeitamente que isso não é só mais uma tarefa simples no mundo mágico do cinema, e sim um grande dilema. Não são poucos os que falham em sua busca pela felicidade, insatisfeitos ou amargurados com o lugar que chegaram. Atingindo ou não suas metas, o caminho é regado de sucessos e fracassos, nunca linear, monótono. É exatamente nesse ponto em que acertam: a história tem seus altos e baixos como o mundo, tem movimento; músicas que vão dos saxofones eufóricos aos solos tristonhos de um piano. Mesmo sendo um universo completamente romântico, ele nunca parece excessivo por saber o valor de momentos sóbrios.
Não posso tirar o mérito do elenco por me surpreender também. Nenhum dos dois atores principais está entre meus preferidos e, particularmente, não foram um chamariz para a história simples antes de eu ter a chance de assistir. No entanto, é por causa deles que muitas das qualidades funcionam direito, eles são os responsáveis por viver os conflitos e o humor, a dança e as frustrações. Sem eles, a trama poderia ter tantas viradas quanto possível, mudar o clima e tentar trazer sorrisos ao público, que qualquer conquista seria vazia. Sendo um Romance, além de um Musical, é importante que os atores estejam totalmente entrosados, possuam a tal química de um casal jovem e impaciente para que a audiência possa se envolver com sua história e sentir que o potencial do repertório musical é explorado. “La La Land” flui tão naturalmente quanto um Jazz improvisado, uma música que muda seu ritmo naturalmente conforme os personagens saem do mundo real para entrar na dimensão musical, onde sapatear e dançar em cima de carros é normal. Mas quem pode culpar o casal? Eles realmente parecem tão imersos em seu romance que não é de se duvidar que sairiam pelas ruas dançando e pouco ligando pro resto do mundo.
Engraçado, divertido e sem medo de tomar decisões difíceis, “La La Land” é o exemplo perfeito do porquê um musical pode funcionar tão bem. A trama simples se desenvolve sem depender de um enredo complexo, afinal uma vida em casal já possui viradas emocionais o bastante se explorado da maneira certa. O próprio final é uma prova viva dessa naturalidade do movimento dramático criado. Os últimos momentos são tão impressionantes quanto os primeiros: uma breve compilação à base de um medley musical de todas as emoções vistas até então, que chegam perto de deixar a audiência na saudade pelo que acabou de ser visto. Parabéns Damien Chazelle, você criou uma obra prima.
1 comment
Sensacional sua análise! Obrigado por compartilhar sua visão.