Iria começar este texto falando sobre como 2018 foi o pior ano desde que o Cine Grandiose nasceu — e realmente foi — mas vou quebrar o ciclo antes que 2019 seja ainda pior. Este foi um ano em que blockbusters e trabalhos de caráter mais comercial ofuscaram as tais obras sérias, muitas das quais lançadas no final do ano ou no começo do próximo para se aproximarem da temporada de premiações. Mas talvez sejam os filmes dessa temporada que deixaram a desejar e encerraram o ano com um gosto amargo. Assim como uma obra de final ruim, os méritos anteriores se ofuscam pelos deslizes finais.
No campo da Marvel, alguns destaques. “Black Panther” estréia o ano com algumas repercussões inesperadas no campo social e mais tarde com sete indicações ao Oscar e três vitórias. Quem diria, um filme de herói no Oscar? Curiosamente, não foi ele o melhor de seu gênero a ser lançado no ano. Um grande evento cinematográfico se apresenta na forma de “Avengers: Infinity War“, um dos melhores do Universo Cinematográfico Marvel. E como se não fosse o bastante, o gênero Ação mostra que esse não é seu fruto mais rico, além do Terror fazer uma participação incomum em listas desse tipo. Talvez um ano decepcionante no geral, mas não sem algumas surpresas. Como sempre, basta um clique nas imagens para acessar às análises originais dos títulos.
10. Christopher Robin (Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível)
Tudo começa com um filme que não surpreendeu tanto quanto os outros. Isso porque eu já esperava um bom resultado desde que a idéia original foi anunciada, independentemente de nunca ter gostado muito do Ursinho Pooh quando criança. A proposta de um Christopher Robin crescido voltar para reencontrar seus amigos de infância depois de tantos anos soava muito bem, quase respondendo algumas dúvidas curiosas. O que acontece com os bichos quando o garoto vai embora? E o que aconteceria se ele fosse embora para sempre? Seguindo essa linha de raciocínio, é fácil enxergar para onde as coisas se encaminham e mesmo assim é uma experiência muito satisfatória. Ela cria sentimento sem depender da nostalgia — e talvez funcione ainda melhor para os que a têm — além de não ter problemas em tocar as cordas mais doloridas da trama, abre a ferida e insiste em tocá-la para extrair o impacto máximo sem exageros. Foi uma clássica situação de esperar uma coisa boa e encontrar exatamente isso, talvez um pouco mais.
9. Mary Poppins Returns (O Retorno de Mary Poppins)
A primeira coisa em que se pensava quando se falava em uma continuação de “Mary Poppins” era: “Quem além de Julie Andrews poderia interpretar a personagem?”. Sua personagem marcou época, venceu o único Oscar de atuação por um filme Disney e deixou sua marca por mais de 50 anos até “Mary Poppins Returns” ser anunciado. O medo naturalmente surgiu e até se manteve presente nos primeiros momentos da continuação, quando parecia que Emily Blunt não dava conta de entrar nos sapatos de sua predecessora. Isso passa e logo a obra começa a mostrar seus próprios méritos. Há amor pelo que existiu antes, diversas referências e inspirações fortes em alguns momentos, mas nada que repita o infame episódio de “Star Wars: The Force Awakens“. Constrói-se uma identidade própria com músicas inéditas, personagens transformados e uma dinâmica narrativa diferente da anterior, um sucesso que pode se gabar de originalidade em sua execução a despeito das claras influências.
8. The Favourite (A Favorita)
Esquisito: adjetivo que costuma ser atribuído ao trabalho de Yorgos Lanthimos. “The Favourite” tinha tudo para ser mais um drama de época envolvendo a realeza britânica, com vestidos de catorze camadas e penteados desafiando as leis da física rendendo indicações nas categorias de Figurino e Maquiagem e Penteado. Provavelmente vencendo. Um filme nesses moldes é “Mary Queen of Scots“, mas não “The Favourite”. Ainda que baseado em uma pessoa real, é fácil notar que algo na história está fora do lugar, não porque ela é mal executada, e sim porque se trata de uma sátira. E também não se trata de uma sessão de gracinhas, representações cartunescas e exageros diversos. Há um pouco disso, ao passo que o grande todo não pode ser definido tão simplesmente. Acima de tudo, é uma história de enredo competente com esses toques especiais regularmente elevando o interesse e o apreço do espectador pelo que passa. Ousadia, bom humor e ótima administração de tom de ambos roteiro e elenco constituem uma obra única, de fato — e um pouco esquisita.
7. Can You Ever Forgive Me? (Poderia Me Perdoar?)
Mais uma surpresa agradável, neste caso porque meu pré-conceito a respeito de “Can You Ever Forgive Me?” era de uma obra sem graça. Tanto é que foi a última assistida na maratona do Oscar, deixada por último na lista de prioridades. Foi uma boa ocasião de quebrar a cara. Ostentando um roteiro sólido, mal dá para dizer que é baseado em fatos reais e em um livro escrito por alguém que fez tudo que é mostrado no longa-metragem. Não ter a clássica cara de filme de Oscar demonstra o frescor que já foi mais comum entre os indicados ao prêmio, como se fosse uma história reconhecida pelos seus méritos e sua qualidade. Não só isso, como a atuação de Melissa McCarthy supera qualquer medo a respeito de uma atriz de comédia trabalhar em um drama. Tanto sua personagem como Richard E. Grant no posto de coadjuvante fazem muito pela obra ao demonstrarem personalidades de ar genuíno, algo que atropela qualquer concepção prévia sem esforço. Uma frustrada e um malandro fazem amizade e interagem em um contexto peculiar. Simples arranjo de situação, quem dera fosse tão fácil assim na prática.
6. The House That Jack Built (A Casa que Jack Construiu)
É estranho como tão poucos falaram de “The House That Jack Built”. Antes de seu lançamento, até se encontrava um comentário perdido ou outro comentando sobre este ser um dos melhores de Lars von Trier dos últimos tempos, que definitivamente faria barulho mais além. Conferindo agora, a recepção da crítica no Rotten Tomatoes por pouco não alcançou a porcentagem mínima para ser considerado “fresco”, então talvez este seja mais um motivo para o impacto modesto da obra. Independentemente disso, foi um dos pontos altos do cinema neste ano. Trata-se do retrato de um assassino em série, ele mesmo recontando alguns episódios de sua vida de acordo com sua própria perspectiva, o que um assassinato significa em sua mente e onde ele quer chegar com tudo isso. Explícito como várias outras obras de von Trier, não há freio na representação visual de algumas atrocidades verdadeiramente chocantes, porém nada é de graça ou está lá por estar. A vida e os atos de um assassino não são flores e nuvens coloridas, o que era de se esperar? Além do mais, também não se trata de um retrato expositivo, um diálogo corrente sempre tenta atravessar a crosta do óbvio e explorar o que jaz debaixo do discurso, daquilo que é perceptível. Tirando o final exageradamente longo, é um filme e tanto.
5. Green Book (Green Book – O Guia)
Quase ninguém falou muito de “Green Book” durante a corrida do Oscar até ele finalmente levar o grande prêmio para casa, então todos passaram a ter uma opinião sobre ele e sua vitória. Argumentos e não argumentos voando para todos os lados, reclamações que a academia e sua meia dúzia de membros de velhos conservadores resistem à mudança e por aí vai. No final das contas, nada disso muda o fato de que o filme ganhou, mas assim nasceram dois times: os que gostam e os que abominam “Green Book”. Faço parte do primeiro e acredito que foi uma vitória merecida. Ser fácil de assistir não quer dizer que seja leviano ou raso, é resultado de uma atenção especial à narrativa e aos aspectos que a constroem. Personagens relacionáveis e com algo a dizer, enredo com ponto de partida e de chegada, sem exageros ou clichês pesados, ritmo muito bem cadenciado… Tudo isso soma para uma experiência satisfatória e merecedora de seus méritos. Não ser a proposta mais original de todas é diferente de ser ruim ou incompetente e intrigas de fora do set definem bem sua natureza em seu nome, pois nada têm a ver com o que é visto na tela. Bem, não dá para agradar todo mundo.
4. Avengers: Infinity War (Vingadores: Guerra Infinita)
Quantos anos já não se espera por isso? Ou por metade disso, pelo menos. “Avengers: Infinity War” é o grande momento de culminação de praticamente tudo o que foi feito no Universo Cinematográfico Marvel até agora, o maior evento depois da reunião inicial dos heróis como Vingadores. E o filme entrega o que promete. É o mais longo de todos até o momento e em nenhum momento é cansativo, introduz um grande conflito e cena de ação após cena de ação mantém a audiência eletrizada e tensa pelo que pode vir a seguir. É o melhor que se tem para oferecer em ação de super-heróis somado à melhor parte do humor dos Guardiões da Galáxia em alguns pontos e mais, um acerto raro no vilão. Thanos está facilmente entre os melhores antagonistas do Universo Marvel e talvez seja o melhor até agora, demonstrando ter o destaque, a personalidade, a motivação e a capacidade de render os resultados bons que faltaram nos Whiplashes, Malekithes, Ghosts e afins. De quebra, a história não se deixa afetar pela divisão em duas partes e tem fechamento — um difícil de esquecer, ainda por cima.
3. Zimna wojna (Guerra Fria)
Filmes estrangeiros também merecem amor. Um como “Guerra Fria”, então, é um representante perfeito de como o cinema de fora dos Estados Unidos ainda está vivo e entregando obras incríveis. Sua história é simples: um romance. O organizador de um coletivo artístico se apaixona por uma das moças do grupo e passa a se envolver com ela, mas nada é tão simples. Pelo contrário, é até mais complexo do que deveria. “Guerra Fria” é um dos raros filmes que representam alguma coisa sem isso ser necessariamente uma mensagem moral ou política. Como um todo, sua história aborda as dificuldades do casal de encontrar um momento e um espaço para amar em meio a um conflito político global; ao mesmo tempo, como um todo, demonstra fielmente como a dinâmica de um casal pode ser muito complicada, acompanhada de idas e vindas e dores de cabeças das mais diversas. Por quê? Nem sempre há uma razão, apenas pode-se notar a constante do amor acompanhando os atos duvidosos, as situações feias e também as mais belas. Exímio trabalho da dupla protagonista e da fotografia, principalmente, que merecia muito o Oscar.
2. Hereditary (Hereditário)
Esta, sim, é uma surpresa genuína. Foi mais de um amigo que me falou de “Hereditary” como algo incrível, imperdível e digno de nota. Mesmo assim, não dei muita bola por pensar que era apenas o filme de terror badalado do momento, assim como outros amigos elogiaram “Invocação do Mal” e “Annabelle 2” em seus lançamentos para esquecê-los logo em seguida. Minha surpresa foi encontrar algo realmente tão bom, talvez até mais, do que as recomendações sugeriram, uma obra que chegou a causar uma impressão forte a ponto de se colocar em segundo lugar nessa lista. Como “Hereditary” faz isso? Fazendo diferente daquilo que se tornou comum no gênero Terror: saber quando usar o choque a seu favor para efeito máximo. Com obras baseadas inteiramente em repetidos sustos causados por sons altos, uma obra que se dá o trabalho de construir uma história com igual atenção a personagem e enredo merece atenção. São poucos os exemplos que tratam o elenco como mais do que peões esperando para serem derrubados ou esquecidos, menos ainda os que tentam e conseguem extrair algo bom. Ver Toni Collette receber indicações e prêmios por sua atuação em um filme de terror é apenas um indicativo de que há algo diferente aqui.
1. Mission: Impossible – Fallout (Missão: Impossível – Efeito Fallout)
Tendo em vista o que veio antes, não dá para dizer que “Mission: Impossible – Fallout” foi uma surpresa vinda do nada. Seu predecessor, “Rogue Nation” já havia demonstrado ser algo diferente com um perceptível nível de competência, logo uma continuação do mesmo diretor não poderia passar muito longe disso. No entanto, a surpresa surge mesmo assim por “Fallout” se mostrar ainda melhor que seu predecessor e talvez o melhor filme de ação desde “Mad Max: Fury Road“. A direção sem deslizes de Christopher McQuarrie faz o que toda grande obra de ação deveria, o que é muito mais difícil de executar do que de descrever. Primeiramente, ter uma história que, no mínimo, não chame a atenção para sua superficialidade, como se fosse uma desculpa barata para abrigar uma cena de ação, outra e mais outra. Em segundo lugar, criar uma ação que se encaixe naturalmente nos planos do roteiro e ir além dos clássicos tiroteio e perseguição de carro, por exemplo. A terceira coisa é dirigir essas cenas de forma clara e fácil de compreender, usar a câmera para favorecer o movimento e torná-lo ainda mais impactante. Embora pareça simples, é o respeito a estes princípios básicos aliado a uma competência técnica e artística, os quais elevam o básico para o impressionante, que fazem “Fallout” ser a melhor experiência cinematográfica do ano.