Os piores vencedores de Melhor Filme de todos os tempos. Se surge uma lista desse tipo, é praticamente certo encontrar “The English Patient” entre os citados fazendo companhia a “Shakespeare in Love“, “Cimarron”, “Around the World in 80 Days” e outros. A competição do ano tinha “Fargo” e “Jerry Maguire” como principais destaques, mas foi o filme de Anthony Minghella que venceu o prêmio principal e deixou vários indignados com a escolha. “Como pode algo meloso superar a genialidade do senso de humor ácido dos Coen?”, muitos se perguntaram. Bem, acontece que a escolha deste romance de guerra não foi furada, absurda e errada como se disse. Trata-se de uma obra de alguns erros, sim, e diversos outros méritos que nem de longe compõem a menor parte da obra.
Sobrevoando o deserto do norte da África, o Conde László de Almásy (Ralph Fiennes) é abatido dos céus e sofre queimaduras em todo o corpo resultantes da queda. Eventualmente, ele acaba sob os cuidados do exército canadense e se recupera um pouco, ainda exigindo atenção constante e sem conseguir se lembrar de seu nome e outros eventos da vida. Sua enfermeira, Hana (Juliette Binoche), pede permissão para cuidar do paciente em seus últimos momentos num monastério e diariamente, conversando com ele, descobre pedaços de sua história e como ele chegou até ali.
É bom encontrar uma surpresa positiva para interromper, mesmo que momentaneamente, o fluxo das decepções e mediocridades diárias. Depois de tanto encontrar listas e mais comentários em todo lugar apontando “The English Patient” como um filme superestimado e um vencedor não merecedor, não há como evitar que um pouco de expectativa e pré-conceito surjam e afetem a experiência em alguns sentidos. Para alguns, pode ser um desmotivador, algo que faz a pessoa postergar cada vez mais o dia de assistir a obra, enquanto para outros pode ser um motivo a mais para ver se as massas realmente têm razão em suas críticas. A internet tornou quase impossível assistir sem esperar algo, restando ao espectador tentar não se deixar levar muito por estas primeiras impressões sem fundamento. Aquele que conseguir fazer isso pode encontrar um filme com vários atrativos e de qualidade acima de outros agrupados junto dele.
“The English Patient” é uma história de amor em essência. Talvez num primeiro engane a respeito de quem faz parte dessa história, induzindo o espectador a pensar que a proposta é incrivelmente piegas, algo absurdo e improvável se tornando possível através do poder do amor. A verdade é algo bem diferente e substancialmente mais simples por tratar o conceito central sem complicações, diretamente ao ponto e demonstrando competência ao longo do caminho. O ingrediente essencial para uma história desse tipo funcionar é o mesmo toda vez, independentemente se é um musical ou um drama: o romance deve ser crível, soar verdadeiro e sincero. Parece simples o bastante, exceto pelo fato da verdade ser exatamente o oposto. Ser algo amplamente discutido e explorado, um assunto conhecido e parte da natureza humana não quer dizer que todas as pessoas compreendam o amor e consigam falar dele com propriedade, quem dirá representa-lo fielmente na arte.
Talvez tentando encontrar uma forma de se diferenciar, vários filmes buscam criar um conjunto muitíssimo peculiar de elementos para caracterizar um relacionamento. O rapaz e a garota se conhecem em um resort tropical, só que os dois estão em suas próprias luas de mel e percebem o quanto estavam errados em suas escolhas de parceiro quando encontram amor verdadeiro no outro. Por ser curioso num primeiro momento, assim nasceu o clichê: uma situação tão peculiar não poderia ser possível. O espectador deixa de acreditar nessas circunstâncias esculpidas com a intenção de fugir das dinâmicas comuns, algo que “The English Patient” não tem medo de abraçar. O romance principal começa tão despretensiosamente quanto seguir a rotina esperando nada mais do que já é conhecido; sem flerte, cortejo, olhares, conversas e todo o resto que costuma preceder o começo do envolvimento de fato. Como isso acontece?
É curioso, todo o processo ocorre de um jeito singular e ao mesmo tempo diferente do modelo artificialmente moldado para fugir do comum. Isso acontece porque se encontra fidelidade à personalidade dos dois personagens na forma como eles se relacionam, afinal de contas seria terrível encontrar uma personalidade e atitudes no amor incoerentes com ela. O Conde Almásy é um indivíduo diferente da maioria, às vezes conversando como uma pessoa completamente normal e em outras ocasiões agindo como se tivesse um grau de autismo ou ansiedade social extrema. Nada é oferecido como explicação para esse comportamento além do fato do homem simplesmente ser assim. Resta apreciar como isso influencia diretamente seus relacionamentos e tão mais vividamente pela atuação de Ralph Fiennes humanizando qualidades peculiares e as aplicando no dado contexto.
Assim, pelo menos a maior parte e a mais importante de “The English Patient” se garante com eficiência na execução. Ralph Fiennes e Kristin Scott Thomas ambos demonstram aquilo que é o item mais importante na constituição de um romance: sinceridade. Independentemente da forma como as coisas acontecem, exalta-se o sentimento de verdade por trás do envolvimento daqueles indivíduos e, dessa forma, não há como duvidar de que o que eles compartilham é real. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito de outro arco importante de “The English Patient” envolvendo Juliette Binoche e solto dentro da história, sem ir para lugar algum nem ter razão para existir. Aliás, se for para falar de algo superestimado, sua atuação preenche bem o posto e mais ainda se considerar seu desempenho incomparavelmente superior em “Trois couleurs: Bleu“. Comparar este arco com o resto da obra é ver como ele se destaca negativamente e mostra reflexo na duração não muito modesta de 2h42.
Mesmo se esforçando para deixar a experiência tão fluída quanto possível, há um limite do que um editor pode fazer. Walter Murch realiza um trabalho espetacular e notável para aqueles que procuram as sutilezas da Edição em cada transição, corte e mudança de cena. Até mesmo um dissolver, muitas vezes tratado como transição preguiçosa, tem uma cara diferente nas mãos do editor em transições estendidas ou com imagens de conteúdo consoante. Se alguns dos 9 Oscars vencidos costumam ser criticados, ao menos o de Melhor Edição não dá margem para isso. No geral, “The English Patient” não é o filme da década nem uma mediocridade inapropriada, mas um produto de méritos facilmente perceptíveis por cumprir sua proposta central com competência de sobra. Se o mesmo fosse visto no resto, o resultado seria ainda melhor.