“Mary Poppins Returns” se passa 25 anos depois do original e quem vive na casa dos Banks é o crescido Michael (Ben Whishaw) com seus três filhos. Sua esposa recentemente faleceu e desde então a situação foi de mal a pior até chegar no ponto de quase perder a casa para o banco. A falta de dinheiro, estabilidade e organização colocam Michael contra a parede, que deve arranjar uma forma de pagar um empréstimo atrasado em um prazo mínimo. Então ninguém menos que Mary Poppins (Emily Blunt) surge na porta dos Banks de novo para ajudar a colocar as coisas no lugar. Com ela, as crianças tentam arranjar uma forma de salvar o pai de seu sufoco e voltar a ser uma família unida como antes.
Cinqüenta e quatro anos foi o tempo entre “Mary Poppins” e seu retorno. Nesse meio tempo, uma revolução de efeitos especiais chegou em 1977 com “Star Wars” e só cresceu cada vez mais quando outros nove filmes da série foram lançados nos anos seguintes. Uma obra não tem nada a ver com a outra além do fato de ambas se apoiarem fortemente em efeitos especiais. Assim, há poucos exemplos tão bons da evolução deste aspecto quanto uma série que sobrevive há mais de 40 anos. Resumo: os efeitos gradualmente foram se rendendo às mil possibilidades da computação gráfica. De efeitos práticos a cenários inteiros substituídos por imagens geradas em computador, a criação do impossível foi aos poucos adquirindo uma tendência mais fácil e prática, ainda que não de todo feliz. Não são poucos os filmes com efeitos datados por acreditarem demais no que era possível na época. Da mesma forma, é apenas natural que se note essa presença mais evidente em “Mary Poppins Returns”.
A ação, por assim dizer, do original era em grande parte composta por brincadeiras com o recorte e inserção do elenco em cenários variados para fins ainda mais variados. Na prática, os atores eram reduzidos para parecer que estavam entrando dentro de um desenho de giz no chão, que eventualmente mostra ser um universo em desenho animado no estilo dos clássicos Disney, mas com atores reais caminhando em florestas desenhadas à mão. Uma versão arcaica e tecnicamente complexa da atual chroma key permitia que atores flutuassem pelo cenário por causa de crises de riso ou que fossem transpostos sobre um fundo pintado, abrindo as portas para a fantasia se misturar com a realidade em uma junção atraente. Mas isso apenas descreve a natureza dos efeitos aplicados à ação, a qual é notavelmente mais complexa.
A dança dominava muitos dos grandes momentos. Seja interagindo com desenhos animados ou não, Dick Van Dyke e Julie Andrews mantinham-se em movimento ao maior estilo dos sapateados complexos dos grandes musicais de sua época. Se há um único desapontamento em “Mary Poppins Returns”, é em relação a isso. Parece que já passou o tempo de atores capacitados na tríade de canção, dança e atuação — o tal pacote completo — a despeito de suas carreiras e da maioria dos papéis não exigirem tais qualidades. É evidente o foco diferente das gerações mais novas em duas obras orientadas por um mesmo espírito; especialmente quando no segundo a dança é limitada a uma movimentação rítmica em meio a um cenário complexo, não sendo exatamente uma dança como as antigas.
E é só isso. Não há mais nada em “Mary Poppins Returns” para gerar desgosto ou estranheza ou qualquer sentimento misto. Talvez a atuação de Emily Blunt se encaixe temporariamente neste quesito até que o espectador se acostume e esqueça da magnífica atuação de Julie Andrews, pois Blunt sem dúvida se encaixa no papel e dá seu próprio toque pessoal sem destoar da essência original da personagem. Aliás, essa última é uma tarefa que “Mary Poppins Returns” cumpre em sua totalidade. É uma continuação feita 54 anos depois — tempo que normalmente justificaria uma refilmagem — seguindo os mesmos passos do anterior, o mesmo modelo de fazer a estadia ser breve, potente e mágica. Mas não é como se pode pensar, com o novo seguindo o antigo tão de perto que chega a se pensar em cópia e falta de criatividade, o que a Disney já fez com “Star Wars: The Force Awakens“. Deste exemplo, apenas se aproveita a qualidade de renovar designs clássicos usando os benefícios de um orçamento maior. Sets renovados com ar mais sofisticado, figurinos surpreendentemente detalhados, uma fotografia vívida de muitos efeitos e o resultado é vibrante como deveria ser, resgatando visuais clássicos sem que seja necessário aquela colher de chá pelo envelhecimento dos efeitos.
As diferenças estão lá se um esforço for feito para procurá-las. A própria Emily Blunt como Mary Poppins é uma delas, como dito, ao passo que a estrutura musical deixa de ser avassaladora e intensa como um vendaval. Nesse quesito, “Mary Poppins Returns” é mais cadenciado e calmo, com claros começos e fins de números musicais sem que se construa a sensação de que o ritmo fica cada vez mais intenso e carregado. Por outro lado, a história é mais forte e presente nesta continuação. Dessa vez parece que há mais urgência e mais perigo nos eventos, com a estadia da babá se mostrando mais breve e curto prazo do que nunca. Se as lições não forem aprendidas e os problemas resolvidos, não há nada que a magia possa fazer para consertar tudo. O filme até chega a brincar inteligentemente com isso nos momentos mas críticos, quando outros elementos aparentemente soltos de antes mostram seu lugar no grande plano.
Os efeitos especiais, não surpreendentemente, dominam a obra ainda mais que antes, até roubando a cena da dança e da performance do elenco para encaixar quaisquer artifícios e imagens que a criatividade permitir. Em outros termos, a computação gráfica facilita transformar a malquista hora do banho em uma viagem inesperada até um universo aquático repleto de vida e canção. Por um lado, não diria imediatamente que tecnologia no lugar de dança é uma troca facílima de aceitar, mas eventualmente a decisão artística da obra defende bem seu caso e mostra seus próprios méritos.
Isso acontece porque há uma diferença entre usar CGI para substituir algo real e usá-la para criar algo totalmente novo. “Mary Poppins Returns” está no segundo campo: aproveita que tudo é possível e usa a tecnologia a seu favor para renovar o significado de fantasia dentro dos termos da incrível babá. Em vez de tentar reproduzir algo parecido com o que já existe, os efeitos se entregam totalmente à fantasia e não demonstram freios ou receios a respeito de deixar a imagem caricata demais. Parece bobagem, mas essa é uma das formas de evitar a comum e infame imagem de um cenário real permeado por elementos digitais que não estão realmente ali. Assim como “The Jungle Book” alcançou sucesso admirável com apenas o ator do Mogli sendo real na produção inteira, esta continuação se mostra consciente e, acima de tudo, competente no uso de suas ferramentas.
Juntando todas as características em um grande todo, a qualidade marcante de “Mary Poppins Returns” é sua fidelidade à obra anterior sem deixar isso se tornar uma camisa de força. Por exemplo, em momento algum parece que é mandatória a existência de um grande número com os limpadores de chaminé — o melhor deles, novamente; ou que o personagem de Lin Manuel Miranda é apenas um Dick Van Dyke reciclado. Há uma outra longa seqüência misturando animação e atores reais e, no entanto, nada soa como apenas um remanejamento preguiçoso de certos itens essenciais. Não se lembra do original porque estes e outros elementos retornam, mas porque a atmosfera de fantasia e a disposição de criar uma experiência ousada são inconfundíveis.