Desde que vi o primeiro anúncio de “Christopher Robin”, já sabia que seria algo para se recordar. Nunca fui muito fã do Ursinho Pooh quando criança e até o considerava um dos personagens mais bobos e infantis da empresa, sem a mesma graça que outros como Hércules, Mulan e Aladdin. Não obstante, algo me dizia que revisitar as aventuras de uma criança que visitava um mundo mágico em um tronco de árvore seria uma idéia e tanto, especialmente pela criança ter se tornado adulta e não ter mais espaço para aquilo com que se ocupava antes. Já não há mais bobeira e brincadeirinhas infantis, os mesmos personagens aparecem numa história que não tem absolutamente nada de padrão.
Depois de dias e dias de aventuras com Pooh, Leitão, Tigrão, Can, Guru, Iò, Corujão e Coelho, finalmente chega a hora de Christopher Robin (Ewan McGregor) dizer adeus ao Bosque dos 100 Acres e ir para o internato. Os anos vão passando e o garoto vai crescendo, eventualmente indo para a guerra, casando e tendo uma filha pequena para criar. Seu tempo acaba totalmente dominado por preocupações com trabalho, dinheiro e mais nada. Quando chega um ponto em que sua família mal tem tempo para vê-lo direito, Christopher recebe a visita inesperada de Pooh, que nunca o esqueceu.
Olhando para a premissa dessa forma, dá para imaginar para onde as coisas vão e que tipo de mensagem será o foco. Basta pensar em idade adulta, brinquedos de criança, infância, responsabilidades do mundo real… tudo aponta para uma direção clara o bastante. Por um lado, isso pode soar como um problema pela experiência aparentemente não ter surpresas e seguir uma linha familiar até chegar numa conclusão previsível há muito tempo e eventualmente tratada como se fosse novidade pela obra, deixando o espectador voltar para casa sem levar uma surpresa consigo. Quanto a isso, não se pode negar que “Christopher Robin” peca um pouco nesse quesito por não ter muita ambição e acabar chegando mais ou menos onde já esperava, mas isso não importa muito. Francamente, o filme não depende de reviravoltas, pois é desenvolvendo e aprofundando essa proposta conhecida que ele brilha.
Mas houve uma surpresa, uma grande e em nível pessoal, que talvez não signifique o mesmo para todos. Sentir comoção com um personagem pelo qual nunca tive nenhum amor especial ou com quem não passei momentos marcantes da infância definitivamente não estava na lista das coisas previsíveis. Pensei que seria mais ou menos como “Trainspotting 2” e sua conexão forte, saudosista e nostálgica com os eventos do primeiro, que foi apenas um filme com bons momentos aqui e ali sem deixar uma marca notável. Tentou-se resgatar a magia de antes que nunca existiu para mim, então uma parte da proposta morreu já no parto. Felizmente, “Christopher Robin” faz um trabalho magnífico na reapresentação de um universo popular sem largar informação aos montes nem assumir que a audiência sabe de tudo. Assim, todos saem felizes: o fã de longa data sem enfrentar repetição e aquele não muito próximo tendo a oportunidade de conhecer melhor os personagens e entender a relação entre eles. Claro, referências específicas podem passar batidas para o último, mas não são elas que compõem a fundação de um bom filme.
Quando digo que foi um trabalho magnífico, não é levianamente. “Christopher Robin” é um filme que me tocou profundamente e me pôs para pensar em algumas questões elementares da vida, coisas que para mim, neste momento da vida são importantes. Não seria, então, um caso da obra simplesmente se encaixar convenientemente na minha situação e conseqüentemente ser bem avaliada por isso? Não exatamente. É uma coincidência interessante, sem dúvida, porém acredito que estar tão próximo de meu conteúdo pessoal tem o efeito oposto, podendo ser avaliado com maior critério. Conhecer o sentimento de perto é poder avaliar quando este é bem representado ou não. Acontece que se trabalha um conteúdo relevante com a sensibilidade e proficiência de um artista que conhece a essência do sentimento debatido. O amor do filme por Pooh e seu universo são bem evidentes e não ofuscam nem roubam espaço da busca pelo envolvimento sentimental do público. Caso contrário, seria uma homenagem um tanto vazia aos personagens e um mau uso deles.
“Christopher Robin” é incrivelmente triste. Não por conta de eventos concretos serem definidos assim — antes que as adivinhações comecem — mas porque o filme estabelece bem um sentimento de carinho e afeição entre o protagonista e seus amigos da floresta; mostra que existia uma rotina e pureza na motivação do garoto de ir brincar todos os dias no Bosque dos 100 Acres. Ele voltava vez após vez porque amava a companhia de Pooh e nada além disso, mas um dia parte para não voltar. Sem uma base bem construída, o espectador pouco ligaria ou aceitaria tranqüilamente tal despedida como um evento sem peso. Não é o que acontece. A falta do garoto é sentida e um mundo antes mágico muda completamente sem um elemento tão importante para todos os envolvidos.
Em vez de aliviar a situação com algum eufemismo para mostrar que as coisas não estão tão ruins assim, “Christopher Robin” imperdoavelmente mostra o peso das conseqüências de decisões do passado. Colocar o protagonista numa situação dura na vida real é apenas o começo de uma árdua seqüência de golpes que mostram como uma pessoa pode mudar, ou melhor, deformar quem um dia foi e não perceber que certas coisas valiosas ficam para trás e continuam lá se nunca forem resgatadas. Cinismo e inocência são colocados lado a lado, com esta última entregando sutis e pungentes lições de vida sem um pingo de presunção.
Pensando assim, faz todo o sentido usar um urso ingênuo para comunicar mensagens importantes sem parecer que se está sendo moralista ou seco na transmissão das mensagens. É até sem sentido tentar explicar como e por que esse contraste forte funciona por tudo ser muito natural. Usando apenas a simplicidade dos personagens e sendo fiel a quem eles foram originalmente chega-se em um nível de profundidade e emoção que, sinceramente, nunca esperei encontrar em um filme como esse. Ser fã ardente do ursinho amarelo definitivamente não é obrigatório para aproveitar “Christopher Robin”.