Lembro que ano passado comecei minha lista de “Melhores de 2015” dizendo que o ano tinha sido morno, melhorando apenas em 2016 quando as obras do fim de 2015 foram lançadas. Agora consigo ver que foi um grande exagero dizer que o ano foi morno quando 2016 conseguiu ser muito pior que um 2015 superior a 2014. Foi um ano de muitas decepções, principalmente no departamento dos blockbusters.
Nem os filmes de super-herói escaparam dessa onda de mau gosto. Com exceção de “Deadpool” e “Captain America: Civil War“, o trajeto foi recheado de desastres e mediocridades. Começou com “Batman v Superman“, depois continuou com “X-Men: Apocalypse” e “Suicide Squad“, finalmente concluindo com o apenas razoável “Doctor Strange“. A situação das grandes produções foi melhorar só no fim do ano com “Fantastic Beasts and Where to Find Them” e “Rogue One“, mesmo nenhum dos sendo imperdíveis.
“Arrival” deu a bandeira verde para os grandes filmes, que mostrou-se tão bom que deu as caras no Oscar com 8 indicações. Finalmente, os filmes do Oscar trouxeram algumas jóias para compensar um ano sem graça; grandes histórias sobre música e sobre drama, enquanto várias outras apostaram na polêmica étnica levantada ano passado. Cantando ou chorando, aqui estão os 15 Melhores Filmes originalmente lançados em 2016.
15. Nocturnal Animals (Animais Noturnos)
Admito que esperava que “Nocturnal Animals” fossse estar mais presente no Oscar desse ano. O longa foi indicado a três Globos de Ouro, mas a apenas um Oscar. Mesmo que não merecesse ganhar prêmios, acredito que ao menos umas indicações técnicas poderiam ter surgido. A história contada apresenta duas narrativas ligadas semanticamente: uma mulher recebe pelo correio um livro escrito pelo seu ex-marido e começa a se identificar com a história enquanto lê. Aos poucos, ela vê que a história tem muito mais a ver com sua vida do que achou que teria. De todas as coisas boas aqui, destaque vai para como a combinação de direção, edição e roteiro alternam organicamente entre duas narrativas, a da protagonista e a do livro. Os cortes suaves transferem a história de lugar na hora certa, tão certa que várias vezes nem o diretor acredita nos acertos de seu próprio filme e acaba reforçando além da conta as conexões entre as duas narrativas. É uma história que tinha potencial para mais se não fossem os exageros expositivos, porém já faz um bom trabalho para estar entre os melhores do ano.
14. The Jungle Book (Mogli: O Menino Lobo)
Posso até ser crucificado pelos puristas por nunca ter visto a animação original, mas ninguém pode me impedir de achar que esta reimaginação é boa. Comparações deixadas de fora, fazem um bom trabalho ao combinar numa mesma história entonações sóbrias com a fantasia Disney que possibilita animais falantes e uma criança criada por uma pantera. Sem nunca ficar caricato ou sério demais, “The Jungle Book” conta uma história sobre encontrar seu lugar no mundo quando este é um lugar tão inóspito. Um garoto morando na selva não é apenas um plano de fundo curioso, e sim o terreno para um dilema que envole seu destino e até mesmo sua vida. Já é difícil para ele se encaixar entre outros animais tão diferentes dele, especialmente quando vários são mais fortes ou mais rápidos. A adaptação é natural para eles, tanto que é um processo que nem chega a ser considerado uma dificuldade como é para Mogli, apenas parte do caminho. Para ajudar, um tigre homicida caça o garoto fervorosamente, o que torna o conflito algo tão externo quanto interno. Um filme digno por si antes de ser comparado com o que veio antes.
13. Jackie
Não esperava nada de “Jackie”. Desde a primeira vez que esbarrei neste longa, não achei uma idéia imediatamente ruim, mas uma incrivelmente sem sal. O longa ambienta sua história nos mais fatídicos momentos de Novembro de 1963, quando um dos presidentes mais queridos dos Estados Unidos foi assassinado com um tiro nas costas e outro na cabeça. Uma proposta com potencial? Com certeza, então decidem contar a história da esposa de John F. Kennedy em vez da dele. Devo admitir que não me senti empolgado para assistir a este filme, mas que me surpreendi positivamente com a minuciosa desconstrução de personalidade apresentada. Jacqueline Kennedy é apresentada como alguém maior que a mulher do presidente ao mesmo tempo em que ela mesma não consegue se enxergar como algo diferente disso. Perder toda a base de sua existência com dois tiros de rifle mexe com sua cabeça e é neste ponto que o filme se livra dos preconceitos de antes, com uma interpretação incrivelmente autêntica de Natalie Portman sustentando a psique de uma mulher fragmentada por dentro.
12. Kubo and the Two Strings (Kubo e as Cordas Mágicas)
Esta é uma animação que merece atenção, antes de qualquer coisa, por sua escolha peculiar de visual: no lugar da tradicional CGI, o longa trabalha principalmente com stop-motion. Nada de massinha, também, “Kubo and the Two Strings” trabalha com modelos complexos e vários movimentos simultâneos para animar uma aventura recheada de cenas de ação, personagens carismáticos e um plano de fundo inspirado na riquíssima cultura japonesa. Mas não é por usar o stop-motion que negligenciam a computação gráfica completamente; ela é usada, porém é mais um complemento do que um predomínio. Ela apenas ajuda os visuais a serem ainda mais impressionantes, dando um polimento na caracterização de cenários que poderiam ter sido facilmente retirados de um pergaminho japonês, dos vilarejos pacatos e o pôr do sol paradisíaco a samurais e ameaças sobrenaturais. Não só isso, como a história contada consegue ser muito competente em sua simplicidade de se ater a aspectos elementares de qualquer aventura — como ter um mentor ou buscar o equipamento mágico para superar os obstáculos — e ainda executá-los bem.
11. Finding Dory (Procurando Dory)
De todas as coisas que posso dizer sobre “Procurando Dory”, a primeira que vem na cabeça é que a demanda por ele nunca foi das mais altas. “Procurando Nemo” havia feito barulho em seu lançamento e concluído sua história sem deixar muitas pontas soltas. Bem, talvez os peixes que escaparam do aquário do dentista, mas não é disso que essa continuação trata. É um filme diferente do primeiro, o que pode assustar muita gente pela estrutura inteira do roteiro estar baseada na personagem principal. É uma nuance singular, pois eu a considerei um defeito por boa parte do tempo e só mudei de idéia quando a história mostrou que há uma boa razão para toda aquela série de coincidências. Essa estrutura funciona especialmente bem com o humor, por exemplo, o que é sempre um bom sinal quando usam o personagem mais engraçado do primeiro como protagonista. De resto, os visuais e o elenco trazem uma dose de nostalgia aos que esperavam um pouco mais disso e, para mim, foi o suficiente para uma experiência muito satisfatória.
10. Deadpool
Eis uma surpresa. Depois da aberração vergonhosa saída de uma mente que não passava bem na hora de escrever “X-Men Origins: Wolverine”, Ryan Reynolds abraçou a proposta de dar um Deadpool respeitável ao Cinema. Felizmente, a presença de Reynolds não trouxe nenhuma bagagem de sua primeira tentativa — nenhuma negativa, pelo menos — e fez exatamente o que prometeu. Do uniforme à incansável língua, da imaturidade às bobagens sem fim, este é Deadpool: o herói que consegue fazer piadas ainda mais infames que as do Homem-Aranha. Para um filme com um protagonista palhaço, é sensacional que o foco seja tornar a história engraçada e divertida em vez de seguir uma fórmula e tentar adequar o projeto à ela. Não é à toa que o longa brilha menos quando foca na origem do herói e muito mais quando não perdoa nem mesmo a Fox por suas escolhas duvidosas do passado. Quando o assunto é fazer o espectador dar umas risadas, não espere encontrar humor como o da Marvel, não há como comparar um mercenário que fala mais besteira do que a audiência consegue acompanhar com qualquer outra coisa desse outro estúdio. A maior função das convenções de gênero é dar mais munição para a comédia.
9. Captain Fantastic (Capitão Fantástico)
É bom ver que “Captain Fantastic” foi lembrado no Oscar desse ano. Mesmo que não tenha sido com uma indicação a “Melhor Filme”, foi com uma de “Melhor Ator” para Viggo Mortensen. Dos filmes dessa lista, este é um dos mais únicos por sua premissa envolvendo um pai que cuida de seus 6 filhos no meio da selva. De selvagens eles não têm nada, todos são muito mais educados e inteligentes que o cidadão médio e seus anos da vida em escolas e universidades, mas uma hora até eles tem de lidar com algo que não foram preparados: a sociedade civilizada. Este filme aproveita uma idéia que provavelmente já passou pela cabeça de muita gente. Como seria uma vida longe de todas as regras e leis da sociedade moderna? Curiosa seria uma resposta condizente com o que “Captain Fantastic” mostra. Não é perfeita, pois alguns complicantes evitam que essa vida chegue perto da utopia. Felizmente seguem esse caminho também, pois é com a introdução do conflito que a história se beneficia tanto de momentos engraçados como de contestação dos próprios ideais apresentados no começo — evitando também uma obra idealista e surreal demais.
8. Fences (Um LImite Entre Nós)
Baseado numa peça de teatro vencedora do Pulitzer e do Tony, “Fences” conta a história de uma família negra nos Anos 50. Tirando os problemas raciais dos Estados Unidos na época, não há nada de extraordinário nessa premissa. Troy Maxson trabalha como catador de lixo para colocar pão na mesa de sua família todos os dias, sua esposa cuida da casa e seu filho está na escola, sonhando em ser um jogador de futebol americano. Entretanto, esse sonho não soa uma boa idéia para Troy, que tem uma coisa ou outra a dizer sobre isso. A partir desse ponto, os conflitos familiares naquele lar aparentemente pacífico começam a surgir. O passado mostra-se como um fator determinante na vida de todos ali, estendendo suas ramificações até o presente e ameaçando interferir até mesmo no futuro. Apresentando um drama complexo, alimentado por personagens que vão muito além do que se percebe imediatamente, este filme mostra-se como uma experiência que explora o potencial de seu elenco como poucos.
7. Hidden Figures (Estrelas Além do Tempo)
Mais um filme com a polêmica étnica por trás de seu lançamento, “Hidden Figures” se destaca por apresentar uma história ambiciosa e boa o bastante para superar as barreiras da pretensão. A época é a Década de 60, as protagonistas são três mulheres negras e o ambiente é a NASA. Esses ingredientes preparam o terreno para uma história ambientada nos anos mais turbulentos dos Estados Unidos: a segregação racial estava na ativa, a Guerra Fria aterrorizava a população subliminarmente enquanto a Corrida Espacial amenizava um poucos a tensão ao atiçar a competitividade dos americanos contra os russos. No meio dessa loucura, três mulheres lutam por espaço dentro da empresa que justamente tenta conquistá-lo. Elas são mais do que competentes e só querem que isso seja visto por todos, tarefa que “Hidden Figures” faz excepcionalmente bem ao dar tanta atenção para as conquistas quanto para as dificuldades, tornando as vitórias ainda mais prazerosas quando aparecem.
6. Hacksaw Ridge (Até o Último Homem)
Mel Gibson volta para Hollywood numa função que ele não exercia desde 2006. O astro aos poucos retornou para as telonas como ator, mas foi só com “Hacksaw Ridge” que ele voltou como diretor para mostrar seu talento com a violência estilizada, um fator que funciona especialmente bem quando o assunto é um filme de guerra. Mas essa não é uma história como qualquer outra, uma boa parte dela fica bem longe de qualquer sinal de morteiros e crateras povoadas por cadáveres. “Hacksaw Ridge” acompanha um rapaz peculiar: ele quer ir para a guerra sendo um objetor consciente, alguém que jurou nunca tocar numa arma. Isso é um problema óbvio quando uma guerra exige que seus recrutas cruzem oceanos para matar o inimigo e, com sorte, voltem vivos para casa. Dificuldades como essa não desmoralizam o protagonista, ele só vê dois desafios a serem superados pela frente: um para que deixem ele lutar por seu país e outro quando ele finalmente consegue o que quer. É uma história que aparentemente tinha grande potencial para decepcionar pela escolha peculiar do personagem principal, mas que não brilha menos por isso quando a hora da ação finalmente chega; por incrível que pareça, chega a dar um toque de variedade a uma guerra que já foi vista tantas vezes no cinema.
5. Captain America: Civil War (Capitão América: Guerra Civil)
Um ano em que filmes de super-herói estão entre os melhores poderia ser considerado um ano fraco, logo “Captain America: Civil War” só pode ser muito bom para estar aqui: é um ótimo filme de ação e o melhor da Marvel até o momento. Algumas características da fórmula do estúdio estão presentes, como dificilmente seria diferente, mas os diretores conseguem reduzir o número de piadinhas a um número que não fique anti-climático com o teor mais sério da história. Ela não tem quase nada a ver com os quadrinhos: há muito menos heróis, como esperado; e os motivos por trás do embate entre o Capitão América e o Homem de Ferro também mudam um pouco. Mesmo assim, esse longa está mais para um “Vingadores” do que para um filme solo por reunir mais de 10 heróis numa obra que combina cenas de ação incríveis, humor na medida certa e finalmente um roteiro que se a aventura a mostrar algo mais complexo que um vilão querendo dominar o mundo. Não é o enredo mais complexo de todos e nem precisa para ser bom, há mais do que o necessário aqui para ser o melhor filme de herói do ano.
4. Kollektivet (A Comunidade)
Não sei se teria assistido a esse filme se não tivesse ido no Festival de Cinema de Curitiba, mesmo seu diretor sendo um dos mais famosos da Dinamarca. Quem é ele? Thomas Vinterberg. Diretor de “Jagten” e um dos principais membros do Dogma 95, um movimento que buscava reduzir a produção de cinema ao estritamente essencial. “Kollektivet” não é um filme que se encaixa no movimento e pode até ser considerado uma produção mais comercial do que se vê em festivais, nada que o impeça de ser um dos melhores do ano. Um casal decide que sua casa é grande demais para eles e a transforma numa comunidade, assim outras pessoas são convidadas para morar com eles e viver uma vida fora do comum. Entretanto, essa idéia aos poucos mostra-se um pouco mais complicada do que a felicidade em grupo planejada. O roteiro dosa muito bem drama e diversão, aproveitando as qualidades engraçadas dos moradores da comunidade e o potencial que elas têm para criar conflito. É uma experiência que resgata os sentimentos de viver uma vida em que não é preciso se afastar das pessoas de quem gostamos e explora como isso pode dar muito certo ou errado.
3. Arrival (A Chegada)
Quem diria que histórias de alienígenas ainda teriam força depois de tantos anos? Muitos filmes já saíram sobre o assunto, que já é popular para colecionar uma série de clichês sobre aliens cabeçudos e verdes, discos voadores e raios laser. “Arrival” não tem nada disso. Ele conta a história de uma invasão extra-terrestre que está mais para uma visita, na verdade. Seres estranhos e não hostis chegam na terra com uma proposta desconhecida, deixando todos em alerta. O que pode ser mais angustiante do que o mistério? Antes os alienígenas chegassem explodindo tudo, assim seria mais fácil saber como reagir. Mas eles vêm sem deixar claro seu propósito, tentam se comunicar sem ninguém conhecer seu idioma. Este é um filme que aposta no suspense da falta de informação, na tensão e na desordem que isso causa. É muito menos sobre alienígenas e mais sobre como o ser humano não demora para perder a razão, uma história que se beneficia de um enredo lento, mas bem construído, e um elenco mais do que competente para mostrar as várias facetas do ser humano numa situação dessas.
2. Manchester by the Sea (Manchester à Beira-Mar)
Este é outro do grupo de filmes que falharam em me empolgar nesse ano. A premissa de um cara que volta para cuidar de seu sobrinho quando seu irmão morre não parecia ser lá uma grande história. Então eu com certeza não esperava que seria quase uma obra prima tocante e profundamente comovente. Não costumo chorar, muito menos dentro de um cinema, mas “Manchester by the Sea” faz um esforço muito acima da média e conseguiu tirar algumas lágrimas. Isso porque a premissa não é só um cara cuidando de seu sobrinho, uma dupla de pai e filho incompatível, há muito mais em jogo para incrementar o drama. O protagonista é o tipo de pessoa que deixa bem visível que é esquisita, seja pelo jeito que ele fala ou por sua grosseria gratuita. Mas há algo por trás dessa esquisitice, um motivo mais que relevante por trás das palavras rudes de uma pessoa claramente com algo travado na garganta. O grande ator por trás desse mistério emocional é Casey Affleck, que coloca seu talento para um personagem de poucas palavras para um ótimo uso. Poucas vezes me emociono de verdade durante um filme, essa foi uma experiência tão genuína na transmissão dos sentimentos de sua história que não havia como ser diferente.
1. La La Land (La La Land – Cantando Estações)
Para muita gente, o diretor de “La La Land” ser o mesmo de “Whiplash“, Damien Chazelle, foi um grande incentivo para ir ao cinema e ver esse musical. Eu gostei de “Whiplash“, mas não vi um dos melhores do ano nele. Mas tudo bem, dificilmente deixo de ver algo que me interessa por causa de um ator ou diretor. Só que nem o trailer me empolgou, ele foi péssimo em mostrar do que o filme se tratava, colocando um pouco de tudo sem dizer nada e até separando espaço para alguns spoilers. Mesmo assim, havia tanta gente falando dele que eu não poderia deixar de assistir. Foi a melhor coisa que poderia ter feito. “La La Land” é o melhor filme por um motivo e por vários. Obviamente, foi o que mais gostei, ao mesmo tempo que as conquistas técnicas são boas demais para passarem despercebidas. O cinema ser um esforço cooperativo não é novidade, mas o que fazem neste filme é notavelmente extraordinário. As composições são todas incríveis e, baseadas no potencial de ser agitado ou melancólico do Jazz, aproveitam essa versatilidade musical para definir ritmo, tom e humor através da colaboração ínitma entre música, edição, roteiro e direção. O resultado é uma experiência absolutamente dinâmica, sem medo de sair de um clima romântico para um cômico ou de um animado para algo mais sóbrio. Muito mais que um musical competente, este é o melhor que 2016 tem para oferecer; uma obra que combina músicas excelentes com a história de um casal transbordando química, que descobrem juntos seu amor e seus sonhos numa cidade cheia de frustração e corações partidos.