Novamente o ano começou bem com um filme de herói da Fox. Ano passado foi “Deadpool“, agora “Logan” chegou fazendo sucesso com a crítica, alimentando as esperanças por uma história digna do carcaju canadense. Antes tarde do que mais tarde, também, pois esperaram para fazer algo realmente bom só no último filme de Wolverine. Baseado parcialmente em “Old Man Logan”, quadrinho ambientado num futuro distópico dominado por supervilões, este longa aproveita uma das histórias mais bem conceituadas do herói para encerrar os 17 anos de Hugh Jackman no papel. Pode não ser a obra-prima que estão pintando por aí, mas faz um ótimo trabalho em mostrar que filmes de super-heróis podem seguir um caminho sério e até dramático no lugar de se apoiar no humor e visuais coloridos.
O ano é 2029 e os mutantes não tem o espaço na sociedade pelo qual tanto lutaram. O sonho de Charles Xavier (Patrick Stewart) falhou. Agora ele passa seus dias num galpão no meio do deserto, medicado por Logan (Hugh Jackman) para evitar que seus poderes saiam de controle, enquanto este último dirige uma limusine para ganhar a vida. Mas até mesmo essa pequena estabilidade é ameaçada quando uma jovem mutante aparece com caçadores no seu encalço.
É bom ver uma adaptação de quadrinhos ser diferente do que costuma ser visto e fazer isso bem. “Logan” mostra uma alternativa às histórias engraçadinhas e leves, além de provar que arcos fechados, tematicamente diferentes, podem funcionar sim. “Old Man Logan” é um história de oito edições e apresenta Wolverine sob um olhar diferente: um homem cansado e abatido, longe da selvageria de seu passado violento. Nada de frenesis assassinos e cabeças rolando, ele é só um homem que quer um pouco de sossego; ficar longe das pessoas que podem dar dor de cabeça é mais importante que eliminá-los. É seguindo esta linha que um Wolverine diferente de suas encarnações prévias é apresentado, uma abordagem nova e, até agora, a melhor de todas, além de ser a mais fiel à essência agressiva do personagem nos momento agitados.
Apesar de ser baseado levemente em “Old Man Logan”, ele usa suas garras logo no começo. As influências são várias, dos quadrinhos ao clássico Faroeste “Shane“, de 1953, nenhuma delas sendo dominante na composição de “Logan”. Basear-se num faroeste antigo ou num quadrinho não quer dizer que ele seja exatamente igual a essas inspirações, o que dá uma boa incrementada num enredo que, por si, não oferece muitas reviravoltas. A história é bem direta ao ponto uma vez que começa, chegando até a se estender mais do que deveria por sua simplicidade não oferecer margem para uma duração de 2h17. Muitas vezes o que segura a barra é o universo rico criado por tantas referências e inspirações. Ora é a obra de George Stevens passando na TV e explicitando a similaridade entre as duas histórias, ora é o mistério acerca da condição do Wolverine; por um bom tempo esses detalhes satisfazem as insuficiências de um road movie sobre o resgate de uma garota. Entretanto, no final das contas o enredo ainda parece mais prolongado do que poderia ter sido, seja na duração ou por insistir demais em alguns pontos, como o sofrimento do protagonista ou a emoção de algumas sequências.
Essa faceta de um Wolverine cansado traz uma novidade interessante para um personagem universalmente conhecido por sua selvageria, especialmente por Hugh Jackman entregar uma interpretação tão inspirada. Talvez ele tenha se empolgado um pouco mais por esta ser sua última vez na pele do herói, mas que não haja engano: o roteiro dá muita margem para o protagonista sair de sua popular persona bidimensional. Ele vai de um troglodita ranzinza com tendências homicidas a um homem que viveu tempo o bastante para colecionar traumas; cicatrizes claramente presentes sem necessariamente serem expostas pelo roteiro – uma das curiosidades que complementam o enredo. Jackman entrega uma performance louvável, representando tão bem conflitos de um mutante com um lado surpreendente humano que passa a mensagem sem dificuldade. Por isso mesmo fica tragicamente claro o exagero do roteiro em querer mostrar que Logan está sofrendo: a atuação já é boa e não precisa de diálogos repetitivos sobre esses conflitos para reforçar o que já era claro.
Finalmente temos um Wolverine violento que coloca suas garras para bom uso. Não que ele esteja empolgado para isso, sua maior preocupação é ter dinheiro para bebida e para o remédio do Professor X; ele está cansado da rotina de super-herói, mas cumpre seu papel quando a hora chega – muito bem, por sinal. As cenas de ação são os momentos em que a condição do protagonista é exposta ao máximo, quando os traumas vão além de expressões faciais para uma falta de fogo nos olhos nas lutas, como se ele não fizesse muita questão de vencer suas próprias batalhas. É uma variação menos dinâmica do personagem compensada por garras decepando membros e encontrando crânios enquanto outra personagem satisfaz as necessidades de quem preferir alguém mais ágil para cumprir a cota de violência explícita. A ação funciona tanto como entretenimento puro e quanto como uma representação mais brusca dos dilemas de Wolverine, sempre aparecendo com o bom humor de Charles Xavier em bom tempo para evitar que o tom dramático e pessimista torne a experiência ainda mais pesada do que os diálogos e a atuação já deixam. De certa forma, tudo ainda caminha para o mesmo fim, mas a forma como a ação executa isso é muito mais dinâmica.
“Logan” pode não ser a jóia imaculada que muitos estão pintando, ainda sendo o melhor filme do Wolverine e uma das adaptações de quadrinhos mais original, se posso dizer. Não é a mais fiel – as ligações com “Old Man Logan” são bem superficiais – mas dentre tantas obras formulares é bom ver uma que não tem medo de desenvolver personagem ou de uma entonação melancólica. É um filme que merece ser visto por sua originalidade, se não por outras coisas.