Depois de achar Nemo, a Pixar achou mais uma maneira de impressionar o público com “Finding Dory” quando ninguém achava realmente necessário uma continuação de “Procurando Nemo”; a história estava concluída, não havia nenhuma ponta solta. A decisão de trocar Nemo por Dory no título só deixou tudo mais estranho. Seria este uma simples continuação preguiçosa? Depois dessas desconfianças, encontrar um filme bom como esse assegurou que a produção sabia onde pisava quando decidiu fazer esta continuação. Não é a mesma busca com um personagem diferente, é uma história com um ar familiar e uma execução inédita.
Depois dos eventos de “Procurando Nemo”, Dory passa a viver com Marlin e Nemo, participando da rotina dos dois como parte da família. Seguindo com seu jeito engraçado e totalmente atrapalhado, ela um dia têm uma experiência inédita: ela lembra de alguma coisa! Essa coisa é sua família, que perdeu sua única filha quando esta ainda era criança. Não se sabe quando nem como isso aconteceu, mas a lembrança de que era do outro lado do Oceano, num Instituto Marinho da Califórnia, a coloca na direção certa. Marlin, Nemo e Dory partem juntos em uma grande jornada buscando um passado perdido.
Admito que no começo não me impressionei com o que vi. Peguei o curta-metragem pela metade porque confundi o horário da sessão e o que vi depois não foi muito bem em compensar essa frustração. Os visuais pareciam os mesmos de antes com um retoque ou outro e a história não havia me prendido ainda. “Finding Dory” vai sem pressa para realmente convencer quem assiste de sua qualidade. Não é como se demorasse para engrenar, mas parte do filme não passa de uma algo apenas competente. É com o tempo que ele melhora e mostra que não é uma continuação preguiçosa. Quando os visuais simplesmente não impressionam mais como antes, embora continuem bons,o mais elementar dos aspectos cinematográficos deve impressionar: a história.
Na teoria tudo é lindo. Em Psicologia dizem para estabelecer o rapport com o paciente e ter postura empática. São menos de 10 palavras que conseguem ser incrivelmente complicadas. No cinema acontece algo parecido, dizem que o roteiro deve fazer o espectador se importar, que a história deve ter profundidade. Como tudo na vida, mais fácil falar que colocar em prática. Um grande escritor disse que uma história pode ter diferentes abordagens: a causal, que define bem como uma coisa leva à outra; e a coincidência na qual, bem, tudo acontece por ironia do destino. Pensando nesses termos, é fácil ver porque um deus ex machina é tão ruim: é uma grande coincidência numa trama causal. Exemplo disso pode ser notado em outra animação da Disney, o recente “Zootopia“. Até que o espectador se toque que as coisas rolam por acaso em “Finding Dory” demora um pouco, mas acontece. Uma atmosfera onde tudo é possível deixa fácil curtir um filme que usa o humor como arma principal.
A genialidade da Pixar entra em jogo quando eles conseguem não só aplicar bem a teoria na prática como também literalmente torna-lá parte da história. Sim, arranjam uma forma de explicar mais ou menos o que eu falei aqui em um momento tocante, que curiosamente é um pequeno discurso da personagem principal. Detalhes à parte, é impressionante como deram um jeito de explicar tudo o que fizeram até então de forma que faz todo o sentido na história. Até este grande momento o espectador é apresentado a uma série de perseguições, enrascadas e faltas de memória constantes. A história simplesmente não para por um segundo, jogando tantas piadas e aventuras que nem dá tempo de ver quais não funcionam; quem assiste só absorve a parte boa daquela avalanche. Felizmente, não limitam o elenco coadjuvante aos personagens de antes. Em cada nova aventura surgem novos personagens que tentam entender o que diabos Dory procura. Faz sentido, pois uma trama que funciona como a memória da protagonista nunca pode se prender a algo por muito tempo. Ainda assim, Hank, um polvo com idéias meio esquisitas, se mantém presente nessa loucura. Assim como o super-protetor Merlin é o oposto de seu jovial filho Nemo, o cínico e indelicado Hank é um ótimo parceiro para uma protagonista que é a essência da ingenuidade. É impossível para ela ser má pessoa pois simplesmente não se lembraria de ser malvada.
“Finding Dory” não é uma exposição de novidades e está longe de ser uma sequência que expande o universo criado antes — expansão vista na franquia Mad Max — porém faz o bastante para ser uma experiência tão divertida e imprevisível como a própria Dory. O “Procurando” do título engana. A busca não é tão literal como a palavra sugere e não deve de forma alguma desanimar ninguém. Quem procura um bom filme certamente o encontrará aqui.