Os melhores filmes de todos os tempos. Eis a lista número um para criar intrigas entre profissionais da área, críticos de cinema, cinéfilos, gente que gosta de cinema e aqueles que só vêem algo de vez em quando. Todo mundo tem uma opinião sobre o assunto, sem exceção. Sempre há alguém que vá achar um absurdo este filme estar na frente daquele ou tal obra ser mencionada no mesmo artigo que outras muito melhores. É impossível agradar a todos com uma lista desse tipo. Na melhor das hipóteses, haverá um pequeno consolo de ver algumas boas escolhas perdidas no artigo.
O conceito para escolher os filmes começa com a nota máxima que todos receberam. Faz sentido, já que representam o máximo do cinema. Todas, de uma forma ou de outra, chegaram em tal nível de mérito por cumprirem sua proposta bem a ponto de os erros existentes — se eles existirem — serem totalmente obscurecidos pelas conquistas da obra. É mais comum que estes sejam pequenos e ignoráveis em primeiro lugar, portanto a razão principal para o conjunto de méritos da obra acaba voltando para quão bom os acertos são de fato. A lista é uma grande mistura e conta com obras de gêneros variados, com propostas variadas e de características variadas, então não se pode comparar o simples enredo de um Musical com a complexidade de um Suspense ou a intensidade de um Faroeste com a moderação de um drama. No final das contas, a ordenação é totalmente subjetiva.
20. La La Land (La La Land: Cantando Estações), 2016
Direção: Damien Chazelle
O cinema ser uma arte de cooperação não é novidade, mas alguns casos chamam a atenção para esta característica em especial. O roteiro não tem nada de visual até o ponto em que o design de produção estabelece como serão os cenários e as roupas. Então é necessário deixar tudo isso visível através da iluminação, também responsável pela atmosfera para cada cena. Em seguida, a direção estabelece o trajeto da câmera, o tamanho do quadro e o ângulo de captura da ação. Os atores por fim protagonizam esse conjunto de esforços por meio de seus personagens. Nada de novo sob o sol e, no entanto, “La La Land” não deixa de exacerbar como este casamento poligâmico funciona tão bem. Como se não fosse o bastante, a presença dominante da música traz um bônus por unificar ainda mais tantas artes sob as convenções de um musical.
A obra gira em torno do Jazz e de suas qualidades únicas como gênero musical. Ele pode ser ágil ou vagaroso, imergir-se na energia de sentimentos positivos ou perdurar na melancolia de expectativas destruídas. A competência de Justin Hurwitz, o compositor, fornece margem para que se defina ritmo, tom e atmosfera numa colaboração íntima com edição, roteiro e direção. O resultado é uma experiência que transita de um clima romântico para uma divagação em plena luz do dia, de um humor bobão de casal apaixonado aos momentos mais sóbrios de um relacionamento. Muito se deve a tudo e é difícil dizer que só a fotografia é responsável por transformar Los Angeles em ambos um inferno de concreto castigado pelo sol e um paraíso tropical num mesmo filme. Há a música para se considerar constantemente e definir qual tipo de retrato se busca, um fim de tarde agradável ou o choque de cores de um ambiente fechado. Alternativamente, poderia-se dizer que é a química fortíssima do casal protagonista que contagia o espectador a comprar seus sonhos e aspirações, a pensar como eles e enxergar alguns conflitos difíceis de digerir apresentados pelo enredo. Nenhuma alternativa está errada, tudo soma para criar uma impressão forte sempre.
19. The Sound of Music (A Noviça Rebelde), 1965
Direção: Robert Wise
Ouvir o nome “A Noviça Rebelde” pode suscitar certo estranhamento em quem lê, talvez ainda mais numa lista de melhores filmes de todos os tempos. Acontece que o preconceito em torno da obra nada tem a ver com sua qualidade. Julie Andrews estrela no papel que não deu seu Oscar nem trouxe mais fama, pois isso aconteceu um ano antes em “Mary Poppins” e talvez até seja outro motivo para desvalorizar “The Sound of Music” por também contar a história de uma babá que chega numa família problemática e transforma a vida de todos. Só não é tão simples assim. Uma comparação superficial até pode trazer estas semelhanças fortes, enquanto a realidade traz um filme ainda melhor em todos os sentidos. Isso não é pouca coisa, considerando que o musical da Disney também é está entre os mais formidáveis do gênero. Trata-se da diferença entre o muito bom e um ponto alto do gênero.
“The Sound of Music” abre numa tomada merecedora de entrar para o panteão de cenas mais marcantes de todos os tempos, com morros e morros de verde se estendendo para além do alcance dos olhos. No meio de tudo isso, uma noviça correndo de braços abertos, absorvendo a paz e a energia daquele ambiente magnífico. E então: “The hills are alive with the sound of music…” O filme não deixa o espectador esquecer de que é um musical e, mais do que isso, um tremendo musical. Cada novo número traz um motivo para deleite em meio à uma história simples e bem contada, que ainda dá um jeito de integrar a música como parte da narrativa literal. Em outras palavras, os personagens cantam mesmo em vez de pausarem o universo para começar um número e depois voltar ao normal. O único pequeno detalhe é a repetição das músicas no final, mas realmente é uma minúcia perto das qualidades estrondosas vistas em outros aspectos, desde as imagens nítidas e bem compostas por Robert Wise às atuações de Julie Andrews, Christopher Plummer e o resto do elenco infantil, que nunca comete o erro das crianças chatas estragando a história.
18. Leaving Las Vegas (Despedida em Las Vegas), 1995
Direção: Mike Figgis
Encontrar obras-primas na base da surpresa é sempre um prazer extra. Na verdade, finalizar a experiência e sentir a satisfação de poder dizer que valeu a pena é sempre bom, melhor quando se trata de um pico de qualidade pouco visto e ainda mais impactante quando não se espera isso de forma alguma. Sequer lembro do motivo que me fez comprar o Blu-Ray de “Leaving Las Vegas”. Nunca ouvi as pessoas comentarem sobre ele, apenas um pouco sobre Nicolas Cage ter vencido o Oscar por seu papel nele. De resto, não se pode dizer que há uma reputação a ser encontrada, como se a obra como um todo fosse grande coisa. Grande negligência. Os pontos fortes têm tudo a ver com a interpretação de Cage, já que a história se caracteriza como um estudo de personagem e traz um retrato do protagonista como o grande fator unificador das qualidades vistas aqui. O fato da performance funcionar já conta muito para fazer todo o resto funcionar também.
Nicolas Cage interpreta um homem que perde tudo na vida e decide ir para Las Vegas beber até a morte. E é isso. Simples, pontual, sem delongas. Se a trama parece não ter muita riqueza por conta de sua premissa direta ao ponto — o que não é verdade — ainda há muito para ser visto nos outros elementos que compõem a história. O tom. Eis o elemento-chave, aquele que dá sentido a todo o resto e é lembrado hoje, anos depois de ter assistido ao filme. Poucas vezes se encontra uma experiência que proporcione sentimentos tão fortes em relação ao eventos retratados, tal como seria lógico sentir medo em um Terror, tensão em um Suspense ou paixão em um Romance. “Leaving Las Vegas” é um tanto menos elegante na escolha da impressão causada e acaba por trazer um tom deprimido impossível de ignorar, contagiante e que perdura para bem depois dos créditos. Como isso é positivo? Sendo muito competente em ser negativo. Entretenimento e diversão nem sempre são feitos com sorrisos e otimismo.
17. In a Lonely Place (No Silêncio da Noite), 1950
Direção: Nicholas Ray
Nicholas Ray é um diretor cuja marca pode ser reconhecida através do sentimentalismo acentuado de suas histórias, independentemente do gênero. Só não lembrei disso quando fui assistir a “In a Lonely Place” pela primeira vez pensando que seria apenas outro Noir bem conceituado. Não está errado, mas certamente é mais do que isso. O filme deixa claro como o cinema de Ray é potente por funcionar até mesmo em um gênero que desvaloriza quaisquer valores humanos positivos, além de mostrar que o Noir não precisa seguir regras rígidas para ser o que é. Por exemplo, um romance dificilmente seria categorizado no lado negro da humanidade se for honrado e sincero, então talvez ficasse fora de lugar em um gênero focado em pessoas manipulando outras, no desprezo por sentimentos e em sonhos destruídos pela vida. Exceto que não, o amor é um sentimento ambivalente como qualquer outro e pode tomar uma direção trágica sem demora.
Dix Steele é um roteirista de Hollywood que há tempos não escreve nada e vive desanimado por isso, nem mesmo se esforçando para tentar provar sua inocência quando é acusado de assassinar uma garota que o visitou recentemente. Sua sorte vem na forma de uma testemunha depondo a seu favor, uma mulher com quem ele passa ter um envolvimento. Poderia ser um drama usando esta mesma premissa, enquanto a obra enxerga isso como oportunidade para criar expectativa sobre algo bom e depois colocar tudo em risco. Nicholas Ray aproveita o lado macio da psique humana para mostrar quão sensível e frágil ele pode ser, mesmo sendo tão agradável. Bogart traz outra interpretação com um ar de frescor, sem resquícios de um estilo recorrente ou imitações de outros papéis na construção de outra performance memorável. Gloria Grahame, por sua vez, se mostra como uma mulher dividida entre impulsos opostos, a razão estragando a pureza dos momentos sentimentais e os sentimentos entrando no caminho do pensamento lógico. Um conflito comum e humano como qualquer outro, com potencial de estragar tudo e muito apropriado para um gênero adepto à tragédia.
16. The Wild Bunch (Meu Ódio Será Tua Herança), 1969
Direção: Sam Peckinpah
“The Wild Bunch” pode ser lembrado por várias razões. A mais recente é sua similaridade com a série de jogos “Red Dead Redemption”, inspirada no conto de um bando de criminosos vivendo seus últimos dias de crime no Velho Oeste. Existem outros motivos, é claro. Por si, é um filme que deixa algumas cenas impressas na memória enquanto tantos outros filmes vem e vão sem causar um impacto. Pode até parecer uma afirmação sem sal porque até filme ruins podem deixar sua marca em um momento de raro impacto. Isso é outra coisa. A marca deixada aqui é de uma natureza diferente e mais simples: um cena de homens rindo numa mesma história que tem um tiroteio extraordinário como ponto alto. Quem elogiar “The Wild Bunch” pela ação ou pelos diálogos bem escritos estará corretíssimo, mas não consigo tirar da cabeça a camaradagem forte daquele grupo de criminosos. São coisas como essa cena da risada que dizem tanto sobre a profundidade desta obra, que revelam a existência de tanto o entretenimento clássico de um faroeste como conteúdo complementar a isso enriquecendo a história.
Eis a maior prova contra os que acham que todo faroeste não passa de um bangue-bangue clichê como o imaginário popular descreve. A história de fato trabalha conceitos clássicos, o que não significa se limitar a eles sem nenhum desenvolvimento construindo em cima do conceito básico. O roteiro possui uma entonação existencial fundindo a sutileza dos questionamentos sobre propósito de vida em um cenário progressivamente hostil com o choque da violência explícita do estilo de vida daqueles homens. Entra a direção de Sam Peckinpah representando graficamente os momentos em que o chumbo rasga o ar sem esquecer dos outros mais simples. O elenco, seguindo os passos da direção, leva adiante o tema de ter um lugar no mundo enquanto os personagens trilham um caminho de violência e desgaste. Definitivamente não dá para dizer que este é apenas mais um exemplo de cidade pequena demais para dois caubóis e um duelo na rua principal da cidade com toda a população assistindo assustada pelas janelas enquanto a bola de feno passa no fundo. Dois tipos de entretenimento são combinados no melhor faroeste de todos os tempos.
15. The Lord of the Rings: The Return of the King (O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei), 2003
Direção: Peter Jackson
É um pouco complicado discutir qual o melhor da trilogia “O Senhor dos Anéis” porque todos são muito bons e o conjunto deles é mais ou menos como um filme só, tanto que os três são colocados juntos no livro “1001 Filmes para Ver Antes de Morrer”. Felizmente, separar em três partes de nada afeta a estrutura das histórias individuais, pois cada uma traz um arco narrativo bem definido com momentos marcantes para serem chamados de seus. Além do mais, os fãs costumam bater cabeças na hora de decidir qual o melhor, mais entre o primeiro e o terceiro. É compreensível tal dúvida porque o primeiro e até o segundo são quase tão bons quanto o terceiro, que leva vantagem por trazer uma incrível batalha de clímax e um fechamento real, não só provisório, para toda a história. O filme acaba com o fim da jornada de Frodo em vez de acabar no meio da jornada como antes.
Outro ponto que dificulta um pouco falar sobre o melhor da trilogia é o fato de todos os três compartilharem as mesmas qualidades. É um pouco difícil separar os méritos isolados quando a direção por trás da batalha de Helm’s Deep em “The Two Towers” é a mesma de Minas Tirith aqui. O design de produção que trouxe a identidade visual de cada raça e dos reinos aos quais pertencem também é o mesmo, variando apenas o local visitado em cada filme. O que muda então? Alguns podem achar a introdução ao universo mais interessante que a conclusão, conhecer cada elemento pela primeira vez e entender as regras daqueles universo. Já eu prefiro todo o contexto que acompanha “The Return of the King”: é a última batalha. Desde o primeiro filme se fala das forças de Mordor se movimentando e preparando uma investida contra o reino dos homens. A ameaça das sombras está cada vez mais próxima e uma guerra está para acontecer. São todas as qualidades dos dois primeiros, praticamente, aliadas ao peso de um evento antecipado faz tempo. A expectativa é grande e o resultado corresponde. Relativamente simples assim.
14. Ordinary People (Gente como a Gente), 1980
Direção: Robert Redford
Não foi uma vez nem duas que ouvi críticas a respeito de “Ordinary People” ter ganhado o Oscar de Melhor Filme junto de outros três prêmios, incluindo Melhor Diretor para Robert Redford. Os comentários vão desde reclamar da Academia ser bairrista e premiar Redford por ser um rostinho conhecido até questionar a decisão de não premiar Martin Scorsese como Melhor Diretor ou “Raging Bull” como Melhor Filme. Vendo por cima, talvez faça sentido a reclamação porque premiar Scorsese e sua obra seria merecidíssimo. O problema é que “Ordinary People” é simplesmente um filme melhor. Esta é uma situação em que se nivela por cima porque ambos são incríveis. Por mais que a carreira de Redford como diretor tenha rendido poucos trabalhos, sendo este o primeiro de 10 contra cerca de 60 de Scorsese, é uma ótima conquista de sua parte.
“Ordinary People” é o que se pode chamar de supra-sumo do drama. É o tipo de situação básica entre seres humanos que acontece todos os dias, uma organização de elementos distintos que fazem o conflito acontecer apenas com sua existência em dado contexto. Neste caso, é o de uma família com um problema que devora todos de dentro para fora. Ninguém quer falar sobre o assunto e, no entanto, todos o enfrentam diariamente junto com o sofrimento que acompanha. Conflitos humanos colocados em foco, situações progressivamente penosas e uma natureza sentimental permeando a atmosfera da história. Como são questões de cunho pessoal, faz todo o sentido que o sucesso dependa muito dos atores trazerem aos primeiros planos os sentimentos que alimentam suas crenças e consequentemente os colocam em conflito. O elenco faz sua parte com perfeição e segue as linhas ditadas pela direção nem um pouco sensacionalista de Redford, que deixa os eventos falarem por si sem usar a narrativa visual excessivamente a favor de uma intensificação de efeito, por exemplo. Claro, nada como um estilo de direção de documentário com planos improvisados ou fixos, sem alternação no tamanho de quadro. As técnicas existem e acontecem sem deixar seu efeito exacerbado, pois de outra forma já não seria mais tanto uma história de gente como a gente. Simples e eficiente em sua tarefa a ponto do sucesso transcender a natureza humilde da trama.
13. Singin’ in the Rain (Cantando na Chuva), 1952
Direção: Stanley Donen, Gene Kelly
Eis mais um musical, o último da lista e o melhor deles. Também uma ironia por não ter feito tanto sucesso em seu tempo, sendo redescoberto mais tarde e reavaliado até o nível de prestígio de hoje. Talvez a quantidade de lançamentos do gênero na época e a recente vitória de outro musical de Gene Kelly no Oscar tenham tirado um pouco o brilho de seu lançamento, que acabou sendo visto como apenas mais um. Felizmente, a opinião mudou com o tempo e rapidamente o senso comum se tornou mais positivo, com praticamente todas as listas de melhores musicais trazendo “Singin’ in the Rain” perto das primeiras posições. A obra traz Kelly dando seu típico show de sapateado, dança e cantoria. O melhor deles, na verdade, por contar também com a co-direção de Stanley Donen dando suporte, uma história de substância incomum no gênero e alguns momentos dignos de entrar para a história do cinema.
A trama de musicais costuma girar em torno das mesmas coisas. Quase sempre tem a ver com um romance entre o protagonista e uma garota. Eles se conhecem e o rapaz se fascina por tudo a respeito dela, o envolvimento começa a crescer até que algo dá errado e o rapaz perde a garota por alguns momentos antes de recuperá-la a tempo do final. Se não isso, algo nesses termos com variações lá e cá. “Singin’ in the Rain” tem um pouco disso, porém se destaca principalmente por se ambientar no período de transição entre o cinema mudo e o falado, falando sobre a carreira de artistas que sobreviveram e outros que não à grande mudança. E claro, no meio do caminho alguns dos melhores números musicais de todos os tempos são encaixados. O já conhecido talento de Gene Kelly é acompanhado pelos incríveis Donald O’Connor — e seu sempre impressionante mortal para trás na parede — e Debbie Reynolds numa performance incrível para quem não dançava antes. É difícil falar das qualidades de uma obra-prima como essa quando elas são tão melhor absorvidas quando assistidas. Descrever como um sapateado é gracioso e a música é marcante não faz jus ao que se vê.
12. The Silence of the Lambs (O Silêncio dos Inocentes), 1991
Direção: Jonathan Demme
Há quem diga que “The Silence of the Lambs” perdeu sua força por ter lançado uma onda de filmes de suspense sobre assassinos em série, sobre investigações policiais ou apenas uma retomada do gênero nos Anos 90. Não é à toa que houve três outras continuações na próxima década, uma delas no mesmo molde que este filme. De qualquer forma, o que vem depois não afeta o que veio antes, mesmo que seja melhor ou uma evolução com exceção de alguns casos específicos como efeitos especiais modernos fazendo a diferença no tipo de história contada. “The Silence of the Lambs” não se encaixa nisso e permanece como uma história dependente apenas de um enredo bem construído e das performances do elenco principal, especialmente os que interpretam Hannibal Lecter e Clarice Starling.
Se existe algum indicativo de sucesso, Hannibal Lecter se tornar um dos personagens mais lembrados de todos os tempos nas mãos de Anthony Hopkins é um dos melhores exemplos disso, em especial porque o personagem já existia e havia sido interpretado por outro ator cinco anos antes, Brian Cox em “Manhunter“. Não há como comparar as duas e até chega a ser razoável dizer que a primeira passou a ser mais revisitada depois do sucesso de “The Silence of the Lambs”. Trata-se daquilo que muitos filmes de suspense e mistério tentam ser. Todos querem ter um bom vilão, uma situação complicada de resolver, um protagonista relacionável e a combinação destes fatores numa história que leva o espectador por caminhos sinuosos, sempre tentando deixar o objetivo ao alcance, mas nunca completamente à vista. Ele deve sentir que está indo para algum lugar mesmo quando este lugar não é o certo. As soluções não podem ser rápidas e assim por diante, as mesmas regras que valem na maioria dos casos. Há tudo isso e mais um pouco aqui. A mera presença de Hopkins preenchendo o posto de antagonista faz toda a diferença, colocando o filme muito acima da média.
11. Before Sunrise (Antes do Amanhecer), 1995
Direção: Richard Linklater
O primeiro da Trilogia Before de Richard Linklater. São três filmes de romance com os mesmos dois atores feitos em intervalos de 9 anos, sendo esse tempo contabilizado na narrativa. Do primeiro ao último encontro do casal se passam 18 anos e eles vão de jovens com 20 e poucos até a meia idade dos 40 e poucos. A experiência completa é ver os três em sequência para acompanhar três momentos totalmente diferentes da vida dos personagens e presenciar uma conquista ímpar na história do cinema. Remakes, reboots, continuações feitas 30 anos depois do original e até mesmo os 12 anos de produção de “Boyhood” nem se comparam com a idéia de usar três pedaços da vida dos mesmos personagens e fazer três filmes diferentes. Seria como um roteirista se inspirar no que viveu e criar histórias diferentes sobre cada momento, exceto que neste caso o espectador encontra as mesmas figuras em cada uma.
Mas não é como se a trilogia fosse uma coisa só, com cada longa-metragem servindo de partes de uma grande história. Todas têm começo, meio e fim. “Before Sunrise” merece destaque por algumas razões especiais, qualidades não encontradas nos outros por conta do foco estar em outra parte da vida dos envolvidos. A história fala de como Céline e Jesse se conhecem em um trem e decidem descer em Viena para passar o dia juntos. Básico e romântico, nada fora do comum até então. O detalhe é que Jesse tem um vôo para os Estados Unidos na próxima manhã e o primeiro dia que os dois passam juntos pode ser o último. Dramático, ainda não chega a ser extraordinário. A história fica realmente interessante quando todo o processo já conhecido de paixão passa a acontecer e conquista o espectador com um roteiro naturalista, quase baseado no fluxo de consciência de uma conversa real entre duas pessoas. E então aos poucos fica mais evidente que a hora está chegando e a magia tem que acabar, algo lindo é criado para em seguida ser ameaçado. É quase como criar simpatia do espectador por algo e colocar isso em perigo para prendê-lo à experiência. Funciona!