Antes da imagem de Hannibal Lecter ser eternizada na mente dos espectadores, existiu Hannibal Lecktor, a versão 15 anos mais velha que a popular de Anthony Hopkins. Adaptação do livro “Dragão Vermelho”, de Thomas Harris, esta é a primeira aparição de Hannibal nos cinemas. Contudo, este filme acabou atingindo pouco sucesso em seu lançamento, recebendo críticas mistas e falhando na bilheteria. Foi só com o lançamento do premiado “Silence of the Lambs”, em 1991, que o interesse por este longa de 1986 foi renovado e uma recepção mais positiva foi obtida.
Will Graham (William Petersen) é um agente do FBI que ganhou fama por capturar dois grandes assassinos em série, usando métodos no mínimo atípicos para seu sucesso. Depois de sofrer uma lesão quase fatal na captura de Hannibal Lecktor (Brian Cox), o agente se afasta do serviço para passar mais tempo com sua família. Mas quando um assassino, apelidado de Fada do Dente por morder suas vítimas, passa a matar famílias inteiras a cada lua cheia, Will é persuadido por seu superior a voltar ao trabalho e ajudar com o caso. Mas desta vez Will Graham tem a ajuda de uma figura inusitada de seu passado: Hannibal Lecktor, o homem que quase o matou.
Ver este longa-metragem após os 4 outros filmes da franquia e não traçar algumas comparações é quase inevitável, pois além do fato óbvio de fazerem parte da mesma franquia, há certos elementos icônicos demais para passarem despercebidos. Não acontecendo imediatamente na trama, mas ainda assim chamando a atenção, está a introdução de Hannibal, um coadjuvante aqui. Mesmo sem levar em conta seu tempo de tela, que é um tanto reduzido, é fácil notar como os esforços de Brian Cox falham em ser minimamente impactantes. Através de diálogos refinados, mas recitados com a mesma delicadeza de um rinoceronte, temos uma demonstração perfeita de um ator que tenta passar uma imagem, mas acaba transmitindo outra completamente diferente. Enquanto as palavras e o vocabulário apontam para uma finesse e uma certa delicadeza no discurso, o tom de voz afobado do ator e a dicção vulgar passam a impressão que ser refinado é apenas uma idéia delirante de Lecktor após tantos anos de cadeia. Ao contrário de Tom Noonan, seu companheiro de filmagem que entrega uma interpretação mais que competente, Cox não parece um assassino qualificado, quem dera a pessoa que quase trouxe o fim ao protagonista Will Graham.
Por outro lado, onde pode-se notar uma interpretação que faça jus à descrição de seu personagem é em William Petersen. Sendo um papel relativamente direto ao ponto, ver as características do protagonista serem tão desenvolvidas chega a ser um ponto forte deste longa-metragem, se não o mais forte. Indo além de um simples exemplo de indivíduo mentalmente perturbado, que de alguma forma atinge seus objetivos ao traçar metodicamente os passos de seu alvo, Petersen entrega outro daqueles personagens que com poucas palavras conseguem apresentar muito conteúdo. Mesmo em situações onde apenas meias frases são proferidas, o espectador pode-se ver facilmente envolvido nos milhares de processos mentais da mente inquieta do protagonista. Pela investigação em si não ter um caráter muito complexo, no sentido de não apresentar reviravoltas em sua estrutura, esse aspecto profundo do conflito mental de Graham compensa por possíveis falhas da trama; pois mesmo que a investigação não seja tratada de maneira procedural, ou por estágios mais bem definidos, é interessante ver como o protagonista lida com o problema em suas mãos.
Sob um ponto de vista mais técnico, a perícia de Michael Mann é notada sem esforço através da maneira sucinta como as imagens são dispostas. Existem filmes que apenas cumprem seu trabalho, filmes que cumprem mal sua tarefa e outros que fazem tudo muito bem. Este é um dos exemplos onde a simples justaposição de imagens é o bastante para complementar e até compor o enredo em si, auxiliando muitos momentos onde palavras seriam menos ideais para transmitir o conteúdo, e consequentemente cobrindo eventuais falhas. O problema é que existe um certo limite de quanto um aspecto pode compensar imperfeições, ainda mais quando elas pertencem a algo tão crítico quanto o roteiro. Tomando como exemplo a sequência final de filme, parece que a produção estava extremamente ansiosa para terminar sua história, deixando a desejar um pouco em relação a conclusão de uma outrora boa trama. É aí que entra a direção de Mann, que, embora seja deveras competente, não pode corrigir algo tão crítico; pois independente de quão bem você capture e monte uma cena, não vai adiantar muito quando o contexto dela está imperfeito desde o começo.
Mesmo brigando com “Hannibal Rising” pelo posto de filme mais fraco de Hannibal Lecter, este longa não mostra-se como um desastre; pelo contrário, existem diversos aspectos competentes que fazem muito para evitar que esta obra seja uma experiência negativa. Alguns elementos se destacam por sua qualidade, como a atuação de William Petersen e a direção de Michael Mann, enquanto outros acabam se evidenciando negativamente, como a trilha sonora ocasionalmente inapropriada e a interpretação de Brian Cox. No fim, o saldo, ainda acaba positivo e esta acaba sendo uma entrada digna dos filmes lançados posteriormente.