A década de 60 para o Western foi um tempo de declínio. Em comparação a décadas anteriores, o número de filmes lançados caiu, especialmente nos últimos anos. Na década de 70 este, já reduzido, número cairia para quase metade. É apenas apropriado que “The Wild Bunch”, lançado em 1969, trate justamente do fim do Velho Oeste, sobre como o tempo dos cavalos e das diligências deu lugar aos carros e à modernidade. Ainda que controverso em sua época por sua violência explícita, este longa-metragem não teve sua fama construída com sangue e chumbo, mas sim por ser o melhor Faroeste da história e um dos melhores filmes de todos os tempos.
Numa era em que o Velho Oeste estava morrendo, uma notória quadrilha de criminosos tem dificuldade de achar seu lugar. Perdidos estão os dias de grandes roubos, grandes festas e grande impunidade, a lei está cada vez mais presente no ambiente antes considerado selvagem. Percebendo que seu tempo está acabando, o bando começa a pensar em seu futuro, ou na falta dele, e decide planejar um último grande roubo para encher os bolsos e se aposentar. Mesmo assim, a perspectiva não parece ser muito boa para indivíduos que nunca plantaram suas raízes em lugar algum; mesmo se tiverem sucesso em sua empreitada, o futuro guarda apenas uma certeza: uma mudança para qual nem todos estão preparados.
Como todo grande filme, o escopo dificilmente pode ser limitado a uma descrição breve da trama. Por si, a história já é interessante. Como plano de fundo escolhem justamente o fim de uma era, o que, se o mundo não acabar, significa o começo de outra. Para efeito de comparação, considere quanto o equilíbrio foi abalado com a revolução de ideais dos Anos 60, agora imagine como as coisas seriam em tempo de expansão e progresso. Toda a história se passa na região da fronteira entre México e Texas, dois lugares igualmente tumultuados: um está na sombra da modernidade, outro está na da revolução. Não há paz em lugar algum, especialmente quando se fala de pessoas que roubam e matam para viver. Indo além em sua singularidade, o ponto de vista explorado não é o do caubói boa pinta, o mundo é visto através dos olhos de indivíduos detestáveis, o lixo que costuma ser despachado no fim de um Faroeste típico. Normalmente antagonizados sem dó, estes sujeitos sofreriam o mesmo aqui se Sam Peckinpah, o diretor, não fizesse um trabalho tão genial, intenso e impiedoso em cima da moralidade.
Trabalhar a moralidade em um Faroeste não é novidade hoje, nem era em 1969. Entretanto, o que faz algo manjado ser genial é como esta abordagem é expandida, indo além de um protagonista ou de um grupo pequeno. Logo de começo, a população de uma cidade pequena é mostrada em seu cotidiano. Crianças brincam na sujeira, pessoas escutam o sermão de um pastor, oficiais do exército patrulham as ruas da cidade. Tudo está aparentemente normal. Isto é, se fingir devoção em público, torturar animais e usar as roupas de um morto for considerado normal. Não é a consciência do caubói que está em conflito, toda a sociedade está em jogo. Dizem que não existe honra entre ladrões, no entanto, os criminosos parecem ser os mais humanos de todos os personagens vistos aqui. Nem mesmo o cidadão comum está livre deste filtro de negatividade e acidez, o padrão de Sam Peckinpah é que todos são frutas podres de alguma forma. Todo aquele suposto equilíbrio do começo do filme não dura mais que cinco minutos, depois disso as máscaras caem e a verdade surge. Quem está mais certo em toda essa situação? O criminoso impetuoso ou o bando de selvagens contratado para caçá-lo? Talvez seja mais correto perguntar quem é o menos errado, uma vez que as qualidades hediondas parecem estar sempre predominantes.
Porém o que me faz gostar tanto deste filme não é apenas o excitante quinto final, a manipulação perfeita do ritmo ou a direção exímia de Peckinpah, mas como todos estas características são integradas em uma história profunda e simples ao mesmo tempo. Simples por não se basear em reviravoltas e surpresas, profunda por explorar sua simplicidade e extrair dela quantos temas for possível. Dentre eles está a, já mencionada, moralidade, trabalhada através não só de diálogos, mas de violência extrema, que dessa vez não é nem um pouco injustificada. Cada tiro faz com que sangue jorre, cada corpo baleado não só cai como quebra tudo em seu caminho antes de finalmente desmoronar. O melhor de tudo é que estas cenas não só criam alguns dos melhores tiroteios da história dos Faroestes, como também ajudam a moldar o ritmo perfeito desta obra. Em momentos, o roteiro é calmo, expressado a moralidade e os temas existenciais através da direção contemplativa de Peckinpah; em outro, tiros voam e criam um choque entre as sutilezas da calmaria filosófica e a violência. Do lado calmo, estão as ótimas atuações brilhando através da camaradagem; já o lado da ação conta com mais de uma câmera e, frequentemente, a câmera lenta, prolongando a tragédia o máximo possível. Ou quem sabe essas mortes não sejam tragédias, mas karma; afinal de contas, todos ali têm um lado negro forte o bastante para justificar algum tipo de retribuição. No mundo real, muita gente comete crimes e sai impune, aqui Sam Peckinpah não perdoa ninguém.
Curiosamente, “Scarface” é um caso parecido com este filme. Em seu lançamento ele também foi criticado por ser muito violento e só foi ganhar o respeito da audiência com o tempo, também sendo considerado por mim um dos melhores da história. Pode ser que exista uma tendência aí, mas o mais provável é que estes dois filmes sejam apenas dois exemplos do Cinema em sua melhor forma. “The Wild Bunch”, em especial, merece destaque pois. além de ser um excelente longa-metragem, inspirou o jogo “Red Dead Redemption”, por si uma obra-prima dos video-games.