5. O Fim do Velho Oeste em Red Dead Redemption
Este é um jogo que incorpora muito bem suas inspirações. Para começo de conversa, “Red Dead Redemption” é um dos melhores jogos de todos os tempos, então não é surpresa que sua inspiração principal também seja um dos melhores filmes de todos os tempos. Mas voltando um pouco, a série “Red Dead” como um projeto desenvolvido pela Angel Games e publicado pela Capcom antes de ser engavetado. Mas em 2002, a Rockstar Games comprou a Angel Games e a transformou na Rockstar San Diego. Os direitos foram comprados da Capcom e o projeto se tornou “Red Dead Revolver”, lançado em 2004 para Playstation 2.
Baseado na mitologia estabelecida pelo Spaghetti Western, movimento surgido na Itália durante os anos 60, a Rockstar mostrou que tinha o cinema clássico em mente desde o começo. Até mesmo a imagem do jogo contém o característico granulado de filmes antigos e canções de Ennio Morricone, popular compositor de faroestes, na trilha sonora. Isso foi só o começo. Após uma breve prévia em 2005, “Red Dead Redemption” foi oficialmente anunciado em 2009 e lançado em Maio de 2010, indo além de pequenas homenagens lá e cá para incorporar uma grande história em seu universo.
A base principal é “The Wild Bunch“, popularmente considerado o melhor filme de Sam Peckinpah e um dos melhores do gênero. Lançado em 1969, este longa se caracteriza como um Faroeste Revisionista, sub-gênero característico pelo questionamento de convenções de gênero, críticas sociais e flexibilização dos limites da moralidade. A mudança de ponto de vista para os bandidos, a crítica à sociedade em ascensão que eles ameaçam, e a violência explícita representam esta visão. São as mesmas características encontradas no jogo, embora a execução delas no enredo seja diferente de sua contraparte cinematográfica.
Na história de “Red Dead Redemption”, o protagonista é John Marston, um ex fora da lei que decidiu viver uma vida tranquila. Em seu tempo de crime, Marston e sua gangue eram como uma grande família. Isto é, até o dia em que foi baleado e abandonado pelo grupo durante um assalto a banco, o que o leva a trocar de vida e comprar um rancho para viver com sua família. Tudo correu tranquilo até o dia em que seu passado o alcança: oficiais do FBI sequestram sua família e o coagem a fazer seu trabalho sujo. Para ser perdoado por seus crimes e ver sua família de volta, ele deve matar os membros de seu antigo bando.
Com a transição de Velho Oeste para Civilização, a lei torna-se intrusiva como nunca, exatamente como acontece em “The Wild Bunch“. Um de seus personagens também fez parte de uma gangue, foi baleado em certa ocasião e acabou sendo forçado a caçar seus companheiros para ganhar sua liberdade. A grande diferença é que ele não é o protagonista da história, o filme foca nas últimas aventuras dos bandidos enquanto são caçados.
“The Wild Bunch” conta a história de um bando de criminosos que luta para achar seu lugar no moribundo Velho Oeste, que, aos poucos, dá lugar à modernidade. Não há mais espaço para crime descontrolado e justiça com as próprias mãos. A lei passa a ser feita com tinta e papel, não com chumbo e sangue. Mais do que isso, o longa trabalha outros temas como o existencialismo e a moralidade dentro deste contexto, colocando em pauta as ações dos protagonistas tendo a sociedade como objeto de crítica.
O contexto é exatamente este em “Red Dead Redemption”. Quando a região de Blackwater é liberada pela primeira vez há um choque notável frente a tudo que se viu antes. Nada de construções de madeira cheias de cupins e pulgas, ruas transformadas em lamaçais e igrejinhas mexicanas. Blackwater tem trechos com ruas de pedra, carros na rua… muito mais infraestrutura. É este o efeito de um progresso que não faz questão de deixar certos elementos para trás.
Essa transição é vista também em outro grande filme: “Unforgiven”, dirigido e estrelado por Clint Eastwood. Seu protagonista, William Munny, foi um dos pistoleiros mais violentos e temidos do Oeste, mas deixou isso no passado para constituir família e criar um pequeno rancho. Eventualmente, sua incompetência em seguir nessa vida traz dificuldades e ele se vê de volta no antigo ofício. Novamente é o pistoleiro aposentado de volta à ativa, explorando uma terra que conheceu um dia para encontrar novidades um tanto desagradáveis para gente como ele.
A lei é um desses empecilhos. Não porque ele é um assassino descontrolado, mas porque ela tem um lado explicitamente corrupto e hipócrita. A nova lei chega com uma proposta teoricamente correta, mas mostra-se bem diferente. Perto do final do jogo, Marston chega num estágio parecido com o de Munny no começo do filme: ele não é um bom fazendeiro. As missões de fazendeiro serem muito mais paradas e chatas que o resto refletem exatamente isso. O protagonista pode não aceitar, mas ele é melhor do que gostaria na arte de puxar o gatilho
Ambos jogo e filme se passam num grande território que envolve parte do Texas, chamado de New Austin no jogo, e do México. Tanto território só poderia resultar em um mundo aberto, extenso e completo com tudo que se espera do Oeste americano. Assim, abre-se o leque de infinitas referências visuais: o clássico Monument Valley dos filmes de John Ford e os inúmeros personagens que habitam o lugar, como Landon Ricketts e seu bigode icônico — comparável com Sam Elliott em “Tombstone“.
Apesar das semelhanças gerais, algumas localidades específicas marcam presença. A primeira ponte entre o México e os Estados Unidos, em especial, seria exatamente igual se a do jogo não fosse dividida em dois trechos. De resto, tudo é muito similar. O lado americano inclusive tem as montanhas ao fundo, de onde os americanos surgem no filme. Contudo, os cenários devem muito mais para “Unforgiven” em termos de estética. Certas paisagens de “Red Dead Redemption” não são apenas parecidas, elas parecem ter sido retiradas diretamente do longa. Não são todos os cenários ou uma impressão que dura do começo ao fim, mas, pessoalmente, a lembrança foi muito forte para ser ignorada.
Um jogo tão bom quanto “Red Dead Redemption” com certeza tem muito mais referências e inspirações do que são apresentadas aqui. Muitas são pequenas, conexões feitas em uma linha de diálogo ou aparência de personagem pequeno — o pistoleiro bêbado, Irish no jogo e Dean Martin em “Rio Bravo; outras possivelmente nunca foram encontradas. É difícil dizer exatamente quando o Faroeste tem quase 100 anos de história no Cinema e o jogo, 20 e tantas horas de cenários abertos, conversas, tiroteios e personagens diversos. Mesmo sem saber todos os ingredientes, o resultado final agradável demais para se preocupar com isso.