Em parceria com o Nautilus, canal do YouTube sobre jogos, o Cine Grandiose apresenta uma postagem diferente: ela estará em vídeo e texto. O vídeo contará com imagens e clipes para ilustrar melhor o assunto, já o texto trará o mesmo conteúdo de forma um pouco mais detalhada. Os vídeos sairão de tempos em tempos e o post será atualizado conforme cada um for lançado.
Definir “cultura pop” é o tipo de coisa que muitos não fazem por achar que é uma tarefa insensata. Pode ser que eles tenham razão, pois hoje em dia não há como estabelecer limites entre o que é cultura popular e o que é culto. Quentin Tarantino, por exemplo, tornou-se muito popular por usar todos os tipos de mídia para fazer seu trabalho, pegando um gênero clássico como o Faroeste e colocando elementos da cultura popular como gírias e músicas recentes. No entanto, seus filmes são considerados cultos. Isso que, neste caso, falo apenas sobre cinema e música, séries de televisão, artes plásticas e até video-games também têm sua fatia de influência no trabalho do diretor.
Este artigo procura explorar essa cultura, seja ela pop ou cult, e levantar ligações fortes entre mídias populares: os video-games, o cinema e a televisão. Não só literalmente, pois muitos consoles servem como plataformas multimídia — você pode jogar e acompanhar filmes e séries no mesmo lugar — mas também na maneira como um influencia o outro artisticamente. Aqui estão listados alguns jogos que tomaram filmes ou seriados de televisão como inspiração; estando excluídos jogos licenciados — como “Scarface: The World Is Yours” e “LEGO MARVEL Super Heroes” — e filmes de jogos — como “Prince of Persia” e “Warcraft“.
1. O Legado de George A. Romero nos Games
George A. Romero é o homem por trás do zumbi moderno. O monstro já existia muito antes — com antecedentes em Mary Shelley e H.P. Lovecraft — mas foi com Romero que o zumbi entrou para a cultura moderna. Com “Night of the Living Dead”, o diretor tirou a criatura da fantasia e a colocou mais num ambiente mais próximo da realidade, chegando a inserir uma pitada de crítica social no pacote. Sua série principal — popularmente chamada “dos Mortos” ou “of the Dead” — conta com seis filmes: “Night of the Living Dead”, “Dawn of the Dead“, “Day of the Dead“, “Land of the Dead”, “Diary of the Dead” e “Survival of the Dead“. Além destes, também foram lançados remakes e continuações não oficiais da série original.
A popularidade acabou levando o zumbi a novas mídias, como a televisão e os video-games; como por exemplo “Left 4 Dead”, série de tiro em primeira pessoa criada pela Valve Corporation — também responsável por “Half-Life”. O primeiro da série, intitulado “Left 4 Dead”, foi lançado em 2008 e foi seguido de uma continuação em 2009, chamada “Left 4 Dead 2”. Ambos focam no gameplay cooperativo, no qual quatro personagens trabalham juntos para sobreviver a uma pandemia que transformou boa parte da população em zumbis.
Inicialmente, comparar o jogo cooperativo da Valve com o universo de George A. Romero pode parecer estranho. Os zumbis correm e não agem como gente morta, muito diferente das lentas criaturas vistas nos filmes dele. Por conta disso a comparação feita aqui não se apoia apenas nas obras do diretor, mas também aos remakes de seus próprios trabalhos, uma vez que não há como colocar todo o legado do cineasta. Caso contrário todos os jogos com zumbis teriam de ser mencionados.
Mais parecido com os trabalhos do diretor temos o “The Walking Dead” da Telltale Games. Os jogos dessa série se passam no mesmo universo dos quadrinhos de Robert Kirkman e Tony Moore, que também foram adaptados numa série de TV homônima. O sucesso foi absoluto, mas nem isso evitou que criticassem o jogo por ele ser uma dita HQ Interativa. Cada jogo — ou temporada, como são chamados — é dividido em 5 episódios e coloca o jogador nos sapatos de um sobrevivente do apocalipse zumbi. Comparado com outros jogos tradicionais, ele realmente apresenta um gameplay limitado: o jogador pode andar com seu personagem, interagir com o cenário e conversar com outros sobreviventes; enquanto toda a ação é limitada a “quick time events”, uma mecânica em que o jogador precisa reagir aos comandos exibidos na tela. Isso significa que a base está na narrativa e no diálogo, especialmente na interação entre personagens. É neste ponto em que a visão de Romero se concretiza. O tempo todo os humanos vivem sob pressão, temendo a ameaça dos zumbis, mas não é a integridade física que importa, e sim o emocional tenso resultante. Junte várias pessoas no limite da razão e veja quantos tipos de conflito acontecem. É tanta informação que, eventualmente, alguém desliza e esquece que uma horda de zumbis lentos e burros está na espreita. Até mesmo a causa do pandemônio é omitida propositalmente. Nem no universo de Romero, nem em “The Walking Dead” chegam a explicar o que causou aquilo tudo. Os sobreviventes serem deixados no escuro é apenas outra razão entre várias para complicar suas vidas.
Por outro lado, o “Dawn of the Dead” de Zack Snyder — remake do original de 1978 — segue mais a linha de “Left 4 Dead”, como é apontado pelo próprio Romero numa entrevista. Ele diz também que em seu universo, a lógica não é reagir rápido para sobreviver. Lá os humanos se perdem tanto em suas ambições que cometem erros e sucumbem à estupidez dos mortos-vivos. Para ele, os vilões de verdade são os humanos. Neste longa, algumas mudanças críticas desta visão podem ser notadas: além dos zumbis serem ágeis e até inteligentes, o foco está mais na ação do que nos dilemas morais. A ação frenética é o que importa, fazendo reflexos rápidos serem cruciais para a sobrevivência. Não há tempo para brigar entre si, a ameaça é bem clara quando hordas de zumbis — chamados de infectados — enfrentam sobreviventes bem armados. Além disso, a fase “Dead Center” de “Left 4 Dead 2” é referência inegável ao cenário de ambos os “Dawn of the Dead”. Nela, o jogador explora várias partes de um shopping center abandonado, passando por corredores cheios de zumbis e até chegando a visitar lugares parecidos com os do filme. É praticamente o mesmo conceito de “Dead Rising”, jogo que se passa num grande shopping e dá oportunidade do jogador usar quase qualquer coisa para matar os zumbis, sempre guardando espaço para o humor no meio da violência.
Mas se os infectados normais estão mais para o Remake, os infectados incomuns podem ser ligados aos “zumbis-adaptativos” dos filmes de Romero: mortos-vivos que conservam algumas características ou habilidades de quando eram vivos. No jogo isso acontece de forma um pouco diferente: os zumbis ainda são ágeis, mas mantêm roupas ou equipamentos de quando eram vivos, detalhes que mudam um pouco o gameplay. Na prática, o jogador enfrenta infectados policiais, que são à prova de balas, infectados com roupas hazmat, à prova de fogo, e até infectados vestidos de palhaço, que lideram pequenas hordas com o barulho de seus sapatos. Há ainda uma infinidade de ligações menores em pichações de parede, marcas de cigarro e outras coisas, mas há tanto material sobre zumbis que é complicado citar numa tacada só.