2. Os Anos 80 em Far Cry 3: Blood Dragon
Numa terra devastada pela guerra nuclear, Rex Power Colt é enviado para investigar os sinistros planos do Coronel Sloan, seu ex-comandante, e deve entregar corpo e alma para defender a honra da águia da liberdade. Familiar? A trama de “ Far Cry 3 Blood Dragon” é o resultado de centenas de filmes dos Anos 80 processados em forma de jogo, uma carta de amor a uma década cheia de pérolas. Rex é um Cyber Commando, um tipo de super soldado cheio de músculos, implantes cibernéticos, membros robóticos e o mais importante: muita testosterona. Ele pode correr mais rápido que um humano normal, pular mais longe, levantar mais peso e sofrer mais danos. Um verdadeiro patriota. A própria Ubisoft falou que: “Blood Dragon” é uma visão Anos 80 do futuro em VHS, em que o jogador deve pegar a garota, matar os bandidos e salvar o mundo. A missão e o protagonista já dizem o bastante, mas o jogo faz questão de reforçar sua fidelidade a essa época em qualquer oportunidade; seja na atmosfera, nos inimigos, no visual ou até mesmo na descrição das armas.
A pistola de Rex tem um design familiar e não é mera coincidência: ela é quase igual da arma do RoboCop original. Três tiros são disparados por vez, seu nome AJM 9 se refere a Alex J. Murphy — o nome real de RoboCop — e sua descrição diz que ela é homenagem a um policial que morreu combatendo os bandidos das mega-periferias de Detroit. Se isso não for o bastante, o protagonista é descrito como: “Part Man, Part Machine, but all Cyber Commando”.
E aquela arma que não tem design moderno, a Galleria 1991? Há uma razão. A espingarda é exatamente aquela do T-800 em “Terminator 2: Judgement Day“, usada pela pela primeira vez no Shopping Galleria no filme lançado em 1991. Sim, neste caso a referência é para um filme dos anos 90, mas vale lembrar que a série começou em 1984. Além disso, o protagonista Rex “Power” Colt é dublado por ninguém menos que Michael Biehn, o ator que interpretou Kyle Reese no primeiro “Terminator”, e seu rosto metálico lembra muito o rosto do T-800 danificado, com o olho vermelho e tudo. Este clássico é retomado novamente quando seu tema de perseguição é revivido em toda sua glória synthwave pelo Power Glove, o grupo que compôs a trilha sonora. Na verdade, a banda faz um tremendo trabalho na trilha sonora inteira, trazendo de volta aquela atmosfera característica de sintetizadores e batidas agitadas, que ainda guarda espaço para baladas melosas quando o protagonista mostra seu lado macho para a mocinha. Mas não só de músicas originais “Far Cry 3: Blood Dragon” é feito. Logo no começo o protagonista se encontra num helicóptero ao som de nada menos que “Long Tall Sally”, de Little Richard, tal como em “Predator” de 1987. Há apenas um pequeno detalhe: no lugar da seriedade do helicóptero escuro o jogo entrega uma turreta e centenas de explosões gratuitas para mostrar imediatamente que fala sério. Ou, ao menos, tão sério quanto os Anos 80 permitem.
Aproveitando essa mesma seriedade, outra série famosa que se inspira muito nessa década é “Just Cause” .Embora tenha sua cota de referências, sua pegada de filmes de ação é um pouco mais séria, se posso dizer, usando inúmeros clichês de gênero para criar uma experiência única. Todos aqueles saltos improváveis, acrobacias fantásticas e manobras com veículos dos filmes de James Bond marcam presença. Enquanto “Blood Dragon” é uma sátira completa, “Just Cause” trabalha com a física absurda e as explosões exageradas como se o jogo fosse produto daquela época, sem rir de si mesmo.
Em “Blood Dragon”, até os video-games antigos recebem homenagem. Todas as cutscenes são estilizadas como se tivessem sido lançadas para o Nintendinho, mostrando vídeos em 8-bit animados cruamente numa pequena janela centralizada. Em uma dessas cenas, outro momento de “Predator” é revivido: o aperto de mão lendário entre Carl Weathers e Arnold Schwarzenegger, dessa vez entre Rex Colt e seu parceiro T.T. “Spider” Brown. Em outra cena logo no começo o pesadelo de Sarah Connor em “Terminator 2” é relembrado, com a bomba nuclear explodindo e as pessoas virando esqueletos. Nessa bagunça, nem mesmo as Tartarugas Ninja se salvam. Em uma missão secundária, o jogador deve investigar uma praga de tartarugas num esgoto. Chegando lá, várias caixas de pizza estão espalhadas e quatro tartarugas não mutantes estão esperando. Infelizmente, como quase todo animal aqui, elas devem ser mortas sem dó para a missão ser completa.
Nada escapa do filtro oitentista que “Blood Dragon” busca aplicar; nem os visuais, nem os diálogos. A trama se passa numa ilha habitada por dragões brilhantes que soltam rajadas laser e cujo sangue o vilão pretende usar para dominar o mundo. O céu da ilha é de um vermelho intenso e uma névoa eterna permeia o ar, reflexos de anos de guerra nuclear e sofrimento. Se o jogo possui alguma seriedade, é neste ponto que ela acaba, pois o resto do design tem tanto neon e retrofuturismo que é como uma mistura de “Star Wars” com “Tron”. De um, as construções futuristas feitas com materiais rústicos; de outro a decoração com cores brilhantes. O sangue dos inimigos brilha — novamente como o Predador — e seus corações são como aqueles abajures retrô de lava e quase todos os animais têm detalhes brilhantes, seja um olho ou um chifre. De tudo isso, destaque vai para as flechas, que são a encarnação do neon em forma de arma.
Não preciso dizer que todo e qualquer clichê daquela época está presente aqui: o protagonista musculoso com partes robóticas, a mocinha que se apaixona por ele, a ação impossível em todo o lugar… porém acho que uma fala resume bem a idéia principal. Rex Colt recusa uma injeção que o tornaria tão poderoso quanto seu inimigo, justificando que fez uma promessa para uma mulher especial. Espantada, a mocinha pergunta se esta dama é sua esposa e ele responde: “No. Lady Liberty. She taught me that winners… don’t use drugs”.