4. Until Dawn e o Terror Slasher
Seguindo a tendência de criar experiências cinematográficas nos video-games, “Until Dawn” pode muito bem ser confundido com um jogo da Quantic Dream — empresa que fez jogos nessa linha, como “Heavy Rain” e “Beyond: Two Souls” — mas não é. A produtora é a Supermassive Games, subsidiária da Sony Computer Entertainment (SCEI) e também responsável pela remasterização de “Killzone” para Playstation 3. De qualquer forma, é impossível dizer que “Until Dawn” não se aproxima do gameplay e de diversas mecânicas dos jogos da Quantic Dream, há semelhanças demais para isso. A única ação de verdade, além de andar e interagir com objetos, acontece por meio de Quick Time Events e Decisões do Jogador, que alteram o rumo da história.
A história contada é a de sete jovens amigos, que se reúnem numa casa nas montanhas todo inverno. No entanto, uma pegadinha resulta em tragédia quando duas garotas desaparecem nas montanhas sem dar sinal de vida após muitas buscas. No ano seguinte, o grupo decide não abandonar o costume e voltam a se reunir, dessa vez em memória das falecidas. Mas eventos estranhos sugerem que sua estadia não será exatamente tranquila.
Se parecer familiar, é porque esta é a mesma trama de inúmeros filmes de terror Slasher, sub-gênero do Terror que começou nos Anos 70 e estourou mesmo nos Anos 80. Dentre filmes populares desse período, pode-se citar: “O Massacre da Serra Elétrica” em 1974, “Halloween” em 1978″, “Sexta-Feira 13” em 1980 e “Pânico” em 1996. Várias características dele podem ser vistas claramente aqui. O antagonista é um assassino em série que sofreu algum trauma grave em seu passado, normalmente ligado a um lugar específico. Sem saber, jovens que tiram um tempo para beber, transar, ouvir música alta e fazer zona visitam o tal lugar e trazem o assassino de volta à ativa. Um a um, eles são mortos até que só um deles sobra, normalmente uma mulher. A série Sexta-Feira 13 representa perfeitamente essas idéias: no primeiro, a mãe de um garoto que se afogou num acampamento assassina as pessoas que tentam reabrir o lugar; depois, Jason ataca as pessoas da região depois de ver sua própria mãe ser decapitada pela garota que sobrou. Isso inicialmente, pelo menos. Depois da Parte 3, os filmes tornaram-se banhos de sangue ocasionais sem muito motivo por trás da matança.
É pensando justamente nisso que “Until Dawn” foi feito. Ele se baseia em vários filmes populares de Terror para entregar uma experiência diferente, uma vez que pouquíssimas franquias de Terror emplacaram algo bom nos games. Até recentemente, pois o lançamento de “Friday the 13th: The Game” foi recebido por elogios da crítica e dos fãs. “Until Dawn” se diferencia por não fazer tributo a uma série apenas, mas a um gênero inteiro. Sendo um jogo com foco narrativo, ele funciona mais ou menos como um filme de terror interativo, tornado mais complexo por ser possível controlar personagens diferentes e fazer escolhas. Ao contrário do cinema, os personagens atacados não precisam morrer, este detalhe é influenciado pelas decisões do jogador.
Vendo por cima, a semelhança é clara: “Until Dawn” é um filme de terror em forma de jogo. Mas analisando mais a fundo, notam-se várias influências mais diretas. O cenário é uma delas, dessa vez usando uma cabana ou construção isolada no meio do nada. Escolhida pelos personagens como o lugar para se divertir, ela logo vira um lugar perfeito para limitar as opções de fuga. Em “Evil Dead”, Ash Williams e quatro amigos se reúnem para passar as férias numa cabana na floresta, até que um livro bizarro liberta demônios chamados Deadites. Já “Cabin in the Woods” satiriza o gênero ao adicionar uma grande virada sobre essa mesma idéia, além do fato de serem 5 amigos também. Até “Sexta-Feira 13” se assemelha por ser um acampamento mais ou menos isolado da civilização, o qual contém várias cabanas em sua estrutura.
O clássico “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, combina a localização isolada numa montanha com um adicional: tanto a casa do jogo quanto o hotel do filme estão construídos sobre um antigo cemitério indígena, que traz um toque sobrenatural à trama. Similar também ao próprio “Cemitério Maldito”, que também envolve um cemitério do tipo próximo da casa dos personagens. Além do mais, uma frase de Jack Torrance, protagonista de “The Shining”, pode ser ouvida logo no começo de “Until Dawn”, quando um personagem procura por sua namorada e a chama de “light of my life”. Mas referenciar tudo isso e esquecer a cena mais memorável do longa seria um crime. O machado na porta está aqui, ainda que sem o clássico: “HERE’S JOHNNY!”.
Como dito, duas personagens morrem logo no início. Só há um porém: o jogador começa controlando uma delas, dando a entender que ela seria importante ou até a clássica garota final do gênero. Em um momento, ela é uma das protagonistas, no outro ela vira paçoca na neve. Algo similar ocorre em um filme considerado precursor do Slasher, uma das maiores influências: “Psicose” de Alfred Hitchcock. Na trama deste, o espectador acompanha uma moça que rouba milhares de dólares de seu patrão e foge para um hotel de beira de estrada, onde ela é esfaqueada pelo assassino na eterna cena do chuveiro.E assim o filme perde sua protagonista com metade da obra pela frente. Para quem viu o longa sem conhecer a cena — algo impossível hoje, graças à música de Bernard Herrmann e à internet — aquilo foi um choque, pois mataram o protagonista, um dos elementos centrais da maioria dos filmes, no meio do caminho.
Até os troféus dão um jeito de fazer referência, pois muitos são trocadilhos com o nome de alguma obra famosa. Entre eles: “The Psycho Path”, resgatando “Psycho” novamente; “The Quicker Man”, fazendo referência a “The Wicker Man”, de 1973; e “Scream Too!”, uma jogada com o nome “Scream 2”.
Quem jogou “Until Dawn” até o final sabe que existem várias outras referências ao longo da história, não só a clássicos como a filmes mais recentes. Infelizmente, várias delas foram omitidas para não dar spoilers a quem não jogou. Pode não ser o único ou o melhor em sua proposta, mas sendo uma grande produção, “Until Dawn” é extremamente valioso por mostrar que ainda há gente que se importa com o Slasher. Mesmo que no cinema a empolgação tenha passado, é bom reencontrar o gênero representado com tanta dedicação nos videogames.