A série “Missão: Impossível” viveu por um tempo de altos, baixos e uma reputação morna no geral. Depois de um primeiro filme que se tornou um clássico instantâneo dos gênero Ação por vários motivos, seja por uma cena específica ou a música tema, houve um segundo que falhou feio na tentativa de manter o nível de antes e um terceiro que, no geral, não é muito marcante. As coisas começaram a mudar no quarto filme, “Ghost Protocol“, que mesmo não sendo incrível já faz muito para repaginar a série e abrir caminho para a sequência de grandes obras que começa com “Rogue Nation” e atinge seu ápice em “Fallout“. A conclusão da série vem agora em duas partes, ambas dirigidas pelo diretor dos dois predecessores, Christopher McQuarrie, começando com o muito satisfatório “Dead Reckoning Part One”.
Uma arma nova está solta pelo mundo. Ela é conhecida apenas como “A Entidade” e até agora apenas demonstrou seu poder sem tomar lados, sem causar danos a ninguém e sem um propósito. Mas essa Entidade possui seus próprios objetivos e não é tão passiva quanto pode-se ter acreditar. Todas as nações sabem de seu potencial: quem dominar tal arma, dominará o mundo inteiro automaticamente. Não demora para começar uma corrida pela ferramenta necessária para subjugar a Entidade e a IMF logo se envolve também, com Ethan Hunt (Tom Cruise) indo contra ordens para evitar que qualquer homem tenha tanto poder em suas mãos.
“Mission: Impossible – Fallout” foi uma grande surpresa. Na verdade, não só por ser apenas um bom filme, já que o anterior havia sido um tanto melhor que seu predecessor, foi mais o fato de elevarem ainda mais o nível e entregarem o que para mim foi o melhor filme do ano. Parecia um bom ponto para encerrar a série em alta e aposentar Ethan Hunt. Então foi anunciado que haveriam mais dois filmes ainda e confesso que não fiquei muito animado. Pareceu que queriam estender o sucesso não só mais uma vez, mas duas vezes para tirar todo o dinheiro possível da série. Então em algum ponto do caminho foi dito que seriam duas partes de uma mesma história e ao menos um quê de curiosidade surgiu pelo que poderia vir. Talvez um último pique com mais ambição do que nunca. Por que não encerrar com o maior orçamento de toda a série e um dos maiores da história do cinema?
Ao mesmo tempo que é uma surpresa ver uma sétima produção ter tanto sucesso quanto esta, não é tanta surpresa quando se leva em conta que é a mesma equipe criativa desde o quinto filme ou, pelo menos, Christopher McQuarrie continua no centro de tudo como diretor e roteirista. De qualquer forma, o frescor se mantém assim como a competência na execução deixa “Dead Reckoning Part One” numa posição difícil de criticar. Não se pode dizer que a obra é previsível e que está começando a entregar mais do mesmo. Talvez o intervalo de anos entre produções ajude nisso, embora eu aposte que tudo ser tão bem realizado tem muito mais peso nessa questão. Nada como uma combinação de roteiro e direção para transformar até a mais simples premissa numa experiência empolgante.
Por exemplo, “Dead Reckoning Part One” aposta numa premissa envolvendo assuntos modernos e presentes no cotidiano em vez de partir para os assuntos extraordinários e inacessíveis que costumam ser vistos no gênero Ação. Tudo bem, ainda é uma obra de gênero em todos os sentidos, mas apostar em algo mais acessível do que algum grupo terrorista megalomaníaco tentando dominar ou destruir o mundo. Quando o assunto parte para tecnologia e Inteligência Artificial, o espectador pode se sentir tanto familiar com o assunto por já ter visto outras vezes em outros filmes, seja a Skynet de “The Terminator” ou o HAL 9000 de “2001: A Space Odyssey“, como por essa ser uma discussão diária agora que o Chat GPT está em alta e as pessoas estão deslumbradas com toda e qualquer coisa gerada por IA, de fotos da sua avó vestindo a roupa do Rambo até uma foto mostrando como seriam seus filhos. Tirando uma idéia brega para ilustrar o que essencialmente é um inimigo invísivel — um rugido que a IA dá quando aparece — o conceito de uma entidade digital ser o vilão, parte do objetivo e um McGuffin ao mesmo é um ponto forte do roteiro, que consegue pelo menos aqui evitar o conflito bilateral padrão. Há muita gente lutando pela mesma coisa e nem todos são necessariamente inimigos um do outro.
A outra parte da combinação infalível é chover no molhado. Acho que por pouco, mas pouco mesmo, diria que as sequências em “Fallout” eram mais excitantes e melhor dispostas. Aqui há uma quantidade maior delas, por conta dos quarenta minutos de duração a mais, e não necessariamente uma ambição comparável. Ao menos em “Dead Reckoning Part One”, sinto que tentou-se manter os pés no chão nas sequências de ação, talvez para não queimar pauta e deixar o extraordinário para a segunda parte. Mesmo assim, o que se vê aqui não decepciona e até há o que eu prefiro acreditar que seja uma homenagem a “GoldenEye“. Não porque todo filme faz sempre referência a algum outro, mas porque as cenas são praticamente iguais e talvez até melhor aqui do na já competente original.
Mas talvez a melhor adição aqui sejam os personagens novos, em especial a personagem de Hayley Atwell, que por um momento até parece ser uma coadjuvante de função pontual e que logo morreria ou sumiria, mas logo se mantém presente como uma pedra do sapato que se recusa a sair. E isso não é ruim! Seu carisma inicial nunca se perde e a aura que passa a orbitar a personagem transmite um sentimento de curiosidade numa dinâmica de sentir raiva de gostar da personagem, uma brincadeira de gato e rato que cria um problema novo para todos os envolvidos quanto mais tempo ela fica em cena. Poderia ser irritante se não fosse tão bom para a progressão da obra. “Dead Reckoning Part One” mal faz sentir as quase 3 horas de duração.
Depois de assistir a uma sessão de “Spider-Man: Across the Spiderverse” e me frustrar um pouco com o fato do filme acabar na metade, mas não tanto a ponto de sentir que a narrativa sofre muito com isso e acaba por fazer a obra parecer incompleta, posso dizer que “Dead Reckoning Part One” me dá uma impressão parecida. Não vou ser dramático e dizer que voltou a moda de dividir tudo em duas partes sem motivo, como aconteceu para efeito bem negativo em alguns casos. Assim como “Avengers: Infinity War e “Avengers: Endgame” ou “Dune“, a divisão é bem pensada e parece haver algum tipo de arco narrativo que começa e se desenvolve até chegar em algum tipo de conclusão, nem que seja uma meia conclusão com uma cara de que vem mais por aí. Por si, essa já é uma experiência muito melhor que a grande maioria do que está no circuito comercial. Com tantas possibilidades das coisas darem erradas em um sétimo filme, é quase surreal que essa série — e Tom Cruise — ainda tenham tanto fôlego.