“2001” é superestimado. Não significa que ele é ruim ou qualquer coisa parecida, apenas um clássico caso de endeusamento. Há tanta gente que o intitula obra prima do cinema e filme intelectual que não duvido que muitos nem arrisquem discordar. Dizer qualquer coisa contra seria bater de frente com Stanley Kubrick, uma legião de fãs e um legado bem estabelecido. Entretanto, se eu não posso — ou quero — questionar importância, não tenho impedimento algum para expressar opinião. É um filme relevante e revolucionário? Sim. É um apanhado de perfeccionismo e perfeição visual, narrativa e semântica? Com certeza não.
A existência humana, supostamente livre de qualquer interferência externa, encontra-se na presença de artefatos bizarros. Não se sabe de onde eles surgiram, quem os construiu ou os colocou ali, eles apenas estão onde estão sem deixar suas intenções expostas. Quando uma delas é encontrada numa cratera lunar e estudada em segredo, uma excursão é lançada espaço afora em busca de informações. Dave Bowman (Keir Dullea), Frank Poole (Gary Lockwood) e um computador ultra-inteligente, HAL 9000, são a tripulação desta missão com resultados imprevisíveis.
“2001” pode ter seus problemas, mas não é como se eles fossem maioria ou os agentes do fracasso absoluto. As qualidades e acertos são notáveis. Não é preciso quebrar a cabeça e assistir três vezes para entender o porquê tanta gente admira a obra. Basta olhar para a representação impecável de estações e naves, a fidelidade à mortalmente silenciosa atmosfera espacial ou a presença da tecnologia no cotidiano dos personagens. É um escopo e tanto para 1968, maior ainda quando o enredo é considerado. A trama começa numa Terra cheia de primatas e termina num futuro que 2017 ainda não alcançou. Dá para dizer que ambição é um fator importante aqui, algo que certamente influenciou o impacto da obra em seu tempo.
A estética é o aspecto intocável deste longa, se houver um. Ela combina a sensibilidade fotográfica de Kubrick e um design de produção incrível numa relação em que os dois lados têm suas qualidades amplificadas. Um olhar para as paredes brancas e o piso impecavelmente encerado, ou para a precisão dos movimentos de quem navega pela nave, e as lembranças começam a fluir. Tal identidade visual não passa longe de “Alien”, “Prometheus” e “Moon“, por exemplo. “2001” definiu um modelo de referência para o Sci-Fi ainda seguido décadas depois de seu lançamento.
Os olhos e a competência de alguém sobre um material com margem de sobra para ser aproveitado. Ambição encontrando talento. Ao menos em visual e conceito, não arrisco criticar “2001”. As imagens possuem um aspecto limpo sem cair na carência de detalhes. Estiloso em todos os sentidos. Um corredor em preto e branco é capturado enquanto uma garçonete lentamente caminha pelo chão e depois pela parede em direção a uma porta no teto. Por mais que gravidade alterada seja uma idéia comum atualmente, ela não perde força aqui porque é tratada com respeito, se posso dizer. As regras do ambiente e a fidelidade dos personagens à história que eles interpretam são impressionantes. Mesmo os coadjuvantes de uma cena só estão investidos em sua proposta de tornar aquele ambiente vivo, real e poderoso. Dessa forma, fica fácil entrar na experiência e encarar tal viagem espacial com a seriedade que ela exige.
Mas enxergar o filme pelo que ele quer ser, embora uma conquista, apenas evita que ele seja pretensioso. Funciona para mergulhar o espectador no universo e fortalecer a história, uma vez que este está ligado a ambos. O impacto da morte de um personagem pode facilmente se perder se ninguém ligar para ele, tomando um exemplo. Felizmente, “2001” consegue criar uma aura magnética envolta de sua história.
Quem assiste é colocado praticamente dentro da tal odisséia no espaço, mas para onde ela vai? É difícil dizer com exatidão, pois “2001” é um dos filmes mais enigmáticos de todos os tempos. Há certa concordância sobre quais teorias são mais aceitas, claro, porém nada definitivo. Minha crítica não cai sobre o mistério e a flexibilidade para interpretações, essas são partes boas. Um problema muito maior é não achar que a história funciona tão bem para além da imersão inicial. Como espectador, fiquei interessado no começo para me decepcionar depois.
Em outras palavras, existem trechos incríveis e cativantes seguidos de outros insuportavelmente enfadonhas; sequências que aliam visual, atuações e trama dividindo espaço com psicodelia audiovisual desnecessária. Progressões no enredo são desacompanhadas de variações no ritmo eternamente devagar. Algo relevante acontecia e a lentidão permanecia. Esta raramente funciona e apenas porque o roteiro pôde se beneficiar da pouca pressa. O conflito, por exemplo, fica ainda mais potente quando abre-se mão de querer resolvê-lo rápido. Já o resto do filme sofre por não ter conflito ou outro substituto para manter o interesse renovado. Nem todos os segmentos da história possuem o mesmo apelo e, consequentemente, o ritmo vagaroso torna-se um ponto negativo. Alguns momentos são incríveis, outros nem tanto. Fica fácil apontar o dedo para os piores quando a diferença entre estes e os melhores é tão explícita.
Pode ser uma questão completamente minha, mas acho que não ajo gratuitamente: acabo dormindo toda vez que tento assistir “2001”. Achei que havia dormido na primeira vez por assistir deitado em casa ou por estar cansado. Bem, o sono veio apesar de caixas de som surround na parede, de uma tela gigante e do fato de eu estar numa sala de cinema lotada. Não dá para usar como uma crítica objetiva, é muito individual para isso. Posso apenas dizer o filme me perdeu como espectador algumas vezes. Momentos de excelência inegável são seguidos ou precedidos de outros muito piores em comparação. Abala “2001” o bastante para matar qualquer sugestão de obra-prima, ainda que nunca chegue a ser ruim como pode-se pensar.