Meu primeiro pensamento ao ver um filme americano e de assunto menos típico de festivais e de produções independentes, arthouse ou seja lá como se preferir chamar, foi de que talvez fosse uma escolha refrescante. Cada pessoa teve uma experiência diferente, mas no geral foi um Olhar de Cinema com uma programação de obras do mesmo diretor na Retrospectiva, de clássicos, de documentários, de produções pequenas e independentes, de produções locais e de curtas. “Perpetrator” se apresentava como algo longe do documentário romeno sobre povos nômades do Século 20, estava mais para algo que poderia ser visto numa sala de cinema, uma história bem mais comercial do que a maioria esmagadora do resto da programação. Parecia diferente, parecia uma boa idéia.
A história acompanha uma adolescente chamada Jonny Baptiste (Kiah McKirnan) e suas dificuldades diárias em casa e no dia-a-dia. Sem saber como lidar com a garota mais, seu pai a envia para morar com a tia-avó Hilde (Alicia Silverstone) para que ela comece uma vida nova numa escola nova e aprenda um pouco mais sobre algumas coisas estranhas que sente. Ela descobre que sua família faz parte de um tipo de movimento com poderes sobrenaturais que ela não entende ainda. Mal Jonny descobre que meninas têm sido sequestradas em sua nova cidade, e ela já se vê arrastada diretamente ao mistério.
É difícil até começar a falar sobre “Perpetrator” porque até então todas as minhas conversas sobre ele foram quase um fluxo de consciência em que cada pessoa lembra aleatoriamente de alguma parte horrível e esse se torna o assunto até que um novo aspecto tome a frente e fique ali até algum outro pegar seu lugar. Das poucas que conheço que assistiram, as mais entusiastas em dar opinião foram as que mais detestaram a experiência e não conseguiram ficar sem comentar algo sobre quão ruim foi ver um encerramento de festival como esse. Para não dizer que não faz sentido nenhum, espero que a curadoria tenha seus motivos para sua escolha, porque como espectador só tive alguns momentos de expectativa feliz por achar que um filme mais comercial, mais de gênero e de linguagem mais convencional poderia ser refrescante num festival dominado por produções independentes. Quando coloquei isso à prova, a impressão mudou bem rápido.
A idéia básica de “Perpetrator” como um filme relativamente de gênero, é introduzir a personagem em um contexto sobrenatural que ela ainda não entende, mas que aparentemente vai fazer parte de sua vida sem que ela saiba o que esperar. E muito menos o espectador que não entende o que pode vir pela frente porque a série de regras do universo criado pela obra é confuso, no mínimo, e demora para fazer algum sentido para além dos efeitos especiais horrendos usados para ilustrar o momento quando os poderes são usados. E por um longo momento fica a dúvida no ar do que diabos está acontecendo e não num bom sentido. Não é como se houvesse um mistério que instiga a audiência a tentar entender como tudo funciona e continuar assistindo para descobrir, mas um que é tão mal apresentado que só desperta a dúvida sobre a decisão de estar naquela sessão.
Por exemplo, uma das tentativas de tentar alimentar o mistério se dá por meio da personagem de Alicia Silverstone, que num olhar superficial pode ser um atrativo para um elenco sem grandes nomes. Ela tenta transmitir um ar de experiência, de alguém que guarda segredos e domina quaisquer artes secretas que a protagonista vai acabar encontrando. É como uma mestra que tem todas as respostas na palma de sua mão e não se abala pelos problemas e chiliques de sua jovem pupila que passa por todo tipo de dificuldade em sua vida social dentro de um novo colégio, em sua vida pessoal por conta dos traumas que passou na sua criação e até pelos processos bizarros que enfrenta sem saber o que é. Poderia ser um bom resultado misturar essas diferentes esferas da vida da protagonista e juntar com uma trama de suspense sobrenatural com um quê de crítica social. “Perpetrator” não entrega.
E nem Alicia Silverstone. Ou a maior parte do elenco. Personagens mal concebidos resultam quase sempre em cenas embaraçosas de assistir e interações que não poderiam nem alegar que não se levam a sério para funcionar porque continuariam deprimentes de qualquer forma. A tentativa de Silverstone de parecer sábia e experiente se traduz com frases que nunca respondem diretamente o que a outra pessoa pergunta e passam mais a impressão de incoerência oriunda de demência do que de mistério criado propositalmente. A protagonista de Kiah McKirnan, por sua vez, parece perdida. Tanto que é até difícil querer culpá-la pela bagunça que é apresentada a ela e esperar que ela se sobressaia, mas permanece a impressão de que sua entrega num nível básico e essencial de performance é insuficiente. Em outras palavras, é mais uma atuação ruim que nasce morta já na escrita.
Quanto mais tempo passa, mais a situação piora. A dinâmica de investimento de tempo e recompensa é desbalanceada a ponto de se tornar risível bem cedo na trama, e piora muito quando “Perpetrator” introduz sua grande reviravolta que dá um novo significado a cenas passadas muito antes e que, sinceramente, consegue tirar todo o valor de momentos que já eram essencialmente rasos em termos de função narrativa. É tudo uma bagunça, sinceramente. Não era para ser um filme complexo a ponto de se perder em sua própria ambição. Mesmo assim, isso acontece tão frequentemente que chega a ser incômodo ver como um diálogo falha em agregar conteúdo, personalidade ou cumprir um objetivo básico. Nenhum deles parece ou soa como uma conversa, mesmo que uma troca rápida, sem contar que haver uma coleção de cenas de diálogos curtíssimos com lugares e personagens torna a progressão caótica. A total falta de continuidade de uma fala para a próxima passa apenas a impressão de que alguém não leu o roteiro ou que os atores erraram e muito na interpretação das falas. Alguma coisa dá terrivelmente errado para o senso de coesão ser universal ou minimamente presente para fazer o espectador ter certeza de que a execução é o problema.
E não há nenhum aspecto redentor. Não é como se o elenco inteiro fosse ruim, mas Alicia Silverstone trouxesse um respiro de tranquilidade em suas ocasionais cenas. Ou como se os efeitos especiais e a violência trouxessem um consolo básico do tipo “esse filme é ruim, mas teve boas mortes e ótimos efeitos de violência”. É difícil, nada se salva em “Perpetrator”, e o sentimento é um misto de indignação e dúvida se alguém de fato assistiu antes de escolher para a programação. Antes fosse um filme-arte que fracasse, mas ainda tenha algum valor na escolha de seus temas e algum tipo de inovação no desenvolvimento deles; uma obra com intenções e formato mais claramente direcionados ao mercado comercial falhar dessa forma é apenas… feio. Ainda mais por tentar abordar temas sociais e conseguir fazer mais um desserviço À causa do que qualquer outra coisa.