Nos últimos anos de existência da União Soviética, James Bond (Pierce Brosnan), o Agente 007, e Alec Trevelyan (Sean Bean), o Agente 006, são enviados numa missão de sabotagem a uma instalação soviética. No entanto, a missão dá errado e apenas o primeiro volta são e salvo. Anos depois, Bond investiga uma organização criminosa chamada Janus, que fornece armamentos para insurgentes políticos e que tomou posse de uma arma de poderio gigante: o satélite GoldenEye, cujas capacidades são desconhecidas, mas com a certeza de poderem abalar as estruturas do mundo significativamente. Mesmo sem o comunismo, a Rússia mostra que continua perigosa como sempre para 007.
É curioso que “GoldenEye” seja um filme tão bom. Depois de mais de 6 anos sem lançamentos, houve diversos boatos de que a série 007 finalmente encontraria seu fim, sentimento compartilhado pelo próprio Timothy Dalton, o ator da época. Aconteceu um clássico inferno de desenvolvimento, o qual costuma ser uma faca de dois gumes para o futuro de uma obra: algumas passam por problemas de orçamento e de elenco abandonando o projeto ou são completamente arruinadas ao longo de várias reescritas de roteiro deformando um conceito original; outras conseguem se manter firmes a despeito de todas as dificuldades e dão as caras quando apenas quando as circunstâncias se mostram favoráveis, sem se lançar numa versão meio acabada. Um exemplo recente do primeiro é “Solo“, o Star Wars de menor sucesso financeiro; ao passo que um exemplo bom do segundo caso se encontra em “Mad Max: Fury Road” e até mesmo nesta missão de James Bond, sua décima sétima.
O desenvolvimento de “GoldenEye” definitivamente foi uma situação preocupante. “Licence to Kill” tinha sido o lançamento de menor sucesso até o momento por várias razões, entre elas ser um filme mais obscuro e ter saído junto de “Máquina Mortífera 2”, “Batman” e “Indiana Jones e a Última Cruzada“. Para ajudar, uma batalha legal de quatro anos envolvendo os direitos da série terminou pouco antes do contrato de Timothy Dalton acabar, que era para ter feito três filmes e ficou só em dois. Então entra a figura de Pierce Brosnan, que era para ter sido Bond no lugar de Dalton em 1987 se não fosse seu contrato com a série de TV “Remington Steele”. Sem mais esse compromisso, Brosnan aceitou o papel e finalmente estreou como James Bond em 1995, 6 anos depois do lançamento anterior. Vendo dessa forma, parece que tudo deu mais ou menos certo depois de um pouco de dor de cabeça, mas vale dizer que foi um hiato de 6 anos em uma série cujo maior deles havia sido de 3 anos entre “The Man with the Golden Gun” e “The Spy Who Loved Me“. Houve um medo real de que tudo acabaria mal.
Felizmente, as coisas correram bem. Talvez muito melhor do que o público e os próprios produtores esperavam. Pierce Brosnan mostra ser um dos melhores atores a vestir o smoking de James Bond já em seu primeiro filme, misturando um pouco das qualidades de todos os outros em uma personalidade convincente. A princípio, “GoldenEye” foca mais no aspecto físico nas cenas de ação e na parte do charme do agente, ou seja, é mais centrado em colocar o agente em situações enérgicas não muito vistas antes e também em aproveitar o poder de sedução pelo qual Bond ficou famoso. Em comparação com inúmeras seqüências de ação das Eras Connery e Moore, pode-se notar uma melhora significativa das trocas de murros simples e até involuntariamente engraçadas dessa época para as brigas de “GoldenEye” e até mesmo do resto do filme, que tira maior proveito da capacidade física do ator em várias ocasiões.
Uma delas é a própria luta final contra o vilão, que envolve nada mais, nada menos do que uma perseguição até o topo de uma antena gigantesca seguida de uma clássica briga corpo a corpo. Prefiro não dar detalhes sobre o vilão para não estragar a revelação caso não se tenha assistido a “GoldenEye” ainda, portanto é melhor apenas denotar que suas habilidades rivalizam as do próprio 007 e rendem uma batalha e conseqüente conclusão memoráveis. Mais do que simplesmente ser capaz, o antagonista possui uma participação no roteiro que nem sempre é vista nos filmes da série, uma que lhe dá todas as características clássicas de megalomaníaco com uma arma gigante em mãos ao mesmo tempo que consegue fazer pontes orgânicas com a vida pessoal de James Bond e até mesmo com o plano de fundo da recente ruína da União Soviética, tema explorado desde a abertura animada por Daniel Kleinman.
Em 1995, já não existia mais a facilidade de colocar os Russos como inimigos porque sim, então fez-se necessária uma explicação um pouco mais complexa do que dizer que são inimigos da pátria. Isso e mais são refletidos diretamente no roteiro enxuto e bem concebido de “GoldenEye”, que não deixa de lado nem mesmo a Bondgirl, ocasionalmente tratada como um elemento pouco importante da trama. Por vezes, arranjam uma boa atriz interpretando uma personagem mal escrita ou o contrário, uma personagem potencialmente interessante interpretada por uma modelo de pouco talento dramático. No caso de Izabella Scorupco, é possível dizer que, apesar de seu esquisito sotaque russo, ela vai além de um mero par romântico para ser bem encaixada na história e ainda entregar uma atuação dificilmente reprovável.
Ademais, o elenco geral foi repaginado. Há uma nova Moneypenny com Samantha Bond e dois coadjuvantes interessantes na forma de Jack Wade, um tipo de Felix Leiter, e Valentin Zukovsky, o cômico contato russo interpretado por Robbie Coltrane. Judi Dench assume pela primeira vez o posto de M, trazendo sua personalidade forte como ferramenta de uma personagem que dá ordens e até guarda espaço para comentários ácidos sobre o próprio 007. Facilmente uma das melhores encarnações do patrão de James Bond junto com o clássico Bernard Lee.
O único problema com “GoldenEye” é a trilha sonora de Éric Serra. Normalmente um aspecto positivo por conta das composições incríveis de John Barry, a música se mostra apagada e pouco presente em inúmeras seqüências, como se tivesse sido esquecida e colocada de última hora com relaxo. Isso quando não erra completamente o clima de cena com temas que não fazem sentido algum, como o bizarro tema que toca durante a cena do Aston Martin DB5 e a música dos créditos, que mais parece introdução para filme pornô. Felizmente, os pontos fortes mostram presença e facilmente eclipsam este deslize. James Bond retorna triunfante após um longo hiato com um novo Bond e um roteiro competente combinando um vilão marcante, ótimas cenas de ação e uma das melhores Bondgirls de toda a série. Difícil dar mais certo que isso.