Já estou me repetindo. Ano passado reclamei do ano ter sido fraco em termos de filmes, sendo sem graça em sua maior parte até melhorar bastante com a temporada do Oscar. Ótimas obras como “La La Land” e “Manchester by the Sea” compensaram em boa parte vários meses carentes de empolgação tanto por parte dos blockbusters quanto por parte dos filmes mais sérios, usando um termo chulo. Só disse isso porque ainda não havia visto 2017, é claro.
Pelo menos os blockbusters foram um pouco melhores num geral. A Pixar inesperadamente tocou o coração da audiência com um filme ainda mais potente que os de sempre. “Coco” explorou o lado colorido da morte usando cultura mexicana como base para contrastar alguns momentos espetacularmente sentimentais, mais dramáticos que alegres. “Spider-Man: Homecoming” acertou depois de duas tentativas falhas de reviver o personagem e finalmente fez bem o que tantos queriam: incluíram um dos melhores heróis Marvel no MCU. “The LEGO Batman Movie” foi outra surpresa, especialmente por ser completamente ignorado no Oscar.
Por fim, aconteceu o de sempre: a temporada do Oscar trouxe alguns dos melhores filmes do ano. No entanto, parece que a safra deste ano conseguiu ser ainda mais fraca que as anteriores, talvez a mais fraca desde 2014. Fico aqui na esperança de não começar a lista do ano que vem dizendo que ele foi ainda mais decepcionante que 2017. Enquanto isso, estes são os destaques do ano.
10. I, Tonya (Eu, Tonya)
Dentre tantos filmes biográficos sobre gente que metade do público nunca ouvi falar, a história de uma bailarina olímpica com problemas pessoais certamente não foi atraente numa primeira vista. Em outras palavras, parecia ser Margot Robbie tentando a sorte com filmes bem quistos pelo Oscar, abrindo mão das produções comerciais e blockbusters para encarar um papel mais dramático. Deu certo, pois o filme rendeu uma indicação a Melhor Atriz para ela, além de outras para Melhor Atriz Coadjuvante para Allison Janney e Melhor Edição. Quanto ao filme em si, foi difícil não se impressionar com a quebra dos padrões já conhecidos com a paródia, por assim dizer, do formato de documentário. O filme foi baseado em horas de entrevistas gravadas anos antes, mas as deixa de lado para replicar seu conteúdo de um jeito diferente: quase sempre há um toque cômico no arranjo delas e às vezes até uma quebra de formato, quando os personagens falam com a tela ou entre si. Completando com uma trilha sonora dinâmica e enérgica, não há como colocar “I, Tonya” no mesmo pacote que o resto das biografias.
9. Mother! (Mãe!)
Com certeza o filme mais polêmico do ano, o “A Bruxa” de 2017. Não por abordar um assunto politicamente ou socialmente delicado e dar um ponto de vista que instiga discussão. Não, o grande chamariz de “mother!” é o fato dele deixar seus espectadores sem entender nada. Mas não seria isto o grande defeito de um filme que não consegue se comunicar adequadamente? Novamente, não. Ausência de explicação é diferente de ausência de informação e de margem para interpretação. Por mais que mil pessoas ou o próprio Darren Aronofsky dêem explicações para os eventos, a grande mágica aqui é a vastidão de interpretações usando as mesmas pistas, os mesmos personagens e as mesmas supostas evidências. Não é um filme perfeito ou algo do tipo, estando mais para um daqueles que são muito confusos, porém cativantes o bastante para que o espectador tente decifrá-lo. Se fosse um filme pior, tenho certeza que essa empolgação na busca por respostas estaria mais perto de desinteresse.
8. The LEGO Batman Movie (LEGO Batman: O Filme)
Mais uma surpresa. Meu maior medo em relação a este filme era não haver conteúdo o bastante acerca da versão de LEGO do Batman para render um longa-metragem inteiro. Pensando em video game, os três jogos do personagem foram bastante bem sucedidos em suas propostas de injetar humor nas aventuras já conhecidas do cavaleiro das trevas. Em contrapartida, imaginar uma contraparte cinematográfica foi mais difícil. Felizmente, o longa não mostrou medo ou falta de ambição na hora de reinventar o universo de Batman e trazer desde os vilões já conhecidos até aqueles que fizeram uma ou duas aparições durante os quadrinhos dos Anos 60. Mais do que isso, a maioria ganhou uma releitura que não deixa nenhuma margem para comparações com o que já foi visto. Definitivamente não há nada de Jack Nicholson e Heath Ledger no Coringa daqui, como poderia se esperar. Para quem busca um filme de animação original, engraçado e eficiente até nas piadas mais bobalhonas, “The LEGO Batman Movie” é algo a se considerar.
7. Spider-Man: Homecoming (Homem-Aranha: De Volta ao Lar)
Com exceção de “Vingadores: Guerra Infinita”, “Spider-Man: Homecoming” provavelmente é o filme com maior expectativa sobre si de todo o Universo Marvel. Depois uma trilogia marcante de Sam Raimi — ainda que o terceiro seja marcantemente fraco — houve uma nova tentativa de manter o personagem. Na verdade, era bem sabido que os filmes com Andrew Garfield foram feitos apenas para a licença do personagem não ser perdida. Quando a Marvel anunciou uma parceria com a Sony para incluir o personagem em seu universo, a situação ficou tão séria quanto possível. Por sorte, evitaram o erro básico de querer contar a origem do personagem pela terceira vez, decidindo confiar na memória do público e apenas construir em cima do que já se conhecia: aranha radioativa, morte do Tio Ben, adolescente super herói. Escolheu-se esta última parte como foco, um retrato do Homem-Aranha centrado no lado Peter Parker e como as duas identidades se chocam por conta da pessoa por trás do uniforme ser a mesma sempre. Problemas cotidianos e adolescentes entram no caminho da responsabilidade que ele tem como super-herói. Um retorno digno do amigão da vizinhança.
6. Phantom Thread (Trama Fantasma)
Como os americanos diriam, “Phantom Thread” é uma experiência “slow burn”. Vagarosa, devagar e sem pressa ou obrigação de entrar em moldes de estúdio que exigem mais exposição, mais ação, mais conflito etc. Paul Thomas Anderson escolhe a figura inicialmente pouco apelativa de um alfaiate para contar sua história, algo que se torna significativamente mais interessante com o nome de Daniel Day-Lewis envolvido. Sem pressão externa e atuações incríveis de todo o elenco em geral, incluindo a novata Vicky Krieps e Lesley Manville, a narrativa resultante é o produto de um esforço notavelmente colaborativo entre escrita, interpretação, direção e fotografia, todos centrados em dissecar o introvertido protagonista. “Phantom Thread” traz o exato oposto de exposição direto, escolhendo um sujeito fechado e ferramentas indiretas para revelar o que jaz por trás de uma personalidade inacessível, peculiar e genial. Por fim, esta obra mostra-se também um deleito para os olhos, composição, bom gosto e narrativa visual caminhando juntos.
5. Three Billboards Outside Ebbing, Missouri (Três Anúncios para um Crime)
De longe meu filme mais esperado da temporada. Controlando as expectativas para não quebrar a cara sem razão, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri” ganhou minha atenção por dois motivos: pela sequência de prêmios que ganhou e pelo trailer, que entre tantos outros exemplos ruins conseguiu instigar empolgação. Mas claro que não é mérito do trailer sozinho, pois o roteiro de Martin McDonagh faz muito pela personagem carismaticamente vingativa de Frances McDormand, colocando em sua boca as ofensas e as palavras afiadas que derrubam qualquer pessoa de seu pedestal. Faz sentido ela se sentir assim. Sua filha foi estuprada, morta e queimada por uma pessoa não identificada, caso que a polícia falhou em resolver depois de muito tempo em cima dele. Esta é uma história de ira e de luto, das mudanças causadas na pessoa e como certo e errado são puramente uma questão de perspectiva facilmente reversível. E nada de ponderações lentas com simbolismo visual sutil e música calma, a abordagem aqui é bem mais agressiva e engajante; sem trocar as verdades acerca de um sentimento por oportunidades de entretenimento, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri” ainda guarda espaço para momentos visíveis e inegáveis de dor, estes igualmente bem interpretados por McDormand.
4. The Shape of Water (A Forma da Água)
O filme mais indicado ao Oscar do ano, totalizando 13, “The Shape of Water” conta a história bizarra de uma mulher que se apaixona por um homem peixe. Dito isso, o maior desafio aqui é tornar esta premissa incomum em algo digerível, que não cause o riso do espectador e faça com que ele enxergue aquilo que seu criador planejou na gênese de tudo. No mínimo, dá para dizer que Guillermo del Toro consegue ser bem sucedido nesta tarefa e, ainda que tudo comece rápido demais, a interpretação de Sally Hawkins mostra a sinceridade por trás de seu envolvimento com uma criatura não humana. Mais do que isso, a história consegue ir além de um típico “salve a criatura dos monstros humanos”. Além da tal paixão, existem outros significados alimentando este envolvimento. Prefiro parar por aqui, mas definitivamente é uma experiência que pode ser apreciada tanto na parte mais tradicional, como os visuais nostálgicos e a trilha sonora magnífica, quanto na parte mais subjetiva da experiencia, na qual é possível mergulhar nos vários significados sob a superfície.
3. Coco (Viva – A Vida é uma Festa)
Elogiar filmes da Pixar é quase tão certo quanto certo que os filmes da Marvel serão avalanches de bilheteria. Mesmo assim, crédito deve ir aonde crédito é devido. Outro espetáculo visual, outro filme mais próximo à fórmula Disney de colocar canções ao longo da trama para auxiliar a narrativa. Mas com alguns diferenciais. Dentre os filmes da Pixar dos últimos, “Coco” é rivalizado apenas por “Toy Story 3” e “Up“. Nem o sucesso marcante de “Inside Out” chegou tão longe na tarefa de apresentar um suposto desenho de criança com capacidade de comover até o mais adulto dos corações. Definitivamente não é um filme perfeito, tendo erros bem notáveis aqui e ali, que, felizmente, são eclipsados por sucessos incomparavelmente maiores. É o clássico caso de grande filme falho, problemas existentes entre acertos que chamam muito mais a atenção. Um ótimo exemplo são as próprias canções do filme: algumas são apenas legais, outras são fracas, enquanto algumas simplesmente colocam em prática todo o potencial catártico da obra/
2. Dunkirk
Para aqueles que levarem em conta o escopo homérico de “Inception”, que chegou a virar piada pronta quando se fala em universos contidos em outros universos, ou a absoluta não linearidade de “Memento”, “Dunkirk” pode parecer um filme simplista e até sem graça. Um filme de Segunda Guerra Mundial como uma centena que foram feitos nas décadas anteriores, sem nada de especial sobre si. Para piorar, não foca em uma batalha grande ou algo do tipo, mas em uma enorme batida em retirada. Com tudo isso contra si, este longa pode até parecer um elemento modesto entre tantos outros ambiciosos, mas nada disso interfere diretamente em sua qualidade. A missão é simples: o exército britânico vem enfrentando uma série de derrotas e encontra-se encurralado pelos alemães, tendo apenas a opção de recuar e refazer sua estratégia. Dentro deste quadro, as possibilidades de combate direto e tradicional são nulas, então Christopher Nolan decide explorar sob três perspectivas únicas quais tipos de terrores os envolvidos enfrentaram. Suas principais ferramentas são os visuais intensos, que contam com aviões de verdade e Nolan em seu auge, e o som, aterrorizante por não poupar os ouvidos dos ecos e estrondos de explosões e tiros.
1. Lady Bird (Lady Bird – A Hora de Voar)
Assim como o item anterior, “Lady Bird” também se encaixa no modelo de proposta simples com execução sublime. Francamente, tudo neste longa soa familiar — o que talvez seja a intenção — talvez até demais. O último ano de ensino médio de uma garota do Sul da Califórnia é explorado. Entre as coisas com que ela se ocupa, estão os primeiros empregos de meio período, primeiros namoros, mudanças súbitas de interesses e amizades, além de um tornado de emoções direcionadas a gente que merece e aos que não merecem também. A maioria das pessoas passou por isso ou, pelo menos, por algumas destas coisas para sentir certa proximidade. Com um roteiro que consegue escolher perfeitamente recortes da vida que falam entre si e Saoirse Ronan encarnando o psicológico de uma adolescente, ainda que sua aparência diga o contrário, “Lady Bird” mostra-se uma obra pontual em sua proposta e em seu sucesso. A idéia inicial é simples e não muda com o tempo, ao passo que cabe ao elenco e à apresentação das idéias já conhecidas impressionar o público. Quanto a isso, não posso reclamar de nada. Em sua simplicidade competente, este é meu filme favorito do ano.