Continuando a saga “dos Mortos”, George A. Romero volta para sua franquia 7 anos depois de lançar “Dawn of the Dead” em 1978 — considerado por muitos o melhor da série. Inicialmente, o longa daria U$7 milhões para Romero fazer, em suas palavras, o “E o Vento Levou” dos filmes de zumbi. Infelizmente, a distribuidora achou o projeto muito caro e fez com que o diretor condensasse seu roteiro inicial de mais de 200 páginas para um de mais ou menos 90. No fim o orçamento ficou em U$3.5 milhões, ainda assim um avanço significativo em comparação com os U$650.000 de seu predecessor.
Assim como o filme anterior, esta história acontece num universo compartilhado, mas não segue os eventos diretamente. Com novos personagens e um novo ambiente, “Day of the Dead” acompanha as tensões de um grupo de sobreviventes abrigado em um bunker militar. Dentro desse grupo existem duas facções: uma composta por cientistas e outra por militares. Cada um possui sua própria visão do apocalipse, resultando em tensões internas do grupo paralelas a ameaça externa dos milhões de zumbis. Melhor dizendo, milhões de criaturas melhor caracterizadas com o aumento de orçamento. Ao contrário de “Dawn of the Dead“, que caprichou apenas no zumbis mais relevantes, este filme mostra absolutamente todos os monstros com um visual dedicado — arte novamente encabeçada por Tom Savini.
Puxando menos para o filme de ação de seu predecessor, este longa-metragem ignora também muito do humor de antes e trabalha com o material humano mais intensamente. Todo o aspecto de divergência entre personagens e grupos é explorado, colocando em teste a parte emocional do ser humano num ambiente que realmente não coopera com humores calmos. Diferente de outras obras do gênero e seu lema de que a união faz a força, o grupo daqui não pediu para ficar junto e, se tivesse opção, certamente não dividiria o mesmo ambiente. Mais tarde outras obras abordariam esse mesmo conceito, mas por duas razões simples “Day of the Dead” se destaca: até seu lançamento, tudo essa idéia era novidade; até hoje, por outro lado, poucas se igualam em termos de qualidade.
De sua maneira, pode-se classificar “Day of the Dead” como um estudo de personagem envolvendo todo o grupo e as relações entre seus membros, que são tão intensas quanto podem ser. Digo isso, mas não coloco este longa ao lado de outros estudos de personagem. Considerando o nível de desenvolvimento, uso o termo de modo mais geral, pois muitos indivíduos são meras sombras de uma figura mais forte. Não há apenas ideais em conflito num ambiente claustrofóbico, ainda existe todo o impacto do apocalipse na vida dos envolvidos. Os zumbis, por si, já ameaçam a integridade das partes dos corpos alheios. Para ajudar, a sombra projetada pelas criaturas tem uma forte carga no psicológico dos indivíduos. Colocar pessoas fragilizadas em conflito é pedir pras coisas darem errado e, felizmente, o elenco entrega interpretações mais que dignas para dar vida a essa situação peculiar.
Claro, dizer que todos os personagens em um filme de zumbi foram bem interpretados é um exagero e nesse caso não é diferente. Pelo menos os papéis maiores contam com apoio dramático necessário para funcionarem. O resto tem pouca importância e estão ali apenas para cumprir seus papéis como peões do enredo, adotando personalidades bem unidimensionais e um caráter mais cartunesco. Exemplo disso é um soldado cujo único papel é ser a ferramenta de seu chefe. Sua função real? Fazer pose de malvadão e mostrar que estragou o pouco de cérebro que tinha namorando um litro de pinga.
A cultura zumbi do universo criado por George A. Romero é consideravelmente expandida nessa entrada. Ao invés dos zumbis serem apenas máquinas de matar guiadas pelo instinto de comer os vivos, seu funcionamento é melhor explorado aqui — para o desgosto de alguns e para a alegria de outros. Como assisti o sucessor desse filme, “Land of the Dead”, antes de ver “Day of the Dead”, as mudanças não foram lá um choque muito grande. Digo isso não por falta de surpresa, como um spoiler, mas sim como um fator que eu já tinha aceito tranquilamente no outro filme e que havia sido introduzido originalmente nesse. Inclusive achei a mudança tão bem inserida no contexto da história que se eu tentasse explicar ela poderia soar um tanto absurda. Apenas para ilustrar um pouco, digo que essa idéia foi tão bem aplicada que cheguei a adquirir empatia por um zumbi, coisa que nunca aconteceu em outra obra do gênero.
No geral, “Day of the Dead” é um ótimo filme de zumbi e o melhor da franquia “dos Mortos” dentre os que vi. Sobretudo, acho interessante como as obras de Romero continuam originais depois de tantos anos de obras de zumbi. Aspectos como os cenários característicos, dramas psicológicos e intrigas dentro do próprio grupo de sobreviventes foram novidade em sua época e hoje se destacam por conservarem sua originalidade e qualidade, acima de tudo.