Faz muito tempo que não sai nada do Universo Cinematográfico Marvel. Até parece que “Avengers: Endgame” de fato colocou um ponto final no arco narrativo construído ao longo de 10 anos, encerrando a Era Marvel no cinema. Então vem a lembraça que “Spider-Man: Far From Home” foi lançado depois dele. Há mais de dois anos atrás. Estranho é isso, ir de uma sequência de dois e até três filmes da Marvel por ano para nenhum filme durante dois anos, com exceção dos seriados tentando manter o interesse pelo universo vivo. Imagino que a Disney se arrependeu de não ter lançado “Black Widow” mais cedo.
Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) vivia uma vida tranquila em Ohio, nos Estados Unidos, com sua irmã e seus pais numa casinha de subúrbio típica. Era a perfeita família feliz até que tudo vai pelos ares e eles têm de fugir das autoridades em seu encalço. Sem entender direito o que acontecia, Natasha é separada dos pais e da irmã Yelena Belova (Florence Pugh) e sua vida muda para sempre. Após os eventos de “Captain America: Civil War“, a Viúva Negra vive em exílio para se manter oculta daqueles que a perseguem, porém tranquilidade é abalada quando um oponente novo surge, colocando a Viúva Negra de volta em ação numa missão que envolve os detalhes mais sórdidos de seu passado.
“Black Widow” é o primeiro filme da Fase 4 do Universo Cinematográfico Marvel, mas convenhamos: não há nada nele para justificar uma nova fase ou que aponte para um novo ciclo narrativo. É uma escolha especialmente estranha para iniciar uma nova fase. Talvez “Spider-Man: Far From Home” fosse mais adequado, pois, pelo menos, aborda em parte as consequências de as pessoas sumirem por 5 anos na Terra. Por outro lado, essa história da Viúva Negra se passa logo após “Captain America: Civil War“, de 5 anos atrás. Um lançamento atrasado, negligenciado? Provavelmente. Eis que depois de muito tempo e muitos pedidos, a Marvel finalmente atendeu os fãs e lançou uma obra exclusiva de uma heroína que até então sempre ocupava a posição de coadjuvante.
A primeira coisa a se pensar, e que poderia empolgar alguns espectadores, é a proposta de ser um filme de espionagem com ação, possivelmente parecido com o elogiado “Captain America: The Winter Soldier“. Faria sentido, já que a Viúva Negra é uma espiã desde sua origem e essa é sua essência como personagem. Ela nunca foi de enfrentar Galactus ou o Império Shiar sozinha e, sendo mais um exemplo de heroína sem poderes, por vezes tinha seu papel limitado. Era de se esperar que “Black Widow” teria elementos parecidos e até dominantes, um filme que não cai nas convenções de sempre dos filmes da Marvel, sobre todos terem de ser explosivos, épicos e com muita ação em algum momento. Há um toque de espionagem, sim, só não tanto quanto alguns gostariam e menos ainda que em “The Winter Soldier“.
Quanto a isso, ainda havia a possibilidade de “Black Widow” ser bom na proposta diferente de tender mais para a ação como uma produção tradicional do MCU. Felizmente, na maior parte do tempo se encontra competência nesse quesito. Boas cenas de ação aproveitando bem os poderes — ou a falta deles — da Viúva Negra, sua capacidade nas artes marciais e nas acrobacias enfrentando inimigos compatíveis com suas habilidades, o que nivela a experiência a algo um tanto abaixo das escalas de poder infinito vistas em outros filmes. A direção de Cate Shortland ainda está aquém do trabalho magnífico feito pelos irmãos Anthony e Joe Russo quando tiveram a oportunidade de explorar a heroína, este primeiro não deixa a coreografia fluir tanto e se aproveita de cortes para tentar criar a ilusão de complexidade ou então só encurta as cenas mesmo. Por outro lado, não é sempre que isso acontece e é só um detalhe ocasional que impede a ação de atingir um patamar mais elevado, embora já possa se gabar de certa eficiência.
Nas partes em que “Black Widow” mais falha na ação, normalmente é por tentar morder mais do que poderia, por tentar desafiar não os limites da criatividade e tentar coisas novas, e sim de ir à margem do absurdo e a ultrapassar. Tudo bem, todo filme de super-herói exige uma suspensão de descrença para que até as cenas mais banais de ação funcionem. Quebrar os dedos dando murros na cara do oponente? Quebrar as pernas após pular de altura? Sofrer dano cerebral após uma batida de carro? Isso até é negligenciável, mas alguns trechos aqui são ironicamente similares a “007 Contra o Foguete da Morte“, que inclusive aparece em uma cena no início: abusa da boa vontade para criar uma cena intensa sem perceber que não existe nenhuma chance daquilo ser possível, muito menos do espectador acreditar nela. Isso sem contar a megalomania por parte do vilão, com ele ostentando ou alegando ter mais poder do que seria razoável.
A parte mais infeliz da experiência vem por parte do roteiro e sua preguiça de polir alguns elementos pequenos para que funcionem organicamente em vez de existirem por pura força da conveniência. Personagens mudam de motivação sem muito sentido, objetivos são colocados ao alcance fácil dos protagonistas e parte da reviravolta no clímax envolve bater a cabeça numa mesa estrategicamente. “Black Widow” é um filme morno que chega para acrescentar pouco ao Universo Marvel e dar um último papel para Scarlett Johansson. A experiência vale principalmente pela ação bem trabalhada num geral, mesmo que imperfeita, e pelos personagens novos introduzidos. Há apenas um coadjuvante sem sal, ao passo que o resto sempre traz alguma coisa para o conjunto; uma boa interpretação, um toque de humor, uma tentativa de drama ou um elemento a mais para participar das cenas de ação. Antes que me esqueça, quanto menos se falar sobre o suposto Taskmaster, melhor.