Por um bom tempo foi dito que “Vingadores: Ultimato” seria o filme a encerrar a terceira fase do Universo Cinematográfico Marvel. Fazia todo o sentido, pois ele foi projetado como a conclusão de uma saga construída nos últimos 10 anos ao longo de 22 filmes. Então foi anunciado de última hora que “Spider-Man: Far from Home” encerraria a Fase 3. Aí as coisas perdem um pouco o sentido. O que há nessa história para funcionar como um ponto final melhor do que a missão para restaurar todo o dano feito por Thanos ao universo? Eis a questão. De qualquer forma, não é como se a divisão entre fases realmente tivesse alguma importância narrativa concreta e, até onde importa, a segunda aventura do Homem-Aranha é de qualidade e se mostra uma adição bem-vinda ao Universo Marvel.
Depois de Thanos estalar os dedos e acabar com metade da vida do universo, os Vingadores passaram cinco anos tentando arranjar uma forma de seguir em frente até que uma resposta surge e eles conseguem reverter o estrago. Parcialmente. Os ressuscitados voltaram à vida com a mesma idade que tinham quando morreram enquanto os sobreviventes continuaram envelhecendo normalmente no período. Isso significa que quando Peter Parker (Tom Holland) volta para a escola, alguns de seus colegas já estão na faculdade. Retornar à rotina é difícil, mas não mais do que para Peter e sua segunda vida como o Homem-Aranha, agora sem o apoio do Homem de Ferro. Ele só quer se sentir mais normal e viver sua vida como um adolescente de 16 anos, porém nem isso consegue quando uma excursão escolar pela Europa o leva diretamente à uma ameaça global que Nick Fury (Samuel L. Jackson) e Mysterio (Jake Gyllenhaal) tentam combater.
Um dos maiores motivos por trás de minha apreciação por “Spider-Man: Homecoming” foi ver finalmente uma história abordar o herói no conceito original de um garoto imaturo receber poderes sem ao menos saber se portar como adulto. A responsabilidade bate à sua porta e ele nem sabe direito se atende ou sai de fininho pela porta dos fundos; salvar vidas e assumir o fardo ou aproveitar as loucuras juvenis da vida adolescente? “Spider-Man: Far from Home” continua a desenvolver esse conflito e dedica boa parte de sua duração a ele. Também é a parte menos interessante de toda a obra. Não chega a ser um ponto negativo de forma alguma, senão a experiência seria um tanto frustrante por começar num lodo narrativo inacabável até a parte interessante começar quando o cabeça de teia entra em ação para chocar rostos com punhos.
O maior problema da continuação deste arco é o roteiro não saber exatamente para onde levá-lo. Se antes conflitos bobos, porém coerentes com a mentalidade de um adolescente, preenchiam o enredo com cenas absurdas no nível do Homem-Aranha aparecer numa festa para dizer que é amigo de Peter Parker, agora parece que o desenvolvimento estagna em um melodrama resumido a “Faça sua escolha”. De um lado, um garoto que repete vez após outra Mary Jane e Mary Jane e presente para Mary Jane; de outro, um tributo longo e excessivo à figura agora lendária do Homem de Ferro na forma de Peter constantemente não se sentindo à altura de seu ex-mentor. As referências a nenhum dos dois casos são sutis e até podem ser amenizadas, no primeiro caso, se a mentalidade jovem for colocada em jogo, porém o mesmo não acontece com a presença aparentemente eterna de Tony Stark na vida de Parker. Se houve incômodo com isso em “Homecoming“, não é “Spider-Man: Far from Home” que conserta esse quesito.
Mas não é como se esse começo fosse desagradável ou destituído de ação de qualquer tipo. “Spider-Man: Far from Home” equilibra os momentos agitados com o melodrama juvenil desde o começo e apenas aumenta a dose conforme a história progride e os conflitos ficam mais intensos. Todas as cenas de ação estão no lugar certo, em termos de ritmo e cadência, e também cumprem seu papel de empolgar o espectador, parcialmente por serem ambientadas nos charmosos cenários europeus ao invés do típico ambiente urbano americano. Mesmo quando o Homem-Aranha não tem uma participação tão ativa, Mysterio rouba o holofote ao se mostrar um personagem bem mais interessante que suas aparições como vilão secundário nos quadrinhos e nos jogos. É raro isso acontecer, ainda mais quando tantos vilões foram considerados desperdiçados por conta de suas aparições no cinema não aproveitarem todo seu potencial, por vezes até descaracterizando-os e ainda matando-os no final para garantir que nunca mais sejam utilizados.
Analisando objetivamente, talvez não haja nada de muito fantástico nas cenas em si. A graça é ver que um dos responsáveis pela ação é Mysterio, aqui apresentado como um personagem de poderes novos e uma origem denotando certa ousadia da parte dos roteiristas. Ele é um elemento inesperado apimentando já os primeiros momentos de “Spider-Man: Far from Home”. Não apenas o alter-ego mas também o homem por trás dele, Quentin Beck, recebem a devida atenção que todo vilão deveria ao não se resumir a apenas mais um obcecado buscando um objetivo a qualquer custo. A presença de um ator do calibre de Jake Gyllenhaal sem dúvida ajuda na construção desse personagem e eventual execução das qualidades que fazem o espectador acreditar nele. É mais ou menos a mesma receita vista em “Homecoming” de escolher um bom ator e fazer seu personagem participar na história do super-herói para além de seu papel como antagonista padrão.
Arrisco dizer que o próprio Homem-Aranha tem um pouco menos de graça do que Mysterio quando finalmente passa a protagonizar a ação e mostrar suas habilidades ao máximo. Às vezes parece que “Spider-Man: Far from Home” desafia os limites da suspensão de descrença demais ao querer que o espectador acredite que o herói se salva de situações evidentemente muito difíceis e até impossíveis. O lado bom é que a tecnologia dos trajes continua presente sem chegar no nível exagerado às vezes visto no filme anterior, o que significa uma volta do Aranha aos seus planos com cara de improviso, característicos de sua mente inteligente inventora de bugigangas variadas.
Aos poucos, Tom Holland se aproxima de ser a melhor versão de Peter Parker do cinema. A despeito do melodrama inicial e de outros detalhes menores, sua interpretação é de longe o elemento mais atraente de “Spider-Man: Far from Home”. O detalhe do rapaz começar a encontrar seu lado cientista e inventor é apenas uma faceta secundária quando o que importa de fato é sentir o ator no papel, ver que ele está realmente vivendo a personalidade do personagem até nos momentos pequenos. Há algo mais representativo do que sua inexperiência resultar em erro num momento crítico e ele não saber reagir melhor do que fazer uma piada no mais puro nervosismo? No geral, a experiência ainda se posiciona um pouco abaixo da estréia do amigão da vizinhança no MCU. Ao mesmo tempo, uma das cenas pós-créditos dá um gosto de que a terceira parte dessa aventura pode ser a mais interessante de todas, especialmente por abordar diretamente um detalhe menor que até então vinha me incomodando a respeito da postura deste novo Homem-Aranha. Quanto menos sobre isso, melhor para a surpresa do espectador quando chegar a hora.