Enfim mais um clássico dos clássicos. “Jaws” é o filme de que todo mundo já ouviu falar e sabe que é um clássico do Cinema por mais motivos do que se pode lembrar de uma vez. Primeiro, sua reputação básica como o filme número um de tubarão, o único bom ou um dos poucos. Também tem a direção Steven Spielberg, seu primeiro grande sucesso, a maior bilheteria de todos os tempos na época e, como se não bastasse, é considerado o primeiro blockbuster. A indústria inteira se moldou a partir de uma única produção sobre um tubarão assassino, parte do assassinato da Nova Hollywood teve o toque de um tubarão de 3 toneladas. Pelo menos o que há no centro de tudo isso é excelente.
A pacata Amity Island é um lugar de veraneio na costa leste dos Estados Unidos que reúne visitantes de todo lugar todos os anos. O chefe de polícia Martin Brody (Roy Scheider) chegou há pouco tempo com sua família para assumir o cargo e tem de lidar com o primeiro sinal de problemas quando o cadáver mutilado de uma jovem é encontrado na praia. Tudo indica que seja um ataque de tubarão, mas o prefeito não quer se precipitar nas vésperas do feriado de 4 de Julho e todo o lucro que vem com a data. Não demora para ficar claro que o predador deverá ser impedido antes que o estrago seja grande demais.
Digam o que quiserem, este filme é muito bom. Seja lá qual o sentido que faz dizer isso com tanta convicção de algo com o título de “Tubarão”, uma história sobre, surpreendentemente, um tubarão branco que começa a matar banhistas. Pois é, faz bastante sentido nesse caso. Foi ele o responsável por uma mudança de filosofia de toda a indústria de cinema e especialmente daqueles com o dinheiro. Fez tanto sentido para eles que a aposta parecia certíssima. Já não era mais uma obra sobre motoqueiros da contra-cultura descobrindo um destino amargo nas estradas dos Estados Unidos, o conceito se tornou um peixe homicida contra um policial, um pescador e um biólogo. Simples o bastante para convencer os executivos a investir uma quantia considerável no marketing da obra. Se existe desgosto quando os livros estampam a arte do filme em sua capa em vez de arte original, o culpado é “Jaws”. As participações na TV promovendo o lançamento e a maioria das salas do mundo ocupadas pelo mesma obra idem.
Na teoria, vender um conceito simples é mais fácil. O pitch de 007 é um agente de charme e estilo que embarca em missões contra vilões excêntricos enquanto conquistas as mulheres mais bonitas e dirige as máquinas mais potentes. “Jurassic World” finalmente mostra o parque sendo aberto depois de três filmes: humanos tentando sobreviver com dinossauros à solta. “Jaws” segue esse mesmo princípio e, como muitos dos blockbusters de qualidade, faz valer a máxima que menos é mais. Há menos complexidade, mas ainda há respeito pela história e os mecanismos que a fazem funcionar. Bons atores nos papéis principais e secundários já é um ótimo começo.
A menção de dinossauros também não é acidental, não quando outros dos blockbusters mais populares de todos os tempos pertence a Spielberg também. Só não digo que “Jaws” repete o feito incrível de “Jurassic Park” porque o primeiro surgiu 18 anos antes. É com ele que nasce a qualidade de ressignificar um objeto ou idéia banal e, com isso, influenciar até mesmo o senso comum sobre o objeto. Isso não é dizer que as pessoas não temiam perder uma perna para um tubarão antes de 1975 ou que dinossauros não tinham graça, mas que eles são colocados numa história que lhes dá um valor renovado, seja de ameaça ou de milagre da ciência. O primeiro ponto a favor disso é o reforço da própria natureza do animal. É bastante comentado que os problemas técnicos com o tubarão mecânico forçaram Spielberg a ocultá-lo e apenas sugerir sua presença. E também se fala que é uma técnica hitchcockiana de mostrar menos para mais impacto. Às vezes só o resultado da chacina é mostrado e não muito, ainda assim. No resto do tempo, funciona como na realidade: a vítima só vê alguma coisa quando é tarde demais e uma fileira de dentes está cravada no seu fêmur.
Sendo um suspense, naturalmente se respeita a regra de deixar o melhor para o final e apenas mostrar as partes mais fantásticas do conceito depois de bastante desenvolvimento, nunca revelando a mão antes da hora. Além do mais, sem isso provavelmente seria um vídeo de pescaria do “Fish TV”. E é claro que não poderiam faltar elogios para a trilha sonora de John Williams e seu papel na construção dessa presença invisível do predador. Até quem nunca viu “Jaws” deve conhecer as notas graves da tuba anunciando o perigo se aproximando, um feito impressionante com apenas duas notas musicais inicialmente e muitas outras quando a trilha sonora vai a outros lugares. Ela nem sempre fica no suspense e na seriedade, ocasionalmente traz melodias mais alegres e aventurosas como que parar lembrar o espectador que, em algum nível, é um entretenimento desligado da realidade.
Tudo é muito simples e prático porque o enredo é tratado com o devido respeito. Tubarões podem ser tão ordinários quanto podem ser arautos do cinema trash, como aconteceu no futuro com as continuações e outros derivados inferiores. “Jaws” se mostra preocupado com um peixe grande e caçá-lo usando métodos funcionais e lógicos, pessoas que poderiam cumprir a tarefa e bolar planos críveis para eliminar a ameaça com apenas uma salpicada de espetáculo para dar um destaque único. Personagens cativantes completam a história com aquilo que muitas vezes falta nesse tipo de história. O elemento humano composto pelas pessoas mais normais disponíveis traz o toque infalível de ver como o banal se vira em circunstâncias incomuns em sua forma clássica, com erros, improvisos e um tanto de sorte. Nenhum deles é caçador de tubarão, nenhum é super-herói. Suas qualidades são ter família, história e algumas habilidades aqui e ali. Isso os torna ordinários, sim, e também muito mais interessantes.
“Jaws” era um filme bom quando eu vi pela primeira vez há muitos anos e continua sendo até hoje. Não sei por que demorei tanto para rever, mesmo sendo um fã e tendo uma cópia em Blu-Ray na estante; aconteceu só agora, pelo menos 10 anos desde a última vez e pela primeira em alta definição, podendo apreciar a competência da remasterização e, conseqüentemente, a cinematografia. Fica até mais fácil apreciar o contraste entre o tubarão com sede de sangue e o ambiente agradável da praia quando as qualidades desse último ficam mais realçadas em alta definição. E, não, o tubarão não parece falso nessa nova versão, fica tão bom quanto sempre foi porque se tomou cuidado para não revelar demais. Essa é apenas uma das lições que as três continuações jamais aprenderam.
1 comment
Esse filme é visualmente lindo demais. Em vários momentos dá pra pausar e ter uma bela fotografia. Além disso, o tubarão envelheceu muito bem.