“Zero Dark Thirty” poderia ser o filme que todos apreciam pelos motivos certos. É um suspense com toques de espionagem e inteligência envolvendo a caçada a um dos maiores terroristas a pisar na Terra, então poderia ser elogiado pela forma diferenciada como a missão é conduzida. Nada a ver com filmes de ação com rifles automáticos, contagem alta de corpos e explosões; nem mesmo com outro trabalho de Kathryn Bigelow sobre operações militares, “The Hurt Locker”. Uma história com ação pontual e reservada para os momentos em que é absolutamente necessária, mostrando progressão narrativa num ritmo mais humano do que cinematográfico, com os dados e as descobertas vindo aos poucos e construindo uma linha de raciocínio perceptível na protagonista. E então houve acusações de uma posição pró-tortura, de acesso impróprio a informações confidenciais, de partidarismo e até de mudar a história real. É isso que importa mesmo?
O ataque terrorista contra as Torres Gêmeas do World Trade Center em setembro de 2001 aciona o alerta vermelho da segurança nacional nos Estados Unidos. A organização Al-Qaeda assume responsabilidade pelo incidente e as quase 3000 mortes, mobilizando o país a rapidamente sair à caça dos líderes da organização para fazê-los responder por seus atos contra a humanidade. Maya (Jessica Chastain) e um grupo de outros agentes trabalham na força-tarefa encarregada de fazer o necessário a fim de localizar os alvos escondidos, em especial o infame Osama bin Laden.
“Zero Dark Thirty” tem um foco bem específico: a investigação. Descrevê-lo em meia dúzia de palavras é dizer que a história da caça ao Osama bin Laden. E seria uma descrição certeira porque, no fim das contas, todas as cenas tentam dar continuidade à busca de informações sobre os líderes escondidos da Al-Qaeda, agentes da CIA olhando para seus relatórios até a testa sangrar e alguma realização dizer para onde ir. O enredo se baseia em algo impessoal como a reunião de pistas, extração de informação, levantamento de suspeitas e raciocínios individuais que só às vezes se concretizam em atitudes. Mal é preciso dizer que falta alguma coisa aí, algo que já é parte do senso comum de toda a audiência, sem mesmo estudar teoria cinematográfica para reconhecer. Todo o conteúdo acerca da história ainda faz dela fria demais, dados e eventos que podem parecer mais apropriados para um documentário. Falta algo.
Maya é a resposta. E também a pergunta, para alguns críticos. Ela é a razão para muitos criticarem “Zero Dark Thirty” por mudar os fatos, pois nunca houve uma pessoa só envolvida em todas as situações que ela enfrenta na obra, com o mesmo cargo e funções, tão diretamente responsável por tudo. A verdade só a CIA sabe, porém alguns relatos afirmam que a personagem é uma amálgama de vários agentes ligados à caçada em períodos diferentes, uma pessoa protagonizando situações reais vividas por outros. Faz sentido, tudo em função do roteiro e da narrativa para extrair de uma coleção de acontecimentos e pessoas nem sempre interligados uma coesão na forma de enredo. E, claro, sem perder o respeito pela fidedignidade e ir longe demais, colocando metralhadoras nas mãos de todo mundo e transformando tudo na luta de uma mulher contra o sistema burocrático opressor que a impede de capturar o terrorista número um do mundo.
Curioso é ver que os eventos e até os personagens são tratados com certa frieza, uma diferente daquela mencionada antes sobre uma história centrada apenas no lado investigativo, pois essa tem mais a ver com evitar o sensacionalismo que afeta tantas histórias no cinema com a tendência de deixar tudo muito extraordinário. Nem toda situação é passível de uma apresentação excepcional, é assim que o drama se torna melodrama e a ação cai por terra quando exagera na intensidade de situações banais. “Zero Dark Thirty” até poderia ser reinterpretado para ter mais ação, porém é escrito de forma que o processo seja valorizado acima de tudo. O enredo é mais do que perseguir alguém ou ir de um lugar para outro, muitas vezes se trata de conseguir informação em fontes que secam com cada dia que passa e que nem sempre são confiáveis. É sobre ter determinação para acreditar nas convicções e inteligência para sustentar os palpites, principalmente sobre mostrar como uma coisa leva a outra, às vezes mais perto, às vezes mais longe da meta. E quando a ação finalmente dá as caras, é em momentos específicos, calculados, raros e de impacto máximo.
É uma equação e tanto quando estão incluídos pressão por resultados, dificuldade de dar novos passos e de provar que são passos na direção certa e ter que usar mais do que a paixão vibrante de satisfazer o desejo de milhões de americanos que se sentiam injustiçados. Tanta expectativa em cima de uma mesma pessoa só poderia produzir um resultado: tensão. “Zero Dark Thirty” é uma bomba esperando para estourar, vazando suspense pelas frestas e deixando o espectador tão inquieto quanto a protagonista de Jessica Chastain. Mais do que sua personagem unindo eventos, é sua performance que traz a conexão entre filme e audiência e permite que toda a tensão, que poderia passar despercebida, tenha voz, corpo e alma em uma mulher que encara uma tarefa hercúlea. Real ou não, talvez ter uma pessoa específica com quem se relacionar seja empaticamente mais funcional do que um grupo inteiro.
Como alguém que busca uma experiência cinematográfica e narrativa engajante, que no mínimo seja convincente em sua mentira sobre sua versão dos fatos e dê um tom de realismo tão necessário para uma história como essa, posso dizer que estou extremamente satisfeito com “Zero Dark Thirty”. Nunca fui muito maluco pelo assunto da caçada ao Bin Laden e não dei muita atenção para o que parecia na época mais um capítulo da cruzada americana pela suposta ordem mundial. Certamente é um assunto de maior interesse para os americanos, que tinham um cão nessa briga e um interesse pessoal em ver o assassino dos seus irmãos inocentes finalmente ser abatido e impedido de se safar de tamanho pecado. Para mim, o filme proporcionou a oportunidade de revisitar um assunto arquivado nos confins do passado e sentir pelo menos por algumas horas como foi árdua e tensa a missão de encontrar um alvo escondido, entender por que a tarefa era tão importante, ao menos nos olhos de Maya.