“The Harder They Fall” é mais conhecido por ser o último papel de Humphrey Bogart. E mesmo assim demorou um bom tempo até que ouvisse falar dele, finalmente o encontrando numa lista com os melhores filmes de boxe de todos os tempos na época de lançamento de “Creed II”. Foi só depois que descobri sua outra fama, uma que faz menos jus à excelência deste que se mostrou um dos melhores Noir que já vi usando uma combinação de elementos consoantes e que dificilmente dariam errado. Justiça seja feita, esse filme merece muito mais atenção do que tem por executar certos princípios de gênero sem se deixar cair nas caracterizações de sempre. No mínimo, é um conto de boxe para fazer frente a outros grandes do estilo aliado a um comentário duro sobre tudo o que se passa ao redor do ringue também.
A recente falência do jornal em que Eddie Willis (Humphrey Bogart) trabalhava o leva ao desespero. O dinheiro está baixo e não há muita perspectiva além de voltar para os trabalhos subalternos em redações de jornais. Então surge uma oportunidade diferenciada: Nick Bencko (Rod Steiger) aparece com um brutamontes da Argentina chamado Toro (Mike Lane) e quer a parceria de Eddie para ajudar a tornar o lutador uma grande sensação. Mas não é tão simples assim porque Toro mal consegue acertar um ponto parado bem na sua frente. Eddie deve escrever sobre sua falsa proeza enquanto Nick dá seu jeito de acertar as lutas nos bastidores para transformar o boxeador em uma máquina de dinheiro baseada em publicidade.
Esse é o tipo de filme que faz sentir certa culpa por não o ter conhecido antes. Não sendo um lançamento obscuro ou de difícil acesso por ter uma remasterização em alta definição, “The Harder They Fall” ainda assim passou debaixo do radar e é pouco comentado ou presente nas listas de melhores Noir. Nem sua fama como último papel de Humphrey Bogart fez muito pela popularidade, pois ademais não faz competição com o melhor de sua carreira, mesmo sendo uma performance sem margem para críticas. Ela é apenas mais simples e menos independente, por assim dizer. Muito do que seu personagem sente e acredita provém da forma como os indivíduos ao seu redor agem. Ele reage e toma suas decisões a partir disso porque, em essência, é uma pessoa reativa; duro e firme em suas escolhas sem chegar a definir as circunstâncias ao seu redor. É um pouco de passividade para alguém que deveria ser protagonista e dono de seu próprio destino, mas até isso possui uma razão dentro da história a longo prazo.
Não se pode avaliar a eficácia do protagonista sem considerar os coadjuvantes. “The Harder They Fall” tem vários bons destes. Jan Sterling é um ótimo exemplo de boa interpretação num papel menor aliada a uma função expressiva na trama. Ela não aparece muito, é a esposa que visita de vez em quando e consegue fazer cada ocasião ser digna de atenção por várias razões. O olhar penetrante de Sterling é mais do que demonstrativo de um aspecto de sua beleza, seus olhos azuis olham no fundo da alma de Eddie Willis e dizem exatamente o que ele deve escutar quando suas palavras parecem não transmitir a mensagem bem o bastante.
Do outro lado, Rod Steiger é um vigarista tão desgraçado quanto poderia ser. Em nenhum momento é possível dizer que ele aparenta ter um coração por trás de todo seu falatório sujo, como um vilão que um dia foi bom e então corrompido por alguma frustração irremediável, sua índole parece má por inclinação voluntária a ponto de ser a única coisa aparentemente irremediável de sua personalidade. A disposição para ser imoral é constante e visível em suas atitudes. Steiger traz aos olhos da audiência quão baixo o ser humano pode vir a ser sem nem ter noção da pessoa que é. Como se não bastasse, “The Harder They Fall” ainda traz um outro lado dessa desinformação, dessa falta de consciência, por meio de Mike Lane como o boxeador argentino. A diferença é que ele não tem a mínima noção de sua própria estupidez e assim nasce uma relação bem clara entre aproveitador e explorado.
Seguindo os temas comuns do Noir de trazer uma realidade da época de forma exacerbadamente fatalista, “The Harder They Fall” apresenta uma situação bastante comum na forma do desespero de uma pessoa que perde sua única forma de sustento e se vê sob a pressão de manter seu status. Sem dinheiro não há como pagar as contas e as novas perspectivas todas envolvem aceitar um rebaixamento de posição no trabalho. Seja por orgulho ou por necessidade, a vontade de procurar uma saída fácil surge assim como os oportunistas mal-intencionados. O boxe, o espetáculo midiático e as armações são todas construções em volta de um núcleo narrativo bastante ressonante e em sintonia com situações humanas. O bônus, por assim dizer, é a oportunidade de ver várias vezes algo que foi um ponto alto de “Night and the City”: momentos de brutalidade dentro do ringue e ação de um jeito que muitos filmes da época falhavam em entregar com tanta intensidade, um precursor do show em preto e branco de “Raging Bull”.
Fazendo com o boxe assim como “Ace in the Hole” fez com o jornalismo sensacionalista — que também conta com Jan Sterling — esta obra de Mark Robson traz à luz a falta de escrúpulos daqueles que só enxergam nos outros um degrau para subir mais alto na vida. Sem esconder intenções nem mesmo num primeiro momento parar criar um ar de falsa honestidade, os personagens se mostram tão obscuros quanto seus objetivos. Seria uma situação normal de negócios se não fosse tão explícita a podridão, um ponto de vista e tanto sobre as mentiras que alimentam a falsa esperança daqueles ainda honestos. “The Harder They Fall” é o fechamento apropriado para a carreira daquele que viu sua popularidade estourar com “The Maltese Falcon” em 1941, considerado o primeiro grande do gênero. Um Noir para encerrar o ciclo daquele que começou o Noir.