Depois de 12 anos e sete filmes, chegou a hora de Roger Moore passar a tocha. Começando no papel já sendo 6 anos mais velho que Sean Connery, Moore enfrentava críticas por conta de sua idade avançada em seu último filme, “A View to a Kill“, que não teve uma recepção das melhores e serviu como um segundo motivo para a chegada de um novo ator. Os produtores queriam Pierce Brosnan e este queria ser o novo 007, mas sua agenda gravando o seriado “Remington Steele” atrasou a parceria por mais 9 anos e trouxe a oportunidade à porta de Timothy Dalton, ator do teatro clássico inglês já abordado pelos produtores no passado. “The Living Daylights” é sua primeira e melhor aventura como James Bond.
A missão de James Bond (Timothy Dalton) é simples: oferecer suporte na extração de um oficial soviético tentando desertar para o Oeste. Com tudo indo bem, o General Koskov (Jeroen Krabbé) finalmente chega nas mãos do MI6 apenas para ser recapturado pela KGB na seqüência. Bond sente cheiro de algo estranho em toda a situação e decide investigar um detalhe mal explicado que o leva a descobrir segundas intenções não reveladas e lealdades misteriosas. Passando pelo Afeganistão e outros tantos países, o agente logo se vê entre rebeldes afegãos enfrentando um contrabandista de armas americano.
“The Living Daylights” não costuma ser visto entre os piores filmes da série junto de “Die Another Day” e “A View to a Kill“, por exemplo. Isso não quer dizer que ele seja mencionado como um dos melhores também, apenas apontado como uma das missões de James Bond mais bem-sucedidas sem chamar muito a atenção. É como a passagem do próprio Timothy Dalton pelo papel: lembrada pelos fãs mais assíduos apenas. Há quem tenha deixado passar o final dos Anos 80 por desempolgar com os dois últimos filmes de Roger Moore, talvez, e só retomado quando Pierce Brosnan fez seu retorno amplamente divulgado e bem recebido em “GoldenEye“, mal reparando que houve um ator que fez apenas dois filmes nesse meio tempo. Mal houve tempo para causar uma impressão duradoura porque tudo começou e acabou em apenas dois anos, praticamente. Embora o período oficial de Dalton no papel seja de 1986 até 1994, ele só apareceu de fato em 1987 e 1989. O resto foi apenas notícias a respeito de todos os problemas administrativos atrasando novas produções.
Nada disso deveria ser motivo para ignorar o período e achar que Dalton foi um Bond irrelevante por protagonizar apenas duas vezes. Isso não vale nem mesmo para George Lazenby e sua única participação em “On Her Majesty’s Secret Service“, uma irregularidade de boa estima no meio da Era Connery. “The Living Daylights” introduz um novo ator ao papel pela terceira vez, novamente trazendo mudanças ligadas ao personagem e como sua personalidade muda até o tom das histórias, que passam a se adaptar ao estilo do ator recém-chegado. Foi o mesmo com Lazenby e foi o mesmo com Moore. Depois de histórias freqüentemente tendendo para um lado leve e fantástico, um desvio em direção à austeridade se fez necessário.
Isso pode parecer familiar porque aconteceu praticamente a mesma coisa na transição entre Pierce Brosnan e Daniel Craig. Por um lado, há quem diga que o público da época ainda não estava preparado para um James Bond mais sério como o de Timothy Dalton e que isso explica a falta de notoriedade do ator no papel. Como dito, muitos outros fatores estavam em jogo e nenhum deles tem a ver com a competência do ator. Tratando disso, Dalton tem todos os básicos garantidos ao se portar como um homem seguro de sua própria competência ao mesmo tempo que conserva seu charme, vestindo um terno tão bem quanto troca murros num disfarce momentâneo. “The Living Daylights” se beneficia muito, em primeiro lugar, pela primeira impressão forte passada pelo novo ator, que traz uma nova gama de sentimentos brutos ainda não vista antes. Connery era austero sem nunca perder a pose; Lazenby demonstrava músculo junto de certa tranqüilidade; e Moore nunca foi de deixar desarrumar o penteado, quem dirá se consumir por emoções.
Dalton reúne as qualidades arquetípicas do personagem e dá seu próprio toque em “The Living Daylights”. Existe a missão e existe margem para alimentar a motivação com envolvimento pessoal na forma de raiva, pensamentos vingativos e até mesmo certo descaso de Bond para com o Serviço Secreto. Dalton traz um dos raros sinais do ator contribuir para a construção do personagem por meio de sua própria competência, quando o indivíduo ser bom faz a diferença no que se vê na tela. Os outros três não foram ruins de forma alguma, a diferença é que eles só supriam bem os requisitos do personagem enquanto Dalton parece trazer conteúdo novo. Isso vai de acordo direto com o roteiro espertamente escrito para aproveitar o lado pessoal do personagem; quem ele é como pessoa para além de sua identidade como agente secreto. A demanda é definida e suprida na sequência.
Mesmo esquecendo de muitos destes detalhes, “The Living Daylights” funciona perfeitamente bem como uma experiência típica da série dependente de ação, uma missão, um vilão e uma garota. Mais simples que isso não há como. A diferença entre a Era Dalton e a Era Craig é que a dinâmica de criar cenas de ação em torno dos apetrechos vindos direto de Q ainda existe e funciona notavelmente bem, um certo resquício do lado extraordinário visto no outro ator. Um novo Aston Martin equipado com sabe-se lá quantas coisas retorna em uma longa seqüência de perseguição aproveitando boa parte desses adicionais peculiares, por exemplo. Além do mais, Dalton traz de volta a fisicalidade de George Lazenby infelizmente perdida em Roger Moore e as coreografias fracas de brigas corpo-a-corpo. Eis um Bond que briga bem, tem equipamentos interessantes e ainda se dá bem com as mulheres. Ou melhor, mulher. Há apenas uma Bondgirl no filme todo e, felizmente, é uma das melhores de toda a série por ter certa personalidade, carisma e um pequeno arco além de beleza, todos aspectos essenciais para que o espectador não perca o interesse por ela no meio do caminho.
O único elemento negativo desse conjunto é o vilão. “The Living Daylights” conta até com mais de um e só pode se gabar por um capanga marcante, até mais que os antagonistas principais. Um deles ao menos tem participação importante dentro do enredo, enquanto o outro é mencionado apenas ocasionalmente e é tão clichê que poderia ser parte de um filme de ação menos elaborado, apenas um americano ganancioso fanático por guerra. Talvez apelar para o exagerado oposto de um megalomaníaco poderoso buscando dominar ou destruir o mundo, alguém comum demais, não fosse a resposta adequada para uma era de exageros freqüentes.