Em uma série tão grande como esta é natural que alguns filmes sejam mais conhecidos que outros, alguns por apresentarem novos atores, outros por simplesmente serem ruins. “Die Another Day” é um exemplo exato desta segunda situação, sendo também a aventura final de Pierce Brosnan como Bond — 4 anos depois os produtores trocariam Brosnan por Daniel Craig e dariam reboot na franquia. Puristas chegam a dizer que este é o último 007 Clássico, referindo-se a mudança de tom vista na Era Craig, que também deixou de seguir a fórmula antiga tão firmemente. O ódio por este longa-metragem é profundo em muitos espectadores, mas por trás de várias idiotices existem várias qualidades que fazem a experiência valer a pena.
Em uma missão na Coréia do Norte, James Bond (Pierce Brosnan) tem sua identidade revelada e acaba capturado. 14 meses e uma música da Madonna depois, Bond ganha sua liberdade ao ser trocado por Zao, um terrorista Norte Coreano capturado pelo governo inglês. Forçado a agir sem a supervisão do MI6, o agente 007 passa a investigar o paradeiro de Zao para descobrir quem estragou seu disfarce anteriormente. Sua busca o leva até o misterioso Gustav Graves (Toby Stephens), um milionário do ramo de diamantes responsável por um satélite que projeta raios de sol onde o controlador desejar.
Antes de qualquer coisa, digo que apontar várias qualidades neste odiado filme não significa que ele esteja livre de defeitos; embora muitas das críticas sejam injustas, dado o histórico da série. Não tiro a razão de ninguém que me diga que parar o coração de propósito ou surfar uma tsunami é uma idéia idiota, mas criticar o carro invisível, por exemplo, é algo que não é muito apropriado. Depois de 19 filmes de canhões de água no para-choque do Aston Martin DB5 e comunicadores em escovas e vassouras, ter um carro invisível era apenas um passo lógico. Quando vi este filme perto de seu lançamento, havia achado a idéia legal. Anos depois o sentimento permaneceu quando o carro cheio de apetrechos manteve-se como uma ótimo meio de transporte, completo com o melhor tipo de entretenimento que este filme oferece.
O mesmo não se aplica ao resto da obra, quando extrapolam os limites da galhofa ao introduzir situações que são absurdas até mesma para um filme de James Bond. O que se viu em “Moonraker” acontece novamente aqui, temos uma obra divertida de conteúdo duvidoso. As idéias para planos de fundo, cenas de ação e personagens, em geral, são os avatares da loucura aqui, enquanto a execução, outro aspecto importante, se sai melhor. É como se pedissem para um engenheiro competente construir a casa da bruxa de “João e Maria”: doces não são nem de longe a melhor matéria prima para construir uma casa, mas de algum jeito o projeto funciona. Embora não haja realismo em um palácio de gelo — toda a idéia parece fruto de um autor teimoso com bloqueio criativo — e muito menos em uma clínica que muda a aparência das pessoas com manipulação genética, esses são os tipos de fantasias que as pessoas esperam encontrar em um 007. Contanto que haja aquela historinha para enganar o espectador minimamente, claro.
Ao passo que esta execução boa entrega várias cenas de ação empolgantes e um ritmo bem conduzido, ela traz também alguns pontos provenientes de uma direção ruim. Não sei bem o que pensaram quando deram tanta liberdade ao diretor Lee Tamahori, mas, pelos vários comentários, as mudanças feitas por ele criaram muitos dos apedrejados defeitos. Há um ar extremamente pseudo-moderno, no sentido de querer modernizar aspectos tradicionais e acabar saindo de moda rapidamente, em praticamente tudo que se vê aqui. Em vez de capturar a ação de maneira clara e objetiva, há uma estilização excessiva em cima de tais momentos. Cenários que poderiam ter sido construídos por métodos comuns são reproduzidos em CGI, o mesmo acontecendo com outras cenas menores, como um mergulho no oceano do alto de um prédio. Isso sem contar as diversas manipulações da taxa de quadros, que aceleram ou deixam lentas várias cenas que não precisavam desses decorativos. Nem o trabalho de David Arnold, até então um ótimo sucessor de John Barry, se salvou desta chacina. Ritmos orquestrados e melodias com ares clássicos dão lugar a batidas eletrônicas, mudança melhor vista quando a música tema vai de Shirley Bassey para Madonna. Não vou julgar gostos musicais, mas música pop raramente combina com espionagem e Martinis.
O pior de tudo é que até mesmo em aspectos simples, como o diálogo, falham miseravelmente em reproduzir momentos bons de antigamente; até mesmo os bordões totalmente clássicos têm uma aparência batida, piorando ainda mais o estigma de que a franquia estava ultrapassada. Novamente pode-se ver que quando tentam inovar demais um clássico, o resultado passa longe do ideal. No entanto, existem alguns acertos para serem encontrados aqui, frequentemente negligenciados por aqueles que só assistem “Die Another Day” para procurar defeitos e dizer que o filme é um lixo completo porque esta é senso comum. Se conseguiram entregar uma obra divertida como esta com os absurdos vistos, imagino que o produto final poderia ter sido muito superior caso tivessem aberto mão das diversas idiotices.