6. Uncharted: Revisitando Clássicos
Entre dezenas de comparações possíveis entre jogos e filmes, esta é uma das mais óbvias. Para não dizer que Indiana Jones está completamente sem bons representantes nos vídeo-games, existem alguns jogos dignos: entre eles um point & click da Lucas Arts e os dois LEGOs. Mas não são estes que evocam as memórias do público com frequência e possibilitam que as aventuras do arqueólogo aventureiro que jamais existiu sejam vivenciadas de um jeito novo. E não, não foi só em 2007, quando a Naughty Dog lançou “Uncharted: Drake`s Fortune”. Existe um pouco de história até chegar neste ponto.
Em 1993, um estúdio britânico chamado Core Design teve a idéia de criar um jogo sobre um explorador que viaja o mundo em busca das partes de um artefato importante. Inicialmente. o protagonista seria homem, um típico herói de ação. No entanto, um militar musculoso de regata não combinou muito bem com o jogo cheio de furtividade e quebra-cabeças que eles tinham, o que acabou acarretando em algumas mudanças críticas. O homem se tornou ninguém menos Lara Croft ao passo que outros elementos foram conservados, aqueles que mais se aproximavam das aventuras do Dr. Jones: cavernas, tumbas e pirâmides com armadilhas em todo canto; bolas de pedra, estacas de madeira sob o chão e flechas saindo das paredes com esqueletos de decoração.
As influências estão ali. Não de um jeito literal por conta de várias decisões criativas separarem os dois mundos, mas “Tomb Raider” foi uma referência notável por conta de sua imensa popularidade durante os anos do PlayStation. Anos mais tarde, ela seria relembrada como precursora para outro jogo de abordagem parecida que abraçava suas inspirações mais abertamente: Uncharted.
Considerando que nove jogos de Tomb Raider foram lançados em seus primeiros oito anos de vida, sua popularidade já não era a mesma em 2007. Mesmo assim, quando “Uncharted: Drake`s Fortune” foi lançado, as comparações foram inevitáveis. Os dois eram parecidos entre si, enquanto se afastavam na jogabilidade, no foco em narrativa e na abordagem mais cinematográfico do jogo da Naughty Dog, que também é mais ágil, acrobático e focado na ação baseada em tiroteio e escaladas.
Nathan Drake, o protagonista, escala montanhas, ruínas, corre através de prédios desabando e ainda arranja tempo de distribuir tiros em seus incansáveis inimigos enquanto sua vida percorre o fio da navalha. No geral, a série tem um foco claro na ação caótica e destrutiva, que coloca Nathan em sequências pensadas especialmente com sua má sorte e habilidade de sair das saias mais justas imagináveis em mente.
Familiar? Talvez lembrar de que Drake tem um talento especial em tudo referente a cultura, história, lendas e mitos melhore isso. Ou que isso se encaixa perfeitamente com sua vocação de sair pelo mundo buscando lendários tesouros considerados perdidos por uma pequena parcela da população e desconhecido para todo o resto. E, melhor ainda, que ele é um dos poucos com tamanho conhecimento e capacidade de ir atrás destas lendas. Ainda não? Quem sabe esta mesma capacidade única ser o que acende as flamas da ambição de gente mal-intencionada, as quais chegam tão longe em sua busca por tesouros justamente porque Drake faz todo o trabalho sujo antes? Talvez finalmente este seja o ponto em que as duas se assemelham tanto.
Tanto Nathan Drake quanto Indiana Jones são especialistas naquilo que fazem. Os nazistas e outros exploradores podem ser bons, mas nenhum deles consegue chegar muito longe. Sempre há um obstáculo que os impede de seguir em frente e que nem seu poderio bélico pode superar, algo a ser resolvido com inteligência, não brutalidade. Então chega o herói da história no auge de suas boas intenções, usando seu conhecimento de forma criativa para resolver o mistério apenas para ser pego desprevenido pelos bandidos, que aproveitam o atalho generosamente criado pelos mocinhos, depois tentam livrar-se deles e falham. Os dois lados se reencontram ocasionalmente no meio do caminho até que finalmente se reúnem no lugar que guarda o tesouro procurado, onde descobrem algum segredo terrível sobre ele e brigam uma última vez antes dos vilões serem consumidos por sua própria ganância. A última tarefa é fugir do lugar antes que ele desmorone por completo e leve os sobreviventes junto.
Todos os 4 jogos da série Uncharted e os filmes de Indiana Jones são variações deste mesmo modelo, nunca passando muito longe dele e às vezes sendo resumidos exatamente a eles. O objetivo pode ser um tesouro pirata… ou uma arca lendária… O resultado é sempre o mesmo, embora o vilão sempre seja outro. Isso sem contar outras similaridades mais pontuais. Tanto o terceiro jogo como o terceiro filme começam com um trecho da juventude do protagonista e, mais adiante, mostram as repercussões destas primeiras aventuras; além disso, pode-se encontrar o desenvolvimento de uma figura paterna, o incêndio de uma grande mansão e uma perseguição enorme na planície.
Não bastasse isso, há uma clara semelhança entre Nathan Drake e Indiana Jones. Não, o primeiro não é professor acadêmico de terninho engomado nas horas vagas. No entanto, quando os dois estão em ação é seu gigantesco carisma, com todo o jeito de malandro meio herói, meio vira-lata, que toma conta e dá um toque especial a toda a ação bem pensada e executada. Quando se fala em personalidade, as maiores similaridades surgem. Humoristas nas piores horas, mulherengos nas melhores e sempre de ânimos altos, Nathan Drake e Dr. Jones dão um jeito de tornar a situação divertida mesmo quando tudo parece perdido. Seu fracasso é tragicamente cômico e seu sucesso é alucinante. Em outras palavras, não há tempo ruim na maior parte do tempo pois não faltam oportunidades de entretenimento nascidas com suas personalidades naturalmente cômicas ou com o elenco coadjuvante igualmente querido.
É seu jeito despretensioso, relaxado e quase despreocupado que torna cada aventura exatamente isso: uma aventura. Nada de perigos de vida e lutas ferrenhas do homem contra a natureza nem de exploração dos limites da sobrevivência do homem em um ambiente inóspito. Sempre há espaço para um comentário espertinho a fim de que o espectador não esqueça com quem está lidando.
É difícil apontar quais são as características que realmente aproximam estes dois mundo quando tudo parece tão óbvio e natural. Na maior parte do tempo que joguei os Uncharteds, não era comum pensar que este momento é uma referência clara a “Indiana Jones e o Templo da Perdição” e que aquele é exatamente como algo que vi em “Os Caçadores da Arca Perdida”, a semelhança é construída e fortalecida conforme o jogo e seu universo se apresentam. Então, naturalmente acontece aquela pausa que diz: “Eu já vi isso antes… Sim, isso é totalmente Indiana Jones!”