A série 007 teve um respiro de ar fresco com a chegada de Pierce Brosnan. Foram muitos anos entre ele disputar o papel na época de “The Living Daylights“, não conseguir por conta de seu compromisso com o seriado “Remington Steele”, e os filmes terem um hiato de 6 anos até finalmente ele ser anunciado como James Bond e estrear com o excelente “GoldenEye“, até hoje considerado um dos pontos mais altos de toda a série. A EON Productions não perdeu tempo em querer continuar esse sucesso e em apenas dois anos “Tomorrow Never Dies” foi lançado como a segunda aventura de Brosnan como o agente do MI6.
O desparecimento de um navio britânico perto de águas chinesas coloca o mundo em alerta. Cada um dos lados alega informações diferentes sobre a posição do navio e sobre a responsabilidade do sumiço, enquanto a mídia se esbalda com o escândalo e aproveita para extrair cada gota sensacionalista dos eventos. No entanto, o MI6 começa a investigar imediatamente a situação para evitar que uma guerra se inicie, ciente da influência do magnata da mídia e da informação Elliot Carver (Jonathan Pryce) na possível manipulação dos eventos.
“Tomorrow Never Dies” sempre foi um filme curioso para mim. Nunca tive dúvidas sobre “GoldenEye” ser superior ao mesmo tempo que sinto certo carinho ou apreço grande por algumas de suas qualidades, outras não muito. Definitivamente é uma obra marcante dentro dos mais de 60 anos da série, uma que chama a atenção por motivos pontuais, tal como a BMW 750iL de controle remoto e toda a sequência de ação em torno dela, assim como pela trama que, na superfície, parece mais uma versão da fórmula clássica e nos detalhes acabou se elevando e envelhecendo muito bem, tornando-se atual e razoável nos dias de hoje apesar de todos os exageros de uma história de espião fictícia. O tempo é cretino, e alguns dos detalhes que me fazem gostar menos do filme se perderam até que eu só lembrasse das partes boas e conservasse apenas uma impressão sutil, porém sempre presente, dos problemas aqui.
Mas não é como se os problemas fossem maioria aqui e precisassem de muita atenção. Na verdade, eles são minoria e bastante pontuais de um ponto de vista de fórmula, algo que “Tomorrow Never Dies” ainda segue a despeito de algumas quebras interessantes. Há o design de som, por exemplo, que parece ter recebido a menor quantia de orçamento de toda a produção e entrega os piores sons de soco, chute e pancada em geral de toda a série, provavelmente. Falta pouco para soltar uma risada quando os murros começam a voar, algo bem frequente na história, e se ouve algo diretamente de um banco de som do mais genérico, algo como baixar o pior efeito sonoro disponível no YouTube hoje. Sendo um 007 relativamente mais moderno, apesar de já ter quase 30 anos, era esperado algo melhor e um pouco mais realista do que sons que dão um ar de comédia tosca ao filme. Stamper (Götz Otto), um capanga absolutamente genérico que mais parece os restos de uma condensação de vários capangas do passado, certamente não ajuda nesse ponto. Ele é apenas um russo miliciano com sotaque ruim, falas piores e uma performance terrível que passa longe de deixar uma boa impressão.
Isso não pode ser dito do vilão principal, em contrapartida, interpretado belamente por Jonathan Pryce e demonstrando uma rara ocasião — até este ponto — em que o vilão deixa de ser alguém que apenas quer dominar ou destruir o mundo por megalomania. Agora o vilão não trabalha necessariamente com mísseis atômicos, cápsulas de veneno ou um alinhamento político comunista, “Tomorrow Never Dies” traz nada menos que James Bond enfrentando o próprio Cidadão Kane, alguém que trabalha principalmente com a manipulação de informação e até a manipulação direta de eventos a fim de ter um tipo de presciência do que está para acontecer. Mais do que ir atrás de um furo, o vilão quer criar as próprias notícias. Claro, sempre há um exagero na prática desses planos que não esconde sua natureza de parte de um 007 clássico, pois parte dos planos poderiam funcionar se não fossem as medidas extremas do personagem, e é justamente a parte menos exagerada que chama a atenção aqui por conta de como a mídia tem sido colocada em xeque por incompetência ocasional e hostilizada por vezes sem motivo concreto, posta como uma inimiga de sua função principal de informar. Quem diria que fake news e sensacionalismo seriam tão atuais quando esse filme foi feito em 1997?
Já no quesito ação, “Tomorrow Never Dies” não desaponta ao apresentar sequências criativas e ambiciosas, ainda que ocasionalmente muito exageradas, envolvendo o melhor de várias eras do personagem. Por um lado, Pierce Brosnan se caracteriza como uma amálgama de características de vários James Bonds do passado, demonstrando aqui a frieza de um Sean Connery, a agressividade de Timothy Dalton e o charme quase juvenil de Roger Moore num mesmo filme, isto é, cimentando sua interpretação do personagem como uma a ser respeitada e lembrada. O filme, por sua vez, demonstra um gama de diversidade similar na forma como entrega ação e vai além de se limitar a um truque só. Bond foge de rajadas de metralhadoras por corredores apertados e se diverte com uma BMW de controle remoto numa perseguição diferenciada, envolve-se em brigas mano-a-mano num espaço pequeno e foge de moto pelos telhados de Saigon. Ação clara, bem dirigida e empolgante, ainda que sofra por vezes por conta dos efeitos sonoros ridículos que dão um tom quase pastelão para as brigas, principalmente, algo que fere muito o filme por contar com Michelle Yeoh, atriz reconhecida por seus dotes em artes marciais e por fazer suas próprias cenas.
Às vezes queria que essa obra se levasse um pouco mais a sério. Pontualmente, é claro, e sem perder os toques de absurdo que caracterizam 007 pelos excessos e pela grandeza, talvez focando menos em tentar tornar críveis esses elementos e polir melhor outros que soam fora de lugar como o capanga russo superficial e caricato ou o design de som. Nada contra a excelente canção-tema de Sheryl Crow ou a trilha sonora de David Arnold, é apenas o barulho de soco que em vez de ser crocante e massudo, quebrando ossos e ferindo a carne, soa mais como um placeholder. Talvez nesse quesito seria bom ter um George Lucas em “Tomorrow Never Dies”.