Confesso que nesse ponto da série, estava achando minha maratona bem menos pior do que esperava depois de ver o primeiro algumas vezes. Minha previsão era de que até o quarto filme já haveria algum muito ruim, enquanto a surpresa foi ver que o segundo supera o original e o terceiro não é tão pior que os dois anteriores. Então chega “Hellraiser IV: Bloodline” com uma promessa ousada de ambientar uma história em tempos distintos e ligar todas a uma grande trama, com uma delas inclusive precedendo “Jason X” em 5 anos na idéia de levar uma série slasher para o espaço. Sim, a cidade grande não foi o suficiente em “Hellraiser III: Hell on Earth” e a solução foi levar o Terror para fora do planeta.
No ano de 2127, uma estação espacial guarda um segredo. O Doutor Paul Merchant (Bruce Ramsay) manipula uma caixinha de quebra-cabeça usando braços robóticos, mas seu experimento é interrompido na metade enquanto os Cenobites estão à solta pela estação. Seu objetivo é corrigir um grande erro que seu antepassado Philippe Lemarchand (Ramsay) fez ao criar a Configuração do Lamento no Século 19 e eventualmente falhar em anular sua criação. Em 1996, outro antepassado de Merchant encara as consequências de ter sua linhagem amaldiçoada por uma conexão íntima com o inferno.
Já é uma surpresa para mim ver que “Jason X” funciona com sua premissa diferenciada mas também sei que estou em minoria dentre os que gostam, eu e Roger Ebert num exemplo raro do finado crítico gostar de alguma coisa da série. Não é uma obra extraordinária nem nada perto disso, mas funciona bem considerando que a idéia imediatamente soa como desespero quando se pensa que é uma série de Terror dos Anos 80 que começou num lago no interior de Nova Jersey, foi para Nova York e agora vai ao espaço sideral por algum motivo. “Hellraiser IV: Bloodline” causa o mesmo temor, mas isso logo é tranquilizado quando se vê que a parte no futuro é apenas uma das partes da história, que demonstra uma ambição interessante na forma de três épocas diferentes conectadas pela mesma família e sua herança maldita, como diz o subtítulo. Melhor do que simplesmente largar Pinhead no meio da cidade grande e aplicar um filtro hollywoodiano em cima de tudo, o que, coincidentemente, também é parecido com “Sexta-Feira 13” que também foi para Nova York alguns anos antes de visitar o espaço.
Ainda não chega a ser o que eu chamaria de uma narrativa sofisticada apenas por apresentar uma diversidade de cenários funcionando como uma Antologia e uma continuação ao mesmo tempo. De começo, “Hellraiser IV: Bloodline” começa numa estação espacial com o infame cubo, a Configuração do Lamento. Sem demora, a história volta para o passado e apresenta os cenários extravagantes do Século 19, um tempo de maior inocência aliada também à uma crueldade generalizada e aceita. É aí que, finalmente, o filme abraça a chance de criar um novo Cenobite para substituir mais dignamente os que foram eliminados em “Hellbound: Hellraiser II“. Angelique (Valentina Vargas) é a Cenobite com maior presença na história de toda a série além do próprio Pinhead (Doug Bradley). De seu design interessante até sua escrita, encontra-se aqui uma personagem que serve de algo mais do que simples capanga por ter algum tipo de arco narrativo próprio em vez de ser apenas uma capanga ou pior, uma forma de datar seu filme fundindo demônios com aparelhos de CD e filmadoras.
Já é alguma coisa para uma série que infelizmente sofre de idéias ruins num universo fértil para a exploração de todo tipo de perversão sexual, hedonista e egoísta que poderia surgir da trama básica. “Hellraiser IV: Bloodline” se mostra um pouco mais rico nessa ousadia de sair do básico e encontrar uma forma de enriquecer sua própria mitologia retroativamente ao trabalhar o passado e também o futuro do que já foi visto. Ainda há bastante margem para melhorar e polir elementos como efeitos especiais e atuações generalizadas, ao passo que, por outro lado, há um entretenimento secundário de ver atores antes da fama e do prestígio atuando em filmes como este. Aqui, Adam Scott, que depois viria a fazer “Severance” e “Big Little Lies” tem um papel relativamente grande aqui e ajuda a melhorar um pouco a situação para o elenco coadjuvante.
O maior problema apontado pela maior parte da crítica na época, aparentemente, foi a incoerência da história. E até faz sentido. Por um lado, nada do que foi mostrado nos três últimos filmes é extremamente coerente e fechado, a série está longe de ser referência de roteiro. Muitas coisas nos anteriores não são bem explicadas e são apenas aceitas porque não chegam a ofender a suspensão de descrença, e acredito que em “Hellraiser IV: Bloodline” é a mesma coisa. O poder dos Cenobites de se teletransportarem pelo cenário é simplesmente esquecido em alguns momentos para que o filme não acabe do nada. Por algum motivo, eles estão presos à geografia como qualquer outro assassino padrão por pura conveniência de roteiro. Mas é o que é, e diante de outros crimes cometidos nos próximos filmes da série, isso não é nada.
No fim das contas, “Hellraiser IV: Bloodline” foi mais uma surpresa porque nesse ponto eu realmente achava que o nível estaria caindo rapidamente, sendo que a verdade estava mais próxima de uma quadrilogia de filmes que consegue manter o nível, mesmo que o este não seja dos mais altos. Quem estiver buscando uma experiência Hellraiser razoável, pode encarar os quatro primeiros sem muito sofrimento e até encontrar uma narrativa mais ou menos contínua entre eles. O problema aparece de fato deste ponto em diante.