Parte da minha desmotivação de querer continuar assistindo a todos os “Hellraiser” era o fato de eu já não achar o primeiro grande coisa. Se ele, frequentemente considerado o melhor, era apenas decente, então as continuações só poderia seguir dois caminhos: as continuações melhorarem o que foi feito não tão bem no primeiro; ou acontecer uma queda de qualidade com cada nova produção. O segundo caso costuma ser o mais comum, porém como se fala em séries de longa duração, às vezes acontece de haver tanta mudança, experimentação e evolução que alguma continuação qualquer acaba superando o original. “Hellbound: Hellraiser II” surpreende por ser imediatamente melhor que o original, preenchendo lacunas e desenvolvendo idéias pouco trabalhadas antes.
Imediatamente após os eventos do primeiro, Kirsty (Ashley Laurence) é enviada para uma instituição de saúde mental quando ninguém acredita em sua história sobre seu tio desaparecido voltar à vida com a ajuda de Julia (Clare Higgins) e as vítimas que ela atraía até seu alcance, muito menos sobre os demônios que aparecem quando uma caixa de quebra-cabeça é aberta. Ninguém acredita e todos acham que ela enlouqueceu, isto é, todos menos o Dr. Channard (Kenneth Cranham), que é secretamente obcecado por todo o folclore por trás dos Cenobites e seu culto. Ao ouvir o relato da garota, ele faz questão de ir atrás dos resquícios da cena do crime para ele mesmo saborear os prazeres proibidos pelo quebra-cabeça.
Um ponto interessante já de início de “Hellbound: Hellraiser II” é que ele começa imediatamente após o final do primeiro. Diferente de muitas das próximas continuações que apenas repetem uma mesma fórmula ou copiam elementos aleatórios sem muita coerência, essa é praticamente uma segunda parte que faz todo o primeiro soar como uma introdução rasa do que é desenvolvido aqui, preenchendo várias lacunas deixadas vazias e retificando partes mal explicadas para fortalecer a construção de mundo. Se talvez elementos desse segundo fizessem parte do original ou ao menos fossem sugeridas, minha impressão teria sido mais positiva e a maratona teria acontecido mais cedo. Acontece que a maior parte dos elementos interessantes estão nessa segunda parte, que consegue ser melhor que o original por uma margem pequena.
No fundo, “Hellraiser” e “Hellbound: Hellraiser II” funcionam como uma longa história de 3 horas, um é uma sequência lógica, literal e complementar do outro. As coisas antes eram tão mal explicadas que nem explicam direito a dinâmica central da série de resolver um quebra-cabeça chamado Configuração do Lamento para obter prazeres que o mundo terreno não pode oferecer. Aqui já fica mais claro que não é uma simples caixinha que, quando resolvida, causa a morte de quem a abre. Antes parecia apenas isso, tendo uma das poucas pistas sobre qualquer tipo de prazer nos trajes inspirados em bondage e BDSM dos vilões. É só aqui que se expande no conceito central de “cuidado com o que se deseja”, que se tornou slogan da série “Wishmaster” quase 10 anos mais tarde.
Há uma questão de desejo e satisfação, mas sempre envolvendo algo fora da compreensão mortal e que acaba sendo julgado como ruim por quem vê de fora. O que faz sentido, considerando que as entidades responsáveis vêm direto do inferno e proporcionar dor é o que eles entendem por prazer. É um tanto longe do que um hedonista qualquer buscaria, e por isso as coisas começam a fazer mais sentido conforme a essência dos próprios Cenobites se encaixa nessa busca intensa pelo desejo. É essa obsessão que pode acabar sendo a ruína do indivíduo, o levando a praticamente vender sua alma para o inferno sem saber. E com mais dinheiro no bolso, “Hellbound: Hellraiser II” aproveita para se esbaldar na representação visual do que é esse inferno em forma de pesadelo no qual os personagens acabam presos.
Todavia, “Hellbound: Hellraiser II” não é perfeito ou mesmo excelente em sua proposta. Alguns elementos continuam tendo uma execução questionável e às vezes até cômica. Aqui ainda havia uma intenção de fortalecer Frank e Julia como os vilões da série em vez dos Cenobites, que continuam com um papel coadjuvante, mesmo que mais bem encaixados na grande trama. Com isso, há poréns e poréns: os fãs eventualmente tiveram razão em escolher Pinhead como seu preferido, decisão que foi honrada no futuro. Julia como vilã funciona melhor como algo passageiro do que recorrente, e aqui já é possível perceber quão limitada ela é nessa posição em sua apenas segunda aparição. Basta contar quantas vezes ela tenta beijar alguém ao longo da história para perceber que é só isso que ela sabe fazer. Não é sensual como um súcubo de charmes irresistíveis, é só engraçado. Isso e uma falta de polimento que se nota aqui e ali são o que puxa a experiência para baixo e evitam que a expansão de conceito e de universo seja ainda melhor.
“Hellbound: Hellraiser II” consegue superar seu predecessor por explorar o universo criado por Clive Barker de forma que ciclos se fecham e outros elementos passam a fazer parte da narrativa, sendo explicados com um pouco mais de profundidade. Agora os Cenobites deixam de ser vilões ultra-estilizados sem personalidade ou função e explica-se quem eles são, o que fazem e por que estão ali. A história de Kirsty tem um pouco mais de fechamento e ela mesma ganha um pouco mais de importância do que tinha antes, previamente apenas a enteada da vilã que por acaso sobrevive e se torna a “final girl” da história. Ainda não chega num panteão dos slashers e continua abaixo dos pontos altos de outras séries como “Friday the 13th Part VI: Jason Lives“, “A Nightmare on Elm Street 3: Dream Warriors” ou “Halloween“, sendo possivelmente o melhor da série e apenas um filme competente.