Hellraiser vai à Hollywood. O terceiro filme ganha um bônus de orçamento e finalmente entra num patamar de sofisticação mais próximo de seus contemporâneos. Todo o ar de obra de baixo orçamento do original, o que para alguns poderia ser chamado de charme, some completamente aqui. Há um ar hollywoodiano no ar, como se os grandes estúdios tivessem finalmente descoberto do quem era o tal careca com pregos na cabeça e decidido que ele merecia sua atenção em uma produção maior e menos de nicho. “Hellraiser III: Hell on Earth” traz ambientações mais familiares, uma estética contemporânea e conectada à cultura do final dos Anos 80 e começo dos Anos 90, além de um toque não muito sutil de cultura pop com heavy metal na trilha sonora.
Depois de todos os Cenobites serem derrotados pelo Doutor Channard convertido em Cenobite, Pinhead (Doug Bradley) se encontra preso em um artefato chamado Pilar das Almas, uma escultura esculpida com rostos de demônios, criaturas, almas e o próprio Cenobite ao centro. Depois de sua derrota, ele é dividido em duas entidades diferentes: seu lado humano original, o Capitão Elliot Spencer; e uma manifestação de seu lado demoníaco, na forma do próprio Pinhead. Sem um contraponto, o lado maligno busca uma forma de se libertar do Pilar para o mundo e nunca mais ter de voltar para o inferno novamente.
Se por um lado esse é o Hellraiser com mais cara de alto orçamento até o momento, isso também possui um ônus. Não que isso aconteça com todo filme que tenha um pouco mais de dinheiro e envolvimento de estúdios grandes, porém é um efeito comum ver obras perderem parte de sua essência para se tornarem mais acessíveis, fáceis de entender e relacionáveis para a grande massa. Toda invasão alienígena tem que ser em Nova York, há necessidade de humor, explosões frequentes, alguma música conhecida e uma aliviada em qualquer tema mais pesado que possa desagradar alguma parcela da audiência e reduzir seu alcance. No fim, o saldo de ter uma injeção de Hollywood tem mais coisas negativas do que positivas a acrescentar, mas nada que chegue a tornar “Hellraiser III: Hell on Earth” uma experiência desagradável. É mais sobre sentir que o clima de lenda urbana dos anteriores funcionava melhor do que destruição total e iminente do planeta Terra.
Mas tudo bem: admito que o conceito inicialmente não me pareceu ruim. Afinal de contas, lembro que quando descobri a existência de “Friday the 13th Part VIII: Jason Takes Manhattan” havia ficado bem empolgado com a idéia de Jason Voorhees saindo por Nova York fazendo uma carnificina urbana, era para ser uma mudança de cenário agressiva que o tiraria de Crystal Lake e sua meia dúzia de jovens para uma cidade em que cada rua teria pelo menos 10 vezes esse número. Infelizmente, o resultado passou longe disso por vários motivos, principalmente incompetência. “Hellraiser III: Hell on Earth”, por outro lado, não precisaria falha da mesma e, inclusive, se sai bem melhor executando a idéia de deixar um vilão solto e sem amarras no meio de um centro urbano, mesmo que ainda não seja algo excelente.
O lado positivo é que finalmente é possível ter um gosto da promessa de caos urbano. Há momentos em que Pinhead realmente tira proveito da alta concentração de pessoas numa cidade e faz uma verdadeira chacina. Toda a sequência da casa noturna, por exemplo, satisfaz parte da vontade de ver a dinâmica slasher da série em um novo ambiente. E é basicamente isso. Embora seja melhor executado, ainda não é algo que faça o filme. Vícios de época e idéias ruins minam o que poderia ter sido um conceito renovado que não tenta apenas repetir o que já foi feito nos dois anteriores. Sendo a primeira continuação não conectada diretamente com os últimos eventos de seu predecessor, as possibilidades eram maiores. O que “Hellraiser III: Hell on Earth” faz, contudo, é cair num formato manjado e pouco ousado em vários sentidos.
O exemplo na foto acima é um perfeito representante de como “Hellraiser III: Hell on Earth” erra em coisas básicas que já foram melhores antes e agora receberam um filtro atualizado e não melhor por isso. Os Cenobites, que eram seres humanos convertidos em demônios por conta de seus desejos incontrolavelmente hedonistas, antes tinham uma aparência que remetia ao que eles representam: seres que regozijam-se em dor como forma de prazer. Isso significava um monstro tão esmagado e deformado que apenas os dentes apareciam no rosto, ao passo que outra criatura tinha a garganta mantida aberta por arames e a falava com voz rouca. Talvez tentando se mostrar como um produto dos Anos 90, agora há um Cenobite que nada mais é do que um ator usando tanta massa na cara que o resultante relevo horrível é visível, há um tipo de máscara de couro tapando alguma parte de seu rosto e de sua boca ele cospe CDs. Outro Cenobite é uma amálgama de humano e câmera de televisão. Porque sim. O conceito para o nascimento de demônios agora é feito de eletrodomésticos e cultura popular.
Outro exemplo de vício de época que nunca foi bom nem naquele tempo é o exagero em explosões. Muitas vezes a idéia de caos de “Hellraiser III: Hell on Earth” é simplesmente fazer tudo explodir. Carros, vitrines, televisores… fogo e muitas faíscas, faíscas demais até. Não sei exatamente qual era o mecanismo usado antigamente para efeitos práticos de explosão, porém é bem comum ver filmes do período terem muitas faíscas saindo da explosão. Aqui parece que se vai ainda mais longe.
Talvez o único aspecto novo que não me incomodou como outros foi a mudança na personalidade de Pinhead. Com um protagonismo maior do que nunca, ele passa a ter mais falas e muito mais tempo de tela. Agora o personagem se mostra menos rígido e preso a frases impactantes e demoníacas sobre sofrimento e sobre como ele tem muitas coisas guardadas para suas vítimas. Certo, ainda tem isso mas também um toque de humor na forma de bordões, respostinhas espertas e até cenas de sátira pura. Há quem não goste disso, eu achei algo que pelo menos destaca o personagem um pouco mais e até mesmo o ator Doug Bradley em meio a um elenco bastante medíocre, inclusive a protagonista, que só tem carisma e atua pouco. Havia ambição de sobra em “Hellraiser III: Hell on Earth”, só faltou um pouco mais de qualidade.