Aqui finalmente se chega ao ponto em que a série tem uma queda de qualidade para abaixo de um patamar bom. Se fosse uma análise no Rotten Tomatoes, este seria o primeiro filme que teria um qualificação Rotten, abaixo de 6 numa escala de 10. E ainda assim não é um dos piores, este é só o começo de uma infeliz sequência de deslizes que demora muito para passar e piora muito a ponto de me fazer repensar minha maratona. “Hellraiser: Inferno” marca a primeira vez de um lançamento direto para home-video, sem estreia em cinema. Já que “Hellraiser IV: Bloodline” foi abaixo das expectativas, os produtores tiveram a idéia de extrair o máximo de dinheiro de uma vaca magra até perder os fãs mais ferrenhos. Esse foi só o começo.
A história acompanha Joseph Thorne (Craig Sheffer), um detetive corrupto, inescrupuloso e libertino do departamento de polícia de Denver, na investigação de um crime que aparentemente é um assassinato ritualístico, um sacrifício. Na cena do crime, uma curiosa caixinha de quebra-cabeça que logo cai nas mãos do detetive. Eventualmente, sua investigação o leva ao rastro de um criminoso conhecido apenas como “O Engenheiro”, que aparentemente detém poder considerável no submundo e aparentemente está sempre um passo a frente do detetive, que usa todos os recursos, legais ou não, a seu dispor para o capturar.
Há dois fatos bem curiosos sobre “Hellraiser: Inferno”. O primeiro é que essa é a estréia de Scott Derrickson, diretor que viria a entregar “O Exorcismo de Emily Rose”, o remake de 2008 de “The Day the Earth Stood Still” e “Doctor Strange“. A outra é que aqui começa uma nova filosofia de produção: os roteiros começaram a não ser mais escritos exclusivamente como continuações de Hellraiser. Essa não é uma continuação da história como os quatro primeiros foram, de certa forma; mesmo que não linear, eles formavam um arco narrativo mais ou menos coeso com as duas aventuras de Kirsty, a libertação de Pinhead no mundo terreno e a eventual morte definitiva do personagem num futuro distante. “Hellraiser: Inferno” era provavelmente um roteiro Neo-Noir com com algumas boas ideias que acabou chamando a atenção do estúdio e sofreu adaptações para poder ser chamado de Hellraiser. É o que Doug Bradley alega. Derrickson nega e diz que o projeto foi vendido como parte da série desde o começo.
Seja qual for a verdade, a versão de que esse foi um roteiro adaptado depois de pronto para abraçar Pinhead (Doug Bradley), Chatterer e outros Cenobites parece mais próxima da verdade porque a grande parte da obra mal se parece com algo da série. Exceto por uma sequência no começo e outra no final, além de algumas pequenas cenas no meio, a história é um Neo-Noir em todos os sentidos, do protagonista policial de moral questionável até a ambientação de cidade perdida para o pecado, em que tudo se complica e o personagem parece afundar cada vez mais na desgraça. Mas em certo ponto ele encontra a Configuração do Lamento e, sendo um entusiasta por quebra-cabeças, é claro que ele tenta resolver.
Mas não é porque foi uma adaptação estranha que o resultado deve necessariamente ser ruim. Na verdade, o conceito até entrega resultados decentes e mostra promessa, quase convencendo de que uma jornada tão a fundo em outros gêneros poderia valer a pena. Por um momento, “Hellraiser: Inferno” se apresenta como uma história interessante, ainda que praguejada por atuações pouco competentes e um quê de superficialidade que beira o clichê. É estranho ver Nicholas Turturro, um coadjuvante, sendo melhor que Craig Sheffer no papel principal, que além de entregar uma performance apenas mediana ainda peca por não despertar simpatia nenhuma.
Num cenário ideal, esta seria uma oportunidade de diversificar as continuações e apresentar histórias dentro do universo de “Hellraiser” sem se prender tanto a uma narrativa linear, assim se evitaria esticar demais algo que já demonstrou sinais de cansaço cedo. As regras básicas estariam ali, com a Configuração do Lamento e os Cenobites fazendo parte da base e o resto da história podendo ir para lugares novos, sem se limitar à figura de Pinhead ou da mitologia envolvendo o Leviatã como apresentado em “Hellbound: Hellraiser II“. E a ideia soou tão bem que ela foi repetida pelo menos mais três vezes depois de “Hellraiser: Inferno”. Com resultados diversos, claro.
Se nem “Hellraiser: Inferno” consegue ser muito competente em sua proposta e este é o melhor dessa leva, a situação é triste e a pobreza de conteúdo, visível. O maior erro aqui é e execução de um roteiro decente que poderia ter sido mais bem dirigido. Escolhas estéticas bem típicas do começo dos Anos 2000 como usar filtros e cor de forma exagerada, além de decisões de direção que não só beiram como se entregam ao ridículo são os principais responsáveis pela dispensa da obra como algo facilmente ignorável e de aspecto trash. É aquilo que faz o espectador pressionar os lábios contra os dentes em decepção quando, por exemplo, o protagonista toma uma surra de um pistoleiro quase caubói do Século 21 e tudo parece uma grande comédia em vez de algo violento.
No fim, essa é uma história que soa muito melhor em texto do que quando vista na tela pela interpretação de Scott Derrickson. É a primeira vez que a série decepciona de fato e quando há uma queda perceptível de qualidade diante do que foi construído nos quatro primeiros, considerados um tipo de quadrilogia que marcam um ponto sem volta. Poderia ter sido facilmente algo melhor com um pouco mais de polimento para evitar as doses de cenas grosseiramente executadas.