“Hannah and Her Sisters” é amplamente considerado um dos melhores do diretor Woody Allen. Basta passar o olho pelos topos das listas e encontrar seu nome dividindo espaço com “Manhattan” e “Annie Hall“. Não concordo com isso. Não a princípio, não nessa primeira vez. Ainda é um trabalho muito bom. Divertido, bem escrito e bem interpretado, traz uma história típica do cineasta em um esforço que funciona melhor que a maioria, no mínimo. Queria ter gostado mais, mas confesso que não tinha muitas expectativas, positivas ou negativas, antes de assistir, então também não é como se houvesse alguma emoção em jogo na hora de assistir.
Hannah (Mia Farrow) tem duas irmãs: Holly (Dianne West), uma atriz caminhando para a meia idade sem sucesso em estabelecer carreira, e Lee (Barbara Hershey), a caçula que vive com um artista recluso muito mais velho que ela. Não está fácil para ninguém. A vida amorosa de Hannah um dia envolveu seu casamento com Mickey (Woody Allen), um hipocondríaco escritor de televisão que segue sozinho depois da separação, e hoje com o galante Elliot (Michael Caine). Mas nem esse novo casamento está livre de problemas. O relacionamento esfria e logo o homem se vê buscando a afeição de sua cunhada Lee, desencadeando uma série de conturbações nas relações já complicadas da família.
“Hannah and Her Sisters” conta uma história ambivalente. Ao mesmo tempo que ilustra alguns elementos de relacionamentos modernos — ou o que era considerado moderno em 1986 — o faz de forma exagerada e fictícia, afinal de contas não é todo dia que se encontra um ex-casal que mantém amizade, primeiramente, e muito menos um em que a mulher tenta arranjar sua irmã para o ex-marido. Ou então o marido atual se interessar pela cunhada. Parece até conteúdo de história erótica de internet. Claro que isso já deve ter acontecido alguma vez na história, talvez até mais de uma vez e talvez as histórias de internet sejam verdade. Só não é comum. Este não é bem o ponto. Trabalhos como “Sorrisos de uma Noite de Amor“, de Ingmar Bergman, também abordam o conceito de casais líquidos sem dor de cabeça. Também tem sua cota de surrealidade. E também é um bom entretenimento.
A trama em si não é o maior atrativo aqui. O Oscar de Melhor Roteiro não necessariamente premia a melhor trama com a mais extraordinária sequência de eventos. Já falei algumas vezes aqui sobre as diferentes qualidades que tornam uma história boa, algo que tem diretamente a ver com o gênero da obra e, mesmo assim, ainda é bastante variável porque existem incontáveis dramas bons, por exemplo, com estruturas nada similares. O brilho do roteiro de “Hannah and Her Sisters” está em seus personagens. Não há um que seja classificado normal em padrões cotidianos. Um que seja morno, por assim dizer, em termos de cinema. Todos são desequilibrados, estranhos, problemáticos, engraçados, peculiares ou apenas coloridos, como é mais fácil descrever. São adjetivos e personagens demais para descrever um por um, até porque a graça é descobrir na prática como todos se relacionam.
Parece até um começo de piada: “O que uma mãe de dois filhos, uma falida aspirante a atriz, uma jovem das artes têm a ver com um homem de negócios, um roteirista de TV e um artista plástico antissocial?”. Aparentemente, têm tudo em comum. Ou mais que o suficiente para entrarem em atrito comicamente. O melhor de tudo é que seus conceitos ganham vida e energia para além de sua escrita nas mãos de atores de primeira linha. E não só porque há famosos e respeitados no elenco, até aqueles que menos populares fazem um trabalho incrível nessa orquestra de idas e vindas de romance. Como não simpatizar com gente tão divertida a sua própria maneira? Eles não tentam ser exatamente engraçados ou entreter pelo prazer do ato, apenas são inseridos em um contexto inusitado que torna suas qualidades cômicas. Sem tais personagens elementares, “Hannah and Her Sisters” seria uma experiência bem menos satisfatória, sem dúvida. Insatisfatória até. Relacionamentos são complicados quando há dois caráteres bem distintos em conflito; são interessantes quando os indivíduos são mais que distintos, imperfeitos; e são divertidos quando inseridos em situações que extraem a vida dessas qualidades. De nada adiantaria alguém ansioso num ambiente calmo, controlado e confortável.
Ou talvez até adiante. Woody Allen interpreta seu clássico personagem neurótico que nem precisa de motivo para se preocupar com qualquer coisa, ele comicamente encontra razões do além para estar inquieto nos intervalos entre trechos da vida das três irmãs e suas aventuras, achando que está a caminho de encontrar a morte porque seu espirro soou diferente. Tudo depende de quem se está falando. Qual seria a graça de um consultor financeiro em um filme que não “Wall Street“? Ele encontra lugar aqui em Michael Caine interpretando um homem de sucesso profissional e atual esposo de Hannah. Seria um estereótipo do homem que oferece estabilidade e segurança em oposição à neurose do marido anterior e só, porém adquire um papel maior quando bate os olhos na irmã da esposa. É a situação peculiar da cunhada também ser uma pessoa atraente e ter que conviver com ela porque faz parte da família, saindo do imaginário para ver no que dá quando se concretiza. “Hannah and Her Sisters” traz um gosto dessa fantasia muitas vezes não realizada de forma engraçada sem nunca perder de vista um toque de vida real. Assim como “The Purple Rose of Cairo“, há uma âncora de realidade como efeito dramático para todos devaneios impossíveis do enredo.
Tudo soa muito bem em “Hannah and Her Sister” e, no entanto, não sinto segurança em dar uma nota maior. Não pude identificar algo com que me incomodar de fato para justificar uma falta de entusiasmo nem sentir que uma nota muito alta seria aplicável. Pode ser mais uma ocasião em que a segunda vez elucida melhor as qualidades da obra, só o futuro dirá. A quem busca saber o que pode encontrar aqui, é um filme que, mesmo não disputando pelo topo da carreira de Woody Allen, ainda é bem competente. Sua direção firme acerta sempre no tom que se busca extrair da história e dos atores, além de trabalhar com um elenco premiado elevando todo o rol de personagens acima do roteiro inteligente e também premiado. E, sim, foi aqui que Michael Caine ganhou seu primeiro Oscar e não pôde receber porque estava gravando “Jaws: The Revenge”.