“On the Road” é uma adaptação que ficou mais de 50 anos em gestação. Quando Jack Kerouac escreveu seu livro homônimo, enviou uma carta de uma página para Marlon Brando sugerindo que ele interpretasse um dos papéis principais com o autor no outro papel principal. Nada aconteceu e o projeto ficou no limbo até 1979, quando Francis Ford Coppola comprou os direitos e passou a trabalhar com uma série de roteiristas na tentativa de escrever um roteiro que capturasse o estilo do trabalho original, algo aparentemente muito difícil, considerando o número de mãos envolvidas. Diretores e atores vieram e foram até que finalmente Coppola contratou o brasileiro Walter Salles em 2007 como diretor do projeto, o qual ainda conseguiu sobreviver à Crise de 2008 até ser lançado em 2012.
O filme começa na estrada. Sal Paradise (Sam Riley), um jovem artista com inclinação para a escrita, caminha pelo acostamento e pega carona num caminhão cheio de fazendeiros suados, cansados e abatidos, com só um pouco de energia restante para contar histórias e dar umas risadas. A história, todavia, começa antes, quando Sal enterra seu pai. Ele conhece Dean Moriarty (Garett Hedlund) pouco tempo depois e se vê seduzido pelo seu estilo de vida feral e inconseqüente, logo começa a viver um estilo de vida novo, um pouco em cada canto, em todos os lugares e em nenhum específico por muito tempo. A estrada e a viagem passam a ser as constantes , todo o resto já não importa mais tanto.
Curiosamente, “On the Road” não foi muito bem recebido. A média no Metacritic está em 56 e vários críticos apontaram que essa aguardada adaptação não faz jus ao trabalho quintessencial de Jack Kerouac. Particularmente, nunca havia ouvido falar do filme, o que pode ser indicativo de que ele não fez muito barulho em seu lançamento, mesmo sendo de um diretor brasileiro. Não que eu seja parâmetro, pode ter simplesmente passado debaixo do radar, ao passo que as notas são possível indicativos para uma notoriedade baixa. Não concordo com tal recepção, é mais severa do que minha opinião final acabou sendo, embora facilmente compreensível, pois os motivos estão bem ali.
Começa pela estrutura geral da obra: solta, sem rumo, sem destino aparente ou objetivo para todo o vai e vem. Sem saber da recepção morna enquanto assistia, estranhava esses momentos recorrentes em que parecia que o investimento de tempo não estava sendo recompensado ou, no mínimo, mostrando promessa de ser. Esses são os momentos que denunciam uma da qualidades menos apreciáveis da obra, seu enredo solto e sem foco. Faz sentido com o espírito da obra e dos personagens de serem andarilhos, viajantes em busca de nada em particular; a narrativa segue eles por onde vão e acaba zanzando por aí sem propósito aparente. “On the Road” não busca explicitar qual sua intenção, mensagem, ponto ou objetivo como a maioria. Cabe ao espectador fazer um esforço a mais para extrair o conteúdo.
No entanto, isso não quer dizer que “On the Road” é um filme profundo, de várias camadas, que instiga um pensamento a mais por parte do espectador porque há mais a ser encontrado debaixo da superfície. Nesse caso, é mais uma questão de sucatear, de esforço de fato para encontrar algo que não aparece naturalmente. Tanto é que, provavelmente, o ponto alto da experiência acaba sendo a interpretação de Garrett Hedlund como Dean Moriarty e o arco do personagem, ambos se sobressaindo diante daquele que supostamente deveria ser o protagonista, Sal Paradise, e se mostra mais como um espectador da história de seu amigo. Talvez tenha sido essa a intenção? Ou não, talvez uma anomalia aconteceu e resultou num acerto inesperado na narrativa, que ganhou algum sentido com Dean tornando a história mais um estudo de personagem de um avatar de sua geração. É só por ele que boa parte da aleatoriedade da narrativa se justifica, relativamente. Não vou tão longe a ponto de dizer que tudo se amarra num grande todo coerente, pelo menos ameniza a impressão negativa de antes e conecta o teor aleatório da obra com a personalidade inconseqüente de Dean.
Tenho um grande problema com o Design de Produção de “On the Road”. A história começa em 1947 e termina em torno de 1950, mas em nenhum momento parece que se passa nessa época. É estranho. Esse não é o exemplo mais conservador de figurino como outras obras dos Anos 40 e seus guarda-roupas dominados por ternos, calça cós alto e gravata larga, e vestidos para todas as ocasiões. Não chega a ser impreciso, trazendo itens de outras épocas. Cenas isoladas revelam que não há nada errado com o Hudson dirigido pelos protagonistas ou com a decoração e arquitetura dos ambientes visitados, todos se passam como elementos de seu tempo. Mesmo assim, a ilusão de uma época diferente é das fracas. A produção definitivamente não é um dos pontos fortes da obra e sua dependência de componentes visuais que transmitem apenas uma aparência genérica aos lugares mostrados. Se os lugares se passam como 1947, são como os lugares de filmagem menos inspirados de 1947.
Ironicamente, a cinematografia é uma parte elementar do visual da obra e, diferente da produção, tem sucesso notável em sua proposta. Confuso, sim. Por exemplo, dizer que o filme tem visuais bonitos é uma afirmação muito abrangente e pode significar tantas coisas. Seriam os efeitos especiais que atraem, a iluminação, o uso das cores ou os cenários que alimentam essa afirmação? Ou tudo isso e mais, adicionando enquadramentos estilizados e uma mise-en-scène organizando o caos diante da câmera? Bem, a questão peculiar é que “On the Road” vai mal na recriação dos Estados Unidos pós-guerra, mas é um filme bonito. É como fotografar um objeto não tão interessante e o fazer de forma que a estética fique agradável. Mais ou menos o mesmo princípio de muitos fotógrafos ditos conceituais, que enquadram cenas pela metade e itens aleatórios que ficam bonitos. Exceto que essa é uma comparação exagerada e o conteúdo de forma alguma é irrelevante. Não impressiona, porém agrada os olhos.
Não li o livro. Aliás, nem o conhecia até decidir assistir ao filme por recomendação de um amigo, que comentou ter lido a obra de Jack Kerouac uns anos antes. Foi só depois, durante minha pesquisa, que descobri que é uma obra respeitada e importante da literatura americana por ser representante da Geração Beat, um movimento cultural que se torna conhecido através de um exemplo ilustrativo como o livro ou o filme. “On the Road” pode não ser um filme perfeito e, pelas avaliações, parece ter sido aquém de uma adaptação à altura do livro, porém consegue fazer o espectador compreender razoavelmente o estilo de vida diferenciado dos artistas boêmios, errantes e um pouco auto-destrutivos. Por vezes uma experiência lenta demais e tão sem direção quanto os protagonistas, ainda é possível encontrar eficiência de um ponto de vista amplo de narrativa e sucessos menores em outros aspectos para salvar o longa de ser uma decepção.