“Hombre significa homem… Paul Newman é Hombre!” É isso aí, Paul Newman é o cara. O publicitário que teve pensou nesse slogan e o estampou gigante no pôster como se fosse algo genial não é o cara. É engraçado sem querer, pelo menos. Ninguém deve ter pensado que o ator teria um papel menor do que o protagonista másculo, provavelmente deduziriam que ele seria o tal homem do título. Ou será que se viu necessidade de tradução? Não sei de nada além de que é hilário ver o próprio filme tentando reafirmar a posição de Newman. Até porque nada se explica até que o diretor deseje que a audiência entenda de onde saiu o título. É como esperar M enviar James Bond numa missão secreta chamada “Thunderball” e ouvir o clique satisfatório no cérebro quando o título faz sentido.
Nascido homem branco e criado por uma tribo de Apaches, John Russell (Paul Newman) escolhe não viver na sociedade civilizada para ficar entre aqueles que o tornaram quem é. Depois de anos isolado, Russell recebe as notícias sobre a morte de seu pai e a herança que deixou, então faz uma visita para oficializar os procedimentos. O retorno para sua terra o coloca num transporte com gente que desdenha dele por sua criação e o tratam mal mesmo sem ele ter feito nada. Mas quando uma quadrilha de bandidos assalta a carruagem, todos vêm a depender do homem para salvar suas vidas e fazer alguma coisa a respeito.
Coincidência é assistir a “Hombre” na mesma semana que ouvi que faroeste é um gênero de homem branco matando índios. É uma simplificação criminosa de um gênero tão velho quanto o próprio cinema, passando por fases demais para listar e evoluindo conforme a linguagem cinematográfica, a tecnologia e o público passavam por mudanças. Pude mencionar “Little Big Man” e “Dances with Wolves” como exemplos diretamente contrários à afirmação e gostaria de poder ter mencionado essa outra obra também. Procurei poucos detalhes além da reputação como motivação para assistir e fui surpreendido com uma história que aborda o preconceito cego e burro diretamente, quase exclamando que não há nenhuma retratação indigesta a ser encontrada aqui.
Há Paul Newman a ser encontrado em “Hombre”. Irônico? Sim. O ator é um grande nome do cinema, branco e atraente, com olhos claros e um sorriso que arrancou muitos suspiros em seu tempo, aposto. Dificilmente a figura imaginada em uma história sobre Apaches. Sua presença é uma incógnita inicial que se resolve quando o roteiro demonstra seus planos para ele. Sem tentar se passar por Apache como John Wayne interpretando Genghis Kahn, o personagem é um homem branco criado nas tribos das montanhas que adota seus costumes e eventualmente escolhe aquele estilo de vida por vontade própria. A interessante virada é seus irmãos de pele praticarem nele as ofensas que seus irmãos de alma sofreram tantas vezes. Pouco importa para os agressores o nome do homem ou sua cor de pele, ele escolhe viver entre eles e assim é tratado como um deles.
Por si, já é uma inversão de papéis e tanto, a agressão irracional alimentada por convicções ignorantemente cruéis tomando um alvo diferente: ninguém menos que o protagonista da história. Seria uma forma de tentar vitimizar o homem branco ao colocá-lo numa situação que não é sua? Acredito que não. A idéia de “Hombre” soa mais como um acerto de contas de um povo com si mesmo, reconhecendo seus erros e os expondo. É uma dose do próprio veneno na forma de uma pessoa que sofre as agressões… e também revida. Até um ponto o roteiro tinha uma idéia interessante, então passa a mostrar os dentes.
O protagonista não tem o mínimo problema em devolver os ataques que recebe. Com graça e classe que nunca seriam atribuídos a gente como ele, sem partir para a violência em um impulso descontrolado no primeiro sinal de provocação. Ouve-se muito e ignora-se muito até o roteiro inteligentemente inverter a situação de novo e apresentar novas ameaças que deixam as verbais de lado, mas nunca esquecidas. “Hombre” destaca-se pelo retrato de seus personagens sem seguir clichês de gênero para além das convenções mais básicas. A cena mais tradicional é um assalto a mão armada e só. Nunca poderia fazer críticas contra a originalidade aqui. Moralidade, embora objeto freqüente de discussão no gênero, ganha renovado significado em um rol de personagens de várias faces.
Se há algo como pessoas boas e más, os conceitos perdem um pouco o sentido em “Hombre”. Arrisco dizer que esse é um faroeste que chega muito perto de poder ser chamado de realista. Nem mesmo a violência é tão simples como atirar e o alvo já cair morto. Sequer existe alguém mais rápido que o vento no mundo. O suposto herói tem algo a ganhar em seus atos, outros escondem covardia e incapacidade em palavras bonitas e assim nasce uma moeda de troca chamada interesse. Antes até poderia haver heróis e vilões, um mundo sem lei desafiado por alguns poucos movidos pelo altruísmo, pelo dever, pela honra e pela coisa certa a se fazer. Muito do que se conhece sobre o Velho Oeste é desafiado nesse surpreendente trabalho de Martin Ritt novamente em parceria com Paul Newman, que dessa vez abre mão de muito do charme de “Hud” e “Cool Hand Luke” para conservar uma parcela ínfima e não cair no cinismo completo.
Os últimos faroestes que vi foram um pouco decepcionantes no sentido de nenhum entrar para os melhores. Vários foram apenas bons, decentes sem corresponder à expectativa criada quando vi tantos elogios sobre eles em outros lugares. Talvez eu estivesse desiludido, por isso não esperava que “Hombre” se mostrasse excelente a ponto de marcar lugar em uma das posições mais altas da lista. Um faroeste revisionista reavaliando a imagem dos nativo-americanos no gênero e fazendo um ótimo trabalho nisso, favorecendo o argumento enaltecedor e o aplicando com maestria na história a despeito da falta de atores indígenas, cuja falta pode ser sentida por alguns espectadores. Sempre melhor um roteiro com cenas como a do cachorro do que mil participações no elenco preenchendo exigências.