A organização secreta conhecida como Spectre se reúne mais uma vez para colocar seus planos de dominação global em ação. Dessa vez, o líder designa Emilio Largo (Adolfo Celi) para seqüestrar um jato da OTAN e obter as duas ogivas nucleares contidas nele a fim de chantagear a organização. Se 100 milhões de libras não forem pagas à Spectre, uma grande cidade americana ou britânica será obliterada pelas bombas. Os Agentes 00 são reunidos para investigar o caso e encontrar as ogivas e os responsáveis pelo plano antes que seja tarde demais. Missão codinome: Thunderball. James Bond (Sean Connery) é enviado para as Bahamas, onde logo encontra o rastro dos terroristas.
Tirando os círculos de fãs de James Bond, “Thunderball” costuma cair no limbo dos tais filmes antigos de James Bond pouco comentados. Foi o primeiro lançamento depois de três produções notórias em seu tempo e que mantêm sua fama até hoje: “Dr. No” por ser o primeiro de todos; “From Russia with Love”, a primeira continuação e um freqüente ocupante dos primeiros lugares de listas; e “Goldfinger“, freqüentemente tratado como o filme quintessencial da série, o genitor da maior parte das características que definiram uma identidade. É difícil se destacar depois de três estouros desses, mas motivos surgiram para manter a quarta missão de Bond em alta; se não pelo conteúdo, então por circunstâncias paralelas. Simplificando, Ian Fleming teve problemas com direitos autorais do livro que serviu de base para esta aventura, o que acarretou em uma série de processos e a eventual produção de “Never Say Never Again“, uma readaptação não oficial da história original estrelada por Sean Connery depois que Roger Moore já havia assumido o personagem.
Claro, a história é bem mais longa que isso e perdurou até 2006, quando o principal responsável pelas brigas legais faleceu. O assunto é freqüentemente ressuscitado quando se fala em “Thunderball”, mas não é como se fosse o único motivo para discutir o longa, que está entre os melhores dos seis filmes oficiais de Sean Connery no papel. Entretanto, a impressão positiva final não está presente em toda a obra, que em alguns pontos se mostra um pouco desinteressante a despeito de não cometer nenhum erro notável. A primeira seqüência já demonstra os problemas de edição e direção que viriam a ser freqüentes. Novamente, não se trata de um erro crasso, e sim de competência apenas aceitável. Reflexo disso é esta seqüência inicial — assim como outras — funcionar a despeito de uma direção bagunçada atrapalhando a fluidez da troca de murros. Similarmente, a edição freqüentemente mostra traços de preguiça na fluência do movimento e principalmente nas transições, chegando a repetir o “wipe” à exaustão e às vezes em um intervalo pequeno.
Estes detalhes técnicos dão um ar sujo e menos proficiente a uma produção que não tem nada disso nos cenários paradisíacos em Bahamas. Enquanto a cinematografia se mantém consistente, as verdadeiras jóias da magia visual intensa de “Thunderball” demoram um pouco mais para aparecer. Não é de graça que a descrição James Bond debaixo d’água surgiu, pois é esta a principal carta e diferencial da obra. Existem momentos normais, sim, mas são as seqüências subaquáticas que roubam cena por conta da dinâmica diferenciada da ação. Há quem diga que fases aquáticas em video games nunca prestam e que o mesmo vale para a maioria das coisas. As seqüências vistas aqui apresentam um caso forte contra essa tendência através de sua execução admirável.
Mas não era a direção um dos problemas notáveis de “Thunderball”? Sim, a diferença é que todas as partes na água foram dirigidas por Ricou Browning, um especialista em cenas aquáticas. Ele traz consigo uma equipe inteira de mergulhadores para orquestrar as cenas, que inicialmente só parecerem cenas de mergulho comuns, algo que certamente não são. Comparando com o que há mais adiante, é fácil dizer que as primeiras não têm tanta graça, mas já quando aparecem são picos bem-vindos de interesse elevado. Afinal de contas, é uma forma diferente e, mais importante, competente de experimentar a ação da história. O clímax do filme se passa quase inteiramente no oceano e prova ser a melhor parte. São cenas bonitas em caráter estético e sem falhas no aspecto prático, sendo possível apreciar perfeitamente a orquestração da batalha aquática entre dois grupos empunhando arpões, facas, veículos de propulsão e até um apetrecho típico de Bond. A história de fato dá algumas patinadas até finalmente entrar num ritmo agradável, mas eventualmente chega lá.
Quanto à lista de elementos clássicos da experiência 007, ela traz apenas bons exemplos em “Thunderball”. O próprio Bond traz Sean Connery em plena forma: confortável no personagem, não sujeito a nada ridículo e com os bordões afiados como nunca. Há um ótimo vilão a ser encontrado em Adolfo Celi como o agente Spectre de tapa-olho, Emilio Largo, e personagens igualmente interessantes nas Bondgirls Domino (Claudine Auger) e Fiona Volpe, as quais trazem a feliz combinação de beleza, atuação e função na história. A impressão é tão positiva que nem dá para perceber que dois destes atores são dublados — Celi e Auger. Assim como Gert Fröbe em “Goldfinger“, os esforços se misturam bem à performance física e não atrapalham a gênese de bons personagens. Pelo contrário, a fortalecem.
Ignorando completamente toda a controvérsia sobre direitos autorais, ainda há outras razões para considerar “Thunderball” em maior estima. Ainda que não seja o primeiro trabalho de Maurice Binder fazendo as seqüências de créditos, foi aqui que a identidade visual delas nasceu de fato. As mulheres nuas em silhueta e o texto, fundo e cores girando em torno de um tema central ainda não existiam em “Dr. No”, trabalho prévio de Binder. Ademais, ainda hoje é o filme que mais arrecadou na bilheteria ajustada para inflação, um indício de que ao menos o público foi aos cinemas para ver algo bem diferente de histórias de fora do set. Enfim, trata-se de um bom exemplo de 007 acertando nos mesmos aspectos clássicos em que vários outros erram.