Minha primeira lembrança de “Jason Goes to Hell: The Final Friday” é ficar fascinado com a máscara metálica da capa e já sair da locadora com o VHS. Quando sentei para assistir, minha prima de 2 ou 3 anos entrou curiosa no quarto e saiu correndo apavorada com a música dos créditos iniciais. Até hoje essa é a primeira vez que vi alguém se assustar com texto e música. Minha primeira decepção foi ver que não há máscara de metal alguma, a segunda foi com o filme em questão. Então pensei que era meu gosto de criança de 12 anos não era confiável e decidi ver de novo. Em todas as outras poucas vezes que vi o filme de novo, tive a confirmação que, sim, era uma porcaria. Qual a razão para achar agora que depois de uns 10 anos sem assistir ele seria menos pior? Não sei, mas em algum momento desse tempo achei que talvez o ódio fosse excessivo. Não é.
Jason Voorhees (Kane Hodder) sobrevive inexplicavelmente à torrente de lixo tóxico em Nova York anos antes e volta para seu covil em Crystal Lake. Entretanto, seus atos não passam despercebidos e as autoridades finalmente decidem se mobilizar para neutralizar essa ameaça que há anos tira a vida de adolescentes da região. O FBI prepara uma armadilha e usa todo seu poder de fogo: metralhadoras, revólveres, rifles, pistolas e até explosivos. Jason é feito em pedaços e seu terror chega ao fim. Supostamente. Novos assassinatos no mesmo estilo do assassino voltam a surgir na área e os membros de uma família específica de Crystal Lake são perseguidos em especial. Apenas um caçador de recompensas, Creighton Duke (Steven Williams), conhece os segredos necessários para mandar Jason para o inferno de uma vez por todas.
Quis evitar revelar muito sobre a história de “Jason Goes to Hell” no parágrafo passado e não sei a troco de quê. Todos os comentários sobre ele, literalmente todos, são sobre a idéia imbecil número um do roteiro, parecido com a “Parte V“: não ter Jason de novo. Como se não fosse uma lição clara o bastante antes, é tomada a decisão de levar a série para caminhos diferentes da fórmula repetida oito vezes antes, para caminhos ridiculamente diferentes. Ao menos o quinto filme tenta enganar o espectador por uns momentos ao fingir que o assassino é o mesmo dos quatro primeiros, mesmo sem dar explicação alguma para seu retorno. É só no fim que se revela o impostor e sua motivação para matar os jovens do centro de reabilitação. Não que isso seja o melhor dos exemplos, ele é ainda pior como um todo por outras razões, a execução pobre agravando vertiginosamente um conceito indesejado desde o começo.
“Jason Goes to Hell” tem um conceito pior, em comparação, e uma queda pouco menos dura em outras áreas. A primeira besteira não poderia ser mais evitável como errar aparência de Jason Voorhees. Tudo bem, “Sexta-Feira 13” nunca manteve uma continuidade boa entre filmes. Nunca se explica, por exemplo, por que o dono do iate do começo da “Parte VIII” tem uma máscara de hóquei quase igual a que Tina Shepherd destrói na “Parte VII“, inclusive com a marca de machado no lado esquerdo. O erro aqui é mais crasso, erram o olho que tomou um golpe de facão na “Parte IV” e às vezes até mostram os dois olhos saudáveis. Mesmo assim, não é coisa grande nem a primeira vez que acontece. Seria ignorável se não sinalizasse uma tendência ao descuido que vai desde as coisas pequenas até as maiores e mais importantes.
A idéia do FBI estar envolvido resulta em uma das cenas mais ridículas de toda a franquia. De longe. Não há nada maneiro em um esquadrão tático inteiro descarregando pentes de bala em Jason e depois derrubando uma bomba do céu — sabe-se lá de onde — para explodir o maníaco. No fundo, não passa de figurantes ruins interpretando o estereótipo de policial casca grossa e Jason Voorhees gemendo enquanto é alvejado. Sim, ele geme. De quem foi essa outra idéia imbecil? Não é um personagem complexo. Não é difícil manter a consistência. Com certeza não é impossível fazer um personagem conhecido por ficar calado não falar nada. Mais um sinal dos erros pequenos abrindo espaço para outros mais significativos. Considerando o tempo de tela do vilão, talvez até fosse possível dar uma colher de chá, isto é, se o resto dos efeitos sonoros diversos também não fosse horrível.
E isso é apenas o começo do filme. Então se apresenta aquilo soou como uma idéia muito boa para Sean S. Cunningham, diretor do original e produtor neste, que a defende no documentário “Crystal Lake Memories“: Jason Voorhees se transforma numa entidade que precisa possuir corpos hospedeiros até achar alguém de sua família e renascer como antes. De um portador de facão a um parasita que salta de corpo em corpo. Não precisa dizer que a recepção para essa idéia foi atroz. O assassino deixa de ser protagonista em seu próprio filme, ou melhor, se torna um plágio estranho de “Invasion of the Body Snatchers”. Os hospedeiros agem como o assassino: rígido, travado, quase invulnerável e brutal. Exceto que não é exatamente a mesma coisa. Primeiro porque são atores diferentes com maquiagem tosca, segundo por causa de algumas bizarrices como Jason possuído tirar toda a roupa de uma vítima, prendê-la numa máquina quase sadomasoquista e… fazer sua barba? Isso nunca aconteceria antes e soa esquisito até mesmo nesse.
É mais fácil dizer que quase tudo está errado. Até nos momentos em que seria intuitivo dirigir a cena de um jeito normal — dentro dos padrões do Terror e conveniências da série — parece que há a intenção de arruinar as chances. Chutar o saco de Jason e desferir murros em sua máscara? Pois é. As atuações serem ruins até para o padrão de terror slasher também é um peso contra, com vários coadjuvantes atrapalhando com suas personalidades caricatas, diálogos absurdos de tão ruins e performances que, pensando bem, não tinham para onde ir. As mortes não são tão fracas — melhoram levemente na versão sem cortes — e a trilha sonora se mantém firme como um dos aspectos incorruptíveis da série. E só. Ainda é pouco para redimir “Jason Goes to Hell” com seu grande problema de conceito e outro tão grande quanto de execução. De onde surgiu a idéia do assassino ser uma essência do mal e como diabos um caçador de recompensas famosinho sabe tudo a respeito de como mandá-lo para o inferno?
“Jason Goes to Hell” ainda tenta fazer homenagens a outros filmes de terror famosos enquanto tenta e falha tirar sarro de si como a “Parte VI” fez tão bem. O Necronomicon de “Evil Dead” está aqui, uma caixa no porão da casa faz referência a “Creepshow”, o ataque ao motorista na janela do carro parece com a mesma cena da “Parte III“, o homem derretendo lembra muito “Hellraiser”, há uma tomada de decapitação bem parecida com a de Pamela Voorhees no primeiro, a câmera em primeira pessoa do demônio entrando no meio das pernas da mulher retoma “Evil Dead” novamente, entre outras que posso ter deixado passar. Isso tudo tem valor de curiosidade apenas, porque é insensato dizer a obra honra o legado da série de algum jeito. A única referência boa mesmo foi a luva de Freddy Krueger finalmente dando um sinal verde para o conflito que viria em “Freddy vs. Jason”.