Não gostei tanto de “West Side Story” quando vi pela primeira vez. Foi bom, que não haja engano, e apenas isso. Os visuais possuíam cores atraentes e vivas, a produção gigante era perceptível na escala dos números musicais e de todos os sets, a energia da narrativa também transparecia e comunicava sua mensagem com a maior clareza. E mesmo assim algo parecia fora. Certo o bastante para proporcionar uma experiência positiva e muito acima da média, talvez não a ponto de justificar os 10 Oscars vencidos em 1962, alguns até hoje não parecendo totalmente merecidos. Sua reputação e a certeza de que a impressão mais forte foi a boa foram as únicas razões para querer revisitar este que é considerado um dos melhores musicais de todos os tempos e, sim, a segunda vez foi um tanto melhor que a primeira.
Um bairro de Nova York se encontra dividido entre os Jets e os Sharks. O primeiro é uma gangue de americanos que alega ter lutado e suado para conquistar seu pedaço de território do qual se orgulham tanto, ao passo que os outros são uma gangue de imigrantes porto-riquenhos tentando ganhar a vida e conquistar seu espaço na cidade. Nenhum mostra intenção de flexibilizar suas intenções. Suas vidas devotas à gangue dependem de um orgulho que não pode ser quebrado pela presença de um elemento estranho em seu meio. O clima esquenta e beira o conflito várias vezes, algo que não vai nem um pouco de acordo com o futuro de um jovem casal que nasce quando Maria (Natalie Wood), do Porto Rico, se apaixona por Tony (Richard Beymer), americano.
Existe toda uma história associada à primeira vez assistindo sobre o estado de espírito que “West Side Story” proporcionou em mime o que isso me inspirou a fazer depois, portanto, por mais estranho que pareça, é um sinal de que alguma coisa deu certo na história. Se o propósito básico de qualquer cena, seqüência, ato ou obra é proporcionar certo sentimento específico, então até mesmo na primeira vez houve certo sucesso a despeito de qualquer ressalva. O fato de eu ter começado o site dias depois de ter assistido também ajudou para uma revisita não ter acontecido tão cedo, o que resultou numa opinião pouco embasada sem muitos porquês para justificar a opinião, exceto talvez pelas canções não terem sido tão marcantes em um primeiro momento. Até isso mudou numa segunda vez.
O começo de “West Side Story” já mostrou como a experiência seria diferente. Lembro que minha impressão sobre o primeiro número havia sido morna, apenas cativante o bastante para despertar o interesse pelo que vem a seguir, cumpre sua função sem forte impacto. A próxima vez trouxe exatamente as mesmas coisas — obviamente, já que o filme não mudou desde então: estalos de dedos constantes e em ritmo; um rapaz e seus amigos tendo encontros não muito amigáveis na rua; os outros garotos eventualmente encontram seus próprios amigos e passam a reagir. Os estalos continuam marcando ritmo enquanto os personagens às vezes agem diferente, saltam e pulam sobre obstáculos com um passo de dança marcando presença ao ritmo de música.
Isso já estabelece muita coisa. Fica claro que Bernardo (George Chakiris) é uma figura influente entre seu grupo de colegas e que eles estão ali para mostrar que chegaram para conquistar respeito e espaço. Ao mesmo tempo, eles não estão sozinhos e encontram resistência de outro grupo de rapazes inicialmente espalhados, mas que logo se organizam para passar sua mensagem também, a de que eles não tolerarão estes movimentos. Conflito logo se torna uma realidade sem chegar numa escala séria ou agressiva. Faz sentido num primeiro momento para que a característica definitiva de “West Side Story” não seja esquecida: é um musical. As interrupções do movimento padrão para entrar na música e trocar uma cotovelada no queixo por um salto por cima das costas do rival torna tudo diferente. Por mais que sério que tudo seja, a identidade lúdica é presente e faz todos os eventos passarem por seu filtro.
O que torna tudo mais incrível é que não há um verso de cantoria sequer. A seqüência inicial inteira se apóia nas coreografias mascarando o comportamento comum e, é claro, nos estalos de dedo. Quem diria que um elemento simples poderia ser tão eficiente? É aí que entra algo que talvez tenha passado despercebido quando não deveria. Por mais que digam que Edição e Direção são verdadeiramente funcionais quando invisíveis, seria um crime fazer diferente aqui por isso ser contra o propósito essencial de exaltar as coreografias usando as ferramentas disponíveis ao diretor. A câmera de Robert Wise não poderia ser outra coisa além de um engrandecedor dos números organizados por Jerome Robbins, que partilha o crédito de diretor em “West Side Story”. A complexidade vem na forma de diversos indivíduos em movimento simultaneamente e da dinâmica inconstante da dança, a contínua transformação do arranjo inicial mudando sua organização e os elementos em foco, a pessoa que toma a frente dos outros e logo volta a se misturar ao grande todo unificado em prol da dança. Como é natural da natureza do espetáculo, ele não pode parar nem permanecer o mesmo. O trabalho de Wise nesse quesito, que talvez possa passar despercebido, é fundamental para o sucesso.
E ele pode ser visto até nos momentos mais calmos, quando a falta de vocais não demanda a presença de visuais poderosos compensando os estímulos reduzidos. Nem todos os números envolvem os Jets e todos os Sharks se encarando num baile juvenil da comunidade. Aliás, este é um perfeito exemplo da riqueza da produção em se reestruturar completamente em prol do novo objetivo de exaltar a união do par romântico da história. Todo o caos generalizado, o destaque para o ambiente amplo e todas as pessoas nele somem para dar lugar a uma iluminação reinventada, escura, com poucas luzes destacando os novos focos enquanto a música acompanha a mudança de atmosfera e proporciona o perfeito contraste de realidades dentro daquele contexto. “West Side Story” é sublime neste quesito. Seu único pecado raro, por assim dizer, é usar dessa mesma mecânica para um efeito às vezes cafona, por assim dizer, artifícios visuais exagerados e mais apropriados para produções de pior gosto.
Por fim, as músicas que tinham sido apenas parcialmente do meu agrado anteriormente também foram mais bem apreciadas. Sim, no final das contas as canções que ficam impressas na memória para sempre são as mesmas — “I Feel Pretty”, “America” e “Cool” — ao passo que todas as outras melhoram pela apreciação renovada das coreografias complementadas pela direção. Assim, ao menos um dos Oscars se mostra merecidíssimo: Melhor Direção para Robert Wise e Jerome Robbins. Outros que soavam estranhos, como os de atuação para George Chakiris e Rita Moreno, ficam mais claros quando mais atenção é dada aos seus talentos na dança e cantoria, que, sim, também são formas de atuação. Seu status como clássico do cinema americano até chega a fazer alguns confundirem com outro gigante, “Gone with the Wind”, mas isso é história para outra hora. “West Side Story” é tão celebrado que talvez a expectativa possa esmagar o sucesso visto em quão bem as tarefas elementares são executadas, uma possível explicação para a avaliação mais morna de antes.