“On the Town” é uma história relativamente simples e comum. Não é a única do tipo nem a única do tipo com Gene Kelly e Frank Sinatra no elenco, por sinal. Um dos clichês do senso comum fala do marinheiro com um amor em cada porto, do tempo curto que eles passam em terra e de todas as coisas que aprontam nesse período. Este musical trata exatamente disso e nada mais. É a história de três pessoas entusiasmadas com a maior metrópole do mundo e toda a mitologia associada ao lugar, algo que se vê com freqüência em cada pessoa que visita a cidade pela primeira vez e volta com mil histórias, talvez até com vontade de se mudar para lá e viver o sonho diariamente. Aliás, é a versão romântica e hollywoodiana dessa mesma idéia com os toques ainda mais fantásticos do gênero Musical envolvendo tudo.
Três marinheiros finalmente têm o momento pelo qual esperaram tanto tempo: 24 horas de folga para aproveitar Nova York. Todos os restaurantes e lojas secretas e infinitos pontos de interesse maravilham os olhos deles, que só conseguem pensar em visitar os pontos turísticos mais legais e descobrir o que há por trás da fama das mulheres nova iorquinas. Junto de Chip (Frank Sinatra) e Ozzie (Jules Munshin), Gabey (Gene Kelly) descobre as maravilhas da cidade que nunca dorme até ser surpreendido pela foto de Ivy Smith (Vera-Ellen) no metrô. Apaixonado, ele sai em busca da garota enquanto seus amigos dão um jeito de encontrar seus próprios romances no caminho.
“On the Town” encontra seus grandes acertos em sua idéia central. Sim, ela é simples e bastante conhecida pelo senso comum. A imagem de homens vestidos de marinheiros na cidade já evoca informação por si: eles não se vestiriam daquela forma gratuitamente, então estão buscando aventura. Essa busca eventualmente traz a companhia de belas moças que se juntam a eles para aproveitar o tempo limitado em terra para se divertir e se divertir ainda mais. Claro, é tudo muito fantasioso. Começa pelo fato das 24 horas. Dificilmente os rapazes e as garotas teriam energia para agüentar todo esse tempo fazendo festa sem descanso, por exemplo, e nenhuma delas tem coisa melhor para fazer, como trabalho? Não é bem o que aconteceria na realidade, é de se imaginar, mas fidedignidade nunca foi o forte dos musicais. A graça é justamente ver uma versão estilizada e romantizada de uma situação normal.
Este detalhe mesmo das 24 horas é transformado em um elemento narrativo interessante. Vez ou outra aparece um contador na tela mostrando quanto tempo falta para a aventura dos marinheiros acabar. Não vou dizer que é um suspense ou algo relevante como a passagem do tempo em “High Noon“, mas é um complemento que ajuda o espectador a se situar melhor. Tudo em “On the Town” funciona em prol de fazer aquele dia ser o mais intenso possível e a idéia nunca funciona melhor do quando os rapazes finalmente encontram garotas para passar o tempo com eles. Os rapazes por si são bem cativantes e, surpreendentemente, Frank Sinatra se mostra um melhor ator musical do que dramático, ao contrário de sua interpretação mediana em “From Here to Eternity“. Todavia, tanto ele como os outros se saem bem melhor quando Vera-Ellen, Betty Garrett e Ann Miller entram em jogo, trazendo novas personagens legais e também ótimas adições para os números musicais, especialmente aqueles com todos os seis ao mesmo tempo.
Mas nem tudo funciona perfeitamente bem. Se a idéia era deixar o espectador empolgado junto com os personagens pela perspectiva de explorar Nova York em sua imensidão, fazê-lo sentir-se nos lugares dos protagonistas e compartilhar sua empolgação de passar por alguns dos pontos turísticos mais famosos e entender um pouco melhor a magia da cidade, então “On the Town” patina em sua tarefa. A direção de Stanley Donen e Gene Kelly passa por vários desses lugares como se passa pelas lojas de um shopping: várias delas certamente têm algo de interessante, mas dificilmente se para em todas para conferir. Principalmente no começo, chega a ser decepcionante como apenas alguns segundos são dedicados ao começo de jornada supostamente entusiasmado dos três rapazes.
Claro, a idéia dificilmente era transformar “On the Town” em um passeio turístico completo. Mesmo assim, não deixa de ser um obstáculo para o espectador se conectar com a história quando ela própria parece desmerecer uma de suas idéias centrais em sua execução. Ao menos não se pode dizer que tal política de superficialidade é constante ou se aplica a todos os cenários. Alguns são muito bem aproveitados, especialmente o topo do Empire State e todas as cenas ambientadas lá, dentre elas estão os melhores números musicais de toda a obra. Por mais que pareça não haver muito para aproveitar no local como cenário de filme, não há como negar que a presença de “You’re Awful” e “On the Town” valoriza o ambiente.
Esperava um pouco mais de “On the Town”. Trata-se de outro exemplo de filme de sucesso limitado, que não pode ser criticado abertamente por falta de qualidade como um todo — ainda que “Come Up to My Place” seja um número notavelmente fraco entre outros bons — ao mesmo tempo que suas partes boas não são comparáveis às melhores de “An American in Paris“, por exemplo. Existem até similaridades grandes entre os dois, apesar de serem de diretores diferentes: há um longo número sem diálogo e com um lado onírico no clímax, o interesse amoroso do protagonista é introduzido em uma seqüência com ela dançando enquanto exalta suas qualidades, entre outras menores. Traçar essa comparação mostra como as duas são similares e também como uma supera a outra sem que esta última necessariamente seja de mau gosto. Uma é menos boa, como diria o eufemismo, mais crua e com menos recurso para fazer as mesmas coisas, mas ainda facilmente aproveitável por conta de momentos e canções encontradas apenas nela.