A obra que deu a Gary Cooper seu Oscar de Melhor Ator, o primeiro de sua carreira, mantém-aw como um dos melhores filmes da história e como um dos Faroestes quintessenciais, sendo referência instantânea quando se fala em algo bom do gênero. Apesar de ter sofrido crítica pesada de alguns artistas na época, como John Wayne e Howard Hawks, “High Noon” se posiciona em diversas de listas de melhores filmes — mais especificamente em oito listas do American Film Institute. Mais do que isso, a obra também venceu quatro Oscars e quatro Globos de Ouro; dando a Katy Jurado o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante, a primeira mexicana a receber o prêmio.
A trama conta a história do xerife da pequena cidade de Hadleyville, Will Kane (Gary Cooper), que tem de enfrentar seus demônios do passado quando eles voltam para atormentá-lo. Após limpar a cidade dos bandidos e da escória anos antes dos eventos da história, Kane leva uma vida relativamente tranquila e até decide se casar com Amy, interpretada pela maravilhosa Grace Kelly. As coisas começam a complicar quando a noticia que Frank Miller, o maior dos bandidos presos por Will, está voltando para a cidade após ser solto por conta de uma tecnicalidade legal. Tendo prometido vingança contra Kane, Miller está para chegar no trem do meio dia pronto para cumprir sua promessa.
Mais um conto sobre moralidade, esta obra foca completamente no conflito mental do protagonista, que tem de enfrentar a ameaça iminente sozinho. Aos poucos vemos a cidade, por qual Kane tanto lutou para manter limpa de escória, virar as costas para ele; uma a uma, as pessoas que sempre aproveitaram de vida boa por conta do trabalho do xerife se fazem de cegas perante toda a situação. Até mesmo os delegados que o acompanharam até aquele momento acabam sendo uma decepção quando vêem que a tão necessitada ajuda não vem e que estão todos sozinhos nessa empreitada.
No meio da população de moralidade questionável, egoísta, interesseira e individualista, Will Kane se ergue como a constante dentre os duvidosos, o que cria um estudo de personagem interessante. Por fora ele é a figura de estabilidade e segurança, por dentro é um homem em conflito, que o filme procura manter sempre bem visível. É o tipo forte e quieto no externo, como Tony Soprano o descreveu, e um ser humano por dentro. Independente disso, esse conflito é um dos grandes méritos de Cooper e sua atuação magnífica, pois sua habilidade de transmitir sentimentos sutilmente sem verbalizar nada é uma conquista digna do Oscar que lhe foi dado. O tempo todo Will Kane está a procura de ajuda para sua luta e, sendo o líder da delegacia local, é forçado a manter uma postura firme e sólida, mesmo que seu coração sinta o contrário. Basicamente, é a representação do ser humano moderno, que age sempre como querem que ele aja e não como seus valores e crenças indicam.
Outro ponto interessante é a tridimensionalidade dos personagens coadjuvantes, pois a grande maioria deles surpreendentemente evita a mediocridade; estando menos para o lado do personagem estereotipado de Faroeste e mais para o ser humano que comete erros. Cada indivíduo na tela possui suas próprias motivações, sua história de vida, suas ambições, suas qualidades e seus defeitos. Tudo isso é muito bem representado através de suas atitudes ao longo do filme. Mesmo o próprio protagonista tem diversos motivos fortes para influenciar sua tomada de decisão, tendo de um lado o dever e o trabalho e do outro sua esposa e perspectiva de um futuro tranquilo. O tempo todo esses lados martelam a cabeça do herói, colocando ele contra a parede e consequentemente seus valores à prova; ambos os lados têm prós e contras, mas não há como ter os dois ao mesmo tempo.
O fato da história se passar em tempo real é um elemento bem pensado e uma das mais marcantes características dela. Em um certo momento é dito que Frank Miller, o bandido, chegará em uma hora na cidade e de fato uma hora de filme transcorre até sua chegada. Desde que rola o aviso começa a se formar uma nuvem de tensão, que cresce e cresce até a hora do conflito final. Não só assistimos o esforço desesperado de Kane, como também sentimos na pele a ansiedade e a pressão de estar nas botas do herói. Ao longo da trama uma série de detalhes por parte da direção contribuem para esse clima inquieto. Sem forçar a barra, Fred Zinnemann captura ponteiros de um relógio vez ou outra, praticamente mostrando ao espectador que a vida de Will Kane está passando diante de seus olhos. Tudo é desenhado minuciosamente para criar essa atmosfera obsessiva da melhor forma possível.
Aos que se perguntaram porque diabos alguém criticaria uma obra tão boa, digo que não há realmente nada grave digno de nota. Mesmo assim, a tonalidade da obra em geral foi demonizada por Howard Hawks, que falou que um Xerife não sairia pela cidade como uma galinha decapitada para chorar por ajuda; e que, na sua opinião, isso não faz parte de um bom Faroeste. De fato esse conceito foge um pouco do arquétipo que engloba a maioria dos Faroestes, mas “High Noon” fez o que fez de maneira totalmente excelente, diga-se de passagem. Inclusive arrisco dizer que o filme consegue ser melhor que muitas obras do próprio Hawks, não desmerecendo o trabalho dele. Normalmente os personagens de Westerns costumam ter poucas facetas à mostra, normalmente exibindo apenas o lado interessante para o enredo. Nesse caso temos um Gary Cooper muito humano, tanto em sentimento quanto em comportamento. Como o longa aproveita muito bem esse lado, não vejo motivos para reclamações. Se outras obras aproveitassem melhor essa abordagem acredito que o gênero poderia ter sido ainda mais poderoso do que é hoje.
Um dos melhores Westerns que eu já vi na vida, “High Noon” foi uma surpresa agradabilíssima. Esperava que o filme fosse bom, mas não tanto assim. Vou inclusive procurar mais sobre o trabalho de Gary Cooper, pois o ator se mostrou uma ótima novidade pra quem conhecia pouco de seu trabalho. Recomendo com todas as forças que tenho. Esse é um baita filme e um baita faroeste, uma pérola do gênero.